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Sem dinheiro, haitianos perambulam pelo Acre em busca de emprego

28 fev 2013 - 08h04
(atualizado às 11h20)
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<p>Nadine Bertulia deixou dois filhos pequenos em Porto Príncipe em busca de emprego no Brasil</p>
Nadine Bertulia deixou dois filhos pequenos em Porto Príncipe em busca de emprego no Brasil
Foto: Fábio Pontes / BBC News Brasil

A janela aberta traz uma leve brisa, um refresco para uma haitiana de 29 anos, de olhar cansado e perdido, que viajou cerca de 3 mil quilômetros atravessando vários países em busca de uma vida melhor. "Quero muito ter meu emprego, ter meu dinheiro para buscar os meus filhos. Eles precisam de mim, sinto muita falta deles", diz Nadine Bertulia à reportagem da BBC, quase às lágrimas.

Sentada num quarto que divide com outros 12 haitianos, em um abrigo no calor abafado de Brasileia, na fronteira com a Bolívia e o Peru, ela conta que deixou os dois filhos pequenos em Porto Príncipe e aguarda ansiosa por um emprego. "Só quero uma oportunidade para trabalhar, não vim para cá para não fazer nada. Lá não há emprego, não está fácil viver (no Haiti), tudo é mais difícil", diz ela.

O drama de Nadine reflete a difícil situação das centenas de haitianos que perambulam por cidades no Estado do Acre em busca de emprego. Apesar da flexibilização e ajuda de autoridades brasileiras na concessão de visto, a situação de muitos imigrantes do Haiti continua delicada.

O acordo assinado entre Brasil e Haiti no início de 2012, que concede 1,2 mil vistos permanentes por ano para tentar controlar a imigração irregular, não tem sido suficiente para absorver o contingente de novos grupos que chegam ao País diariamente, principalmente no Acre, a principal porta de entrada deles no País. Desde que o acordo entrou em vigor, estima-se que 1,3 mil haitianos "novos" tenham atravessado as fronteiras brasileiras do Estado com a Bolívia e o Peru.

Estes recebem um visto provisório de seis meses, prorrogável por igual período, que lhes dá o direito de viver e trabalhar no Brasil. Passado este um ano, eles precisam solicitar a cidadania para permanecer de forma legal.

Segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Acre, para ajudar os haitianos, já que não se encaixam nos grupos contemplados com os vistos "tradicionais", como refugiados políticos, pessoas fugindo de guerras ou perseguição racial ou religiosa, foi criado o status de ajuda humanitária. Este visto permite que eles trabalhem, e a imensa maioria dos haitianos segue, já com carteira de trabalho e CPF no bolso, para Estados em que há melhores chances de emprego, como São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

Redes, arroz e feijão

A situação dos que, sem dinheiro, permanecem no Acre, não é fácil. A cidade de Brasileia, a 230 quilômetros da capital do Estado, Rio Branco, é hoje o retrato dessa situação. Por qualquer rua é possível encontrar haitianos, homens e mulheres, perambulando sem direção e vivendo sem perspectivas.

Atualmente, pelo menos 470 cidadãos haitianos aguardam por oportunidades de emprego e a cada dia chegam novos grupos à cidade. Um dia antes da chegada da reportagem, quase 50 haitianos chegaram a Brasileia.

Em uma casa que abriga haitianos, o espaço é pequeno; todos os cômodos são aproveitados e estão superlotados. As árvores do quintal servem para amarrar as redes.

Não há comida para todos. Quem ainda tem dinheiro compra o que pode, como arroz e feijão. Uma forma encontrada pelo governo para auxiliá-los é fazer com que cada empresário que busca a mão de obra dos haitianos doe cestas básicas.

A casa está com o fornecimento de energia suspenso por falta de pagamento. O esgoto corre a céu aberto. Não há banheiros suficientes. O banho é tomado ao ar livre. A água escorre pelo quintal, criando um ambiente insalubre.

Rota consolidada

A história dos haitianos é quase sempre a mesma: deixaram o Haiti por conta do abismo em que o país ainda está mergulhado pelos efeitos do terremoto de 2010. Para chegar ao Brasil, eles percorrem o que o governo do Acre classifica de "rota consolidada".

Da República Dominicana ou Panamá, eles embarcam em voos comerciais rumo a Quito. Da capital equatoriana, seguem por estrada pelo Peru até entrar no Brasil. A primeira cidade brasileira é Assis Brasil, na fronteira com o Peru.

Uma rota alternativa os leva à cidade boliviana de Cobija. Como a fiscalização lá é mais frágil, fica fácil para os imigrantes entrarem em território brasileiro.

Esta foi a trajetória de Samuel Mellos, um operador de máquinas que está há dois meses no Acre esperando uma oportunidade de emprego. Ele chegou ao Brasil com pouco dinheiro, alegando ter sido extorquido pelas polícias de Equador, Peru e Bolívia.

"Somos obrigados a dar tudo o que temos aos policiais com que cruzamos. Eles procuram dinheiro em todas as partes, nas malas, dentro dos sapatos, ficamos sem nada", diz.

Richard Jaguerre se diz um "faz tudo". Deixou a República Dominicana, onde trabalhava, para se arriscar no Brasil. As boas notícias sobre a economia e a cordialidade do brasileiro foram os principais atrativos para Jaguerre decidir vir para o País.

"Ter conseguido entrar no Brasil foi uma grande vitória. Minha esperança é de aqui melhorar minha vida e ajudar a família. As notícias que recebemos de quem já está aqui são as melhores, a economia está bem - há emprego, diferente do meu país", afirma.

Desde 2010, mais de 4 mil haitianos já entraram no Acre, segundo a secretaria de Justiça e Direitos Humanos, que afirma ter bancado as despesas dos imigrantes neste período. O Acre se tornou a principal porta de entrada justamente pela assistência oferecida, mas agora o Estado alega não ter mais recursos.

"Nós nos deparamos com uma questão humanitária, mesmo não sendo a nossa obrigação a política de imigração. Nos vimos diante de uma situação em que não poderíamos ficar omissos", diz o secretário de Justiça, Nilson Mourão.

Para ele, somente um acordo diplomático entre os países que integram a "rota consolidada" poderia diminuir o fluxo de imigrantes. "(É uma questão) que precisa ser enfrentada entre Brasil, Bolívia, Peru e Equador", afirma.

Mourão avalia que o acordo entre Brasil e Haiti para controlar o número de imigrantes não ameniza o problema. Para ele, o tempo de espera pela concessão do visto é demorado e muitos optam pela imigração irregular.

O Ministério das Relações Exteriores afirma que o Brasil mantém trabalho de cooperação com as polícias do Equador e do Peru para identificar e combater as quadrilhas dos "coiotes" responsáveis por alimentar a imigração irregular. O governo brasileiro ainda afirma desenvolver projetos no Haiti para a melhoria das condições de vida da população e desestimular a imigração.

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