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'Se houver indicação, devolverei carteira da OAB': favorito de Bolsonaro para chefiar MP é sócio de escritório de advocacia

Augusto Aras é o mais cotado para assumir a PGR. Se escolhido por Bolsonaro, indicará nomes do MPF em tribunais onde seu escritório de advocacia atua. À BBC, disse que se afastará caso seja nomeado.

8 ago 2019 - 14h35
(atualizado às 14h58)
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Augusto Aras já se encontrou diversas vezes com Bolsonaro desde o começo de junho
Augusto Aras já se encontrou diversas vezes com Bolsonaro desde o começo de junho
Foto: TSE / BBC News Brasil

O procurador e advogado Augusto Aras é hoje o favorito para ganhar a indicação do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao cargo de Procurador-Geral da República (PGR).

Se for escolhido, Aras indicará os representantes do Ministério Público em tribunais nos quais o escritório de advocacia do qual ele é sócio tem processos em andamento.

A situação é vista com reservas por colegas de Aras no MPF, que enxergam possível conflito de interesse.

Juntos, o procurador e seus quatro sócios no escritório Aras e Advogados Associados figuram em 460 processos no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O número de processos nos quais o escritório atuou é um pouco menor, porém, pois em alguns casos há mais de um advogado da banca atuando.

O PGR atua nesses tribunais diretamente e por meio de auxiliares (STF); por meio de seu escolhido para vice-procurador-geral (STJ); e pelo procurador-geral eleitoral (TSE), que também é indicado por ele.

Questionado pela reportagem da BBC News Brasil, Aras se comprometeu a deixar o escritório de advocacia, caso seja escolhido por Bolsonaro para a função. Disse também que entregará sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil.

"Se houver indicação, devolverei minha carteira da OAB, como fizeram todos os procuradores-gerais que me antecederam, e sairei da sociedade (de advogados) da qual sou mero consultor", disse ele, por meio de seu assessor de imprensa.

Além de Aras, também figuram como sócios do escritório de advocacia dois filhos dele, Augusto e Lianna, segundo o cadastro da empresa na Receita Federal.

O cargo de procurador-geral é um dos mais importantes da República
O cargo de procurador-geral é um dos mais importantes da República
Foto: MPF / BBC News Brasil

O favorito ao cargo de PGR diz que deixou de atuar com a advocacia anos atrás, por volta de 2010. Seus filhos também deixaram de atuar no escritório em 2017, segundo ele - embora ainda figurem como proprietários da empresa.

Processo no STJ

A banca de advocacia foi criada no começo da década de 1980, em Salvador (BA), de onde a família Aras é originária. Hoje, além da capital baiana, conta com uma sede em Brasília.

Aras e seus sócios têm processos ativos nos três tribunais superiores, embora a maioria dos casos já tenha sido arquivada.

O próprio Aras figura como advogado em um processo em andamento no Superior Tribunal de Justiça - onde ele também atua como procurador. O caso diz respeito ao pagamento de precatórios (títulos de dívida do Estado) a militares da Bahia.

Aras e dois filhos continuam figurando como sócios do escritório nos registros da Receita Federal
Aras e dois filhos continuam figurando como sócios do escritório nos registros da Receita Federal
Foto: Receita Federal / Reprodução / BBC News Brasil

Ao jornal Folha de S.Paulo, Aras disse que seu nome continua constando no processo por ele ter dado início à tramitação do caso - mas que está afastado.

"Quando o advogado é constituído, a procuração consta no nome do advogado constituído, ainda que ele saia", disse. "Me afastei da militância advocatícia há seis anos e essa militância ocorria, quando ocorria, em Salvador, Estado da Bahia. Em Brasília não advogo há muitos anos. Provavelmente há oito, dez anos", disse ele ao jornal.

Como Aras ingressou no Ministério Público antes da entrada em vigor da Constituição de 1988, a lei permite que ele continue exercendo a advocacia.

A candidatura de Aras também desagrada a colegas dele no Ministério Público pelo fato de ele não ter participado da consulta organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Os escolhidos para a lista da ANPR, da esquerda para a dir.: Luiza Frischeisen, Blal Dalloul e Mário Bonsaglia
Os escolhidos para a lista da ANPR, da esquerda para a dir.: Luiza Frischeisen, Blal Dalloul e Mário Bonsaglia
Foto: CNJ, MPF e ANPR / BBC News Brasil

Embora Bolsonaro não seja obrigado por lei a escolher um dos três nomes aprovados na consulta, esta tem sido a praxe desde 2003. Se Aras for escolhido, será o primeiro de fora da lista tríplice desde Claudio Fonteles (2003-2005).

'Prestigiar a independência'

O resultado da consulta da ANPR saiu em meados de junho. O mais votado pelos procuradores foi Mário Bonsaglia, de São Paulo - seguido de Luiza Frischeisen e de Blal Dalloul. Conheça mais sobre eles aqui.

Nos últimos dias, vários procuradores se manifestaram abertamente nas redes sociais pedindo que a escolha seja feita dentro da lista tríplice.

"O presidente Jair Bolsonaro só terá vantagens se escolher o/a próximo/a PGR entre a lista tríplice. Distancia-se de conchavos políticos obscuros que ele diz combater, prestigia a independência e a transparência do MPF, garante a defesa da sociedade", disse a procuradora Janice Ascari, que integra a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo.

Quem expressou o mesmo ponto de vista foi o procurador Wellington Cabral Saraiva. Numa longa

, Cabral defendeu a importância da lista tríplice para a escolha do próximo PGR. Ele também lamentou a opção de Aras e da atual chefe do MP, Raquel Dodge, de se articularem para conseguir a nomeação "por fora" do processo.

O cargo de Procurador-Geral da República é um dos mais importantes do país. O PGR é o único que pode denunciar criminalmente o presidente da República, e também ministros de Estado, deputados federais e senadores - em casos relacionados ao mandato e cometidos durante este.

O PGR comanda não só o Ministério Público Federal, mas também o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

No STF, o PGR atua diretamente em alguns casos - geralmente os mais relevantes - e nomeia auxiliares para representá-lo em outros momentos, como os julgamentos das duas Turmas do tribunal.

No STJ, a praxe é que o vice-PGR represente o chefe do Ministério Público nos julgamentos da Corte Especial - geralmente, os mais importantes. No TSE, quem representa o Ministério Público é o vice-procurador-geral eleitoral, também escolhido pelo PGR.

Augusto Aras ingressou no MPF em 1987 e é hoje o coordenador da 3ª Câmara do MPF (que cuida de temas econômicos e de direitos do consumidor). De 2012 a 2014, integrou o Conselho Superior do MPF.

Ele é primo do procurador Vladimir Aras, que coordenou a parte de cooperação internacional da Lava Jato durante a gestão de Rodrigo Janot na PGR (2013-2017).

O ex-deputado Alberto Fraga (DEM) ajudou Aras a ganhar acesso ao Planalto
O ex-deputado Alberto Fraga (DEM) ajudou Aras a ganhar acesso ao Planalto
Foto: Agência Câmara / BBC News Brasil

Augusto está no terceiro e último "degrau" da carreira do MPF, o de subprocurador-geral da República.

Ele está se movimentando pelo menos desde o começo de junho para conseguir a indicação de Bolsonaro. Encontrou-se ao menos seis vezes com o presidente, além de ter sido recebido em audiências pelos filhos de Bolsonaro e pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Aras é também próximo do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF). Fraga integrava a "bancada da bala" e era próximo de Bolsonaro, quando o presidente estava na Câmara. Fraga viabilizou pelo menos um dos encontros de Bolsonaro com Aras.

O procurador também contratou o jornalista Luiz Fernando Rila para assessorá-lo - no começo do ano, o profissional era o responsável pela comunicação do governo do Estado do Rio de Janeiro, comandado por Wilson Witzel (PSC).

'Não mandou um e-mail para dizer o que pretende'

Nos últimos dias, a reportagem da BBC conversou com vários procuradores da República, que se mostraram preocupados com a possibilidade de que Augusto Aras seja escolhido por Bolsonaro para o cargo.

Segundo um deles, Aras não mandou "sequer um e-mail" para a lista interna dos procuradores para dizer o que pretende fazer no comando do MP, caso escolhido.

"Aras é uma pessoa desconhecida dentro da instituição, e, ao que se sabe, costuma conversar mais com subprocuradores (do último nível da carreira) mais antigos. Os colegas começaram a conhecê-lo mais depois que ele começou a aparecer na imprensa como 'candidato'. Mas ele não tem interlocução com a classe (dos procuradores)", diz o procurador-chefe de uma das unidades do MPF.

"Ele não mandou sequer um e-mail para a lista da classe explicando o que ele pretende, inclusive administrativamente. O que ele pensa para a Lava Jato, para as outras operações (contra a corrupção), como ele pensa em estruturar o órgão num momento de crise financeira", diz este procurador.

Um outro procurador ouvidor pela BBC News Brasil contou que atua há mais de dez anos no MPF e viaja a Brasília com frequência, mas diz nunca ter visto Aras na capital federal, onde ele reside. "É um absurdo se pensar em indicar (para a) PGR (um) advogado. Seria uma total bagunça. Não vejo como ele ter legitimidade", diz o profissional.

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