PUBLICIDADE

Roe x Wade: Barroso diz que decisão da Suprema Corte dos EUA é 'grande retrocesso' e avalia que não há 'clima' no Brasil para STF decidir sobre aborto

Por seis votos a três, os ministros da Suprema Corte dos EUA derrubaram o precedente Roe vs Wade, em vigor há 49 anos, que estabelecia o direito constitucional das mulheres à interrupção da gestação; com isso, aborto pode se tornar ilegal em 22 Estados americanos.

25 jun 2022 - 07h46
(atualizado às 07h48)
Compartilhar
Exibir comentários
"Considero um grande retrocesso aos direitos das mulheres", diz Barroso sobre decisão da Suprema Corte dos EUA
"Considero um grande retrocesso aos direitos das mulheres", diz Barroso sobre decisão da Suprema Corte dos EUA
Foto: Brazil Forum / BBC News Brasil

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, disse à BBC News Brasil neste sábado (25/6) que a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de reverter decisão que garantia o direito do aborto no país é um "grande retrocesso ao direito das mulheres".

"É uma decisão contra-majoritária que impõe uma agenda conservadora numa sociedade que já havia superado esse problema", afirmou o ministro, que está na Inglaterra para participar do Brasil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido.

"Considero um grande retrocesso aos direitos das mulheres", completou Barroso.

Por seis votos a três, os ministros da Suprema Corte dos EUA derrubaram o precedente Roe vs Wade, em vigor há 49 anos, que estabelecia o direito constitucional das mulheres à interrupção da gestação. Com isso, o aborto pode se tornar ilegal em 22 Estados americanos onde há legislações locais, prestes a entrar em vigor, que restringem o acesso ao procedimento.

"Em linha de princípio, é sempre ruim quando se derruba um precedente consolidado, ainda mais um precedente consolidado há quase 50 anos e que tem apoio da maioria da sociedade", criticou Barroso, ao ser perguntado pela BBC News Brasil sobre a decisão americana.

'Não há clima'

Ativistas pró-aborto e antiaborto protestam lado a lado durante uma manifestação do lado de fora da Suprema Corte em 04 de outubro de 2021 em Washington, DC.
Ativistas pró-aborto e antiaborto protestam lado a lado durante uma manifestação do lado de fora da Suprema Corte em 04 de outubro de 2021 em Washington, DC.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal também poderá ser a instituição a definir os rumos das regras sobre interrupção da gestação. Uma ação que pede que o aborto deixe de ser crime no país está no tribunal desde 2017, sob relatoria da ministra Rosa Weber.

Desde então, a composição do tribunal mudou muito, com a indicação de dois ministros pelo presidente Jair Bolsonaro: Kássio Nunes Marques e André Mendonça, que é evangélico.

Para Barroso, o momento atual não é o ideal para julgar a ação que pede a descriminalização do aborto no Brasil.

"O relator tem um certo controle sobre o timing do julgamento e ele também depende de ser pautado pelo presidente. Então, você precisa de duas vontades, do relator e do presidente", explica o ministro.

"Eu penso que, muito possivelmente, isso não será pautado proximamente. Não há clima de tranquilidade para julgar essa matéria. Mas ela também não pode ser adiada indefinidamente. Em algum momento vai ter que ser decidido e acho que pode ser uma decisão apertada", disse à BBC News Brasil.

Atualmente no Brasil, o aborto é crime com pena de até três anos de prisão. O procedimento só permitido em caso de estupro, risco de vida para a mãe e se o feto tem anencefalia e não tem possibilidade de sobreviver após o parto.

Criança de 11 anos foi impedida de abortar

Mesmo assim, o acesso ao aborto legal nessas três circunstâncias é muitas vezes dificultado. Nesta semana, o caso de uma criança de 11 anos que foi estuprada e teve inicialmente o direito de interromper a gestação negado gerou comoção no Brasil e repercutiu na imprensa estrangeira.

O site The Intercept Brasil e o Portal Catarinas revelarem que a menina, apesar de ter direito a um aborto legal e ter manifestado esse desejo, ficou um mês em um abrigo por determinação da Justiça, para impedi-la de seguir adiante com o procedimento.

Na última terça (21), ela foi finalmente liberada do abrigo, depois que o caso ganhou os holofotes da imprensa, e na quarta (22) realizou o aborto.

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura conduta de Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC)
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura conduta de Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC)
Foto: Solon Soares/Agência ALESC / BBC News Brasil

Barroso disse que ficou "abalado" com o caso e destacou que "convicções religiosas" pessoais não deveriam orientar decisões de juízes e promotores.

"A primeira coisa a mencionar é o fato de que houve uma violência contra uma criança e uma mulher. Isso é muito chocante. E as primeiras decisões aparentemente foram influenciadas por convicções religiosas. O Estado é laico e as convicções religiosas não devem informar decisões judiciais", disse à BBC News Brasil.

"Qualquer pessoa normal e razoável fica abalada que coisas como essa aconteçam."

'Conservadorismo foi capturado pela violência'

Depois de conversar com a BBC News Brasil, em palestra na Universidade de Oxford (Inglaterra), Barroso criticou a polarização e dificuldade de diálogo que se instaurou nos últimos anos no Brasil. Enquanto defendia as urnas eletrônicas e dizia que seria um "retrocesso" voltar ao sistema de "voto impresso com contagem manual", ele foi interrompido por uma mulher na plateia.

"Isso é mentira, não é contagem manual!", gritou. Em seguida um homem sentado ao lado dela gritou: "Como vamos confiar no homem que soltou o maior ladrão do país!".

Barroso rebateu dizendo que há espaço para divergências na democracia, mas que os argumentos devem ser apresentados com "civilidade". Em seguida, ele afirmou que "o conservadorismo" no Brasil foi "capturado" pela violência.

"O pensamento conservador, que é legítimo, foi capturado pela grosseria, pela violência, pela falta de respeito. Precisamos resgatar a civilidade, que torna capaz divergir com respeito. Viramos um país de ofensas."

'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61936898'

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade