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Rio de Janeiro aposta em biogás para cumprir meta de zerar emissões de carbono

26 fev 2019 - 11h54
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Por Karla Mendes

Homem caminha em meio a lixo na praia de Botafogo com o Pão de Açúcar ao fundo no Rio de Janeiro\
12/03/2014 REUTERS/Sergio Moraes
Homem caminha em meio a lixo na praia de Botafogo com o Pão de Açúcar ao fundo no Rio de Janeiro\ 12/03/2014 REUTERS/Sergio Moraes
Foto: Reuters

RIO DE JANEIRO (Thomson Reuters Foundation) - A cidade do Rio de Janeiro escolheu um lugar talvez improvável para focar seus esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa próximo de zero até 2050: as lixeiras.

Em uma imponente estação de tratamento de resíduos na região metropolitana do Rio, gás metano emitido pelo lixo soterrado - restos de alimentos e outros resíduos - é queimado e transformado em biogás como parte da principal estratégia da cidade para atingir sua meta ambiciosa de tornar-se neutra em carbono.

Todos os dias, caminhões descarregam 10.000 toneladas de lixo na usina de tratamento de resíduos CTR Seropédica, cerca de 60 quilômetros a noroeste da cidade.

O objetivo é converter os gases resultantes de resíduos domésticos, industriais e alimentos que apodreceriam no aterro sanitário - e liberariam na atmosfera gás metano, um dos principais causadores da mudança climática - em biogás que é vendido para as indústrias ou para a companhia de gás do Estado.

A usina de biogás, única na América Latina, tem capacidade para produzir 20 mil metros cúbicos de gás purificado por hora, de acordo com José Henrique Monteiro Penido, diretor de sustentabilidade ambiental da Comlurb, empresa de gestão de resíduos da cidade.

"Todo mundo fala de reciclagem, mas o maior problema ambiental é a fração orgânica do lixo", disse.    

Uma vez em um aterro, o lixo apodrece, liberando metano que pode, no curto prazo, impulsionar a mudança climática em um ritmo muito mais rápido do que as emissões de outras fontes, como automóveis ou aparelhos de ar-condicionado.

O gás metano e o chorume resultante do lixo em putrefação, "é o problema mais sério", disse Penido.

Como a primeira cidade brasileira a aderir à iniciativa Cidades C40 - uma rede de cidades que promovem ações climáticas - o Rio comprometeu-se a reduzir suas emissões que causam mudanças climáticas em 20 por cento entre 2005 e 2020.

Com cerca de 6,7 milhões de habitantes, o Rio é também uma das mais de 70 cidades do mundo que pretendem se tornar "neutras em carbono" até 2050, o que significa que não produzirão mais emissões além das que podem ser compensadas por outros meios, como o plantio de árvores para absorção de carbono.

As cidades respondem por cerca de três quartos das emissões de dióxido de carbono, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), e consomem mais de dois terços da energia mundial.

Isso significa que o sucesso ou não de suas iniciativas para redução das emissões terá um enorme impacto sobre as metas mundiais para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.

Do plantio de árvores até a promoção de energia renovável e meios de transporte menos poluentes, como carros elétricos e ônibus, cada cidade está atingindo suas metas neutras em carbono de diferentes maneiras e com diferentes graus de sucesso.

No caso do Rio, as mudanças no tratamento de resíduos são responsáveis por cerca de dois terços das reduções de emissões feitas até agora, segundo José Miguel Carneiro Pacheco, gerente de mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável da Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente.

A produção de biogás da usina de Seropédica responde por um terço das reduções de emissões feitas até agora no Rio, disse Pacheco.

METAS EM RISCO?

Ainda não está claro se o Rio atingirá suas metas de redução de emissões até 2020 - e a meta está em risco, afirmam autoridades e ambientalistas.

A falta de investimento privado e atrasos em obras de infraestrutura reduziram a estimativa da prefeitura de redução das emissões até 2020 para 18,2 por cento "se tudo se mantiver como está", disse Pacheco.

Houve atrasos na inauguração de um novo centro de tratamento de resíduos bem como na entrada em operação de uma nova linha de trem metropolitano para a cidade e de novos corredores de ônibus, conhecidos como BRT.

As metas para 2020 ainda podem ser alcançadas, disse Pacheco, se os projetos atrasados e outras iniciativas avançarem, disse ele.

"Necessitamos mensurar as reduções de emissões contidas no Plano Estratégico de 2017-2010 para verificar se conseguimos o restante até 2020", disse Pacheco.

A pressão para reduzir emissões, no entanto, coincide com a tentativa da cidade de se recuperar de sua pior crise financeira em décadas, provocada em parte por escândalos de corrupção e preços mais baixos de seus principais produtos de exportação, sobretudo o petróleo.

Em meio à crise financeira, os esforços da prefeitura para atrair financiamento privado para projetos de energia limpa e outras iniciativas para redução de emissões se tornaram mais difíceis, disse Pacheco.

A prefeitura, por exemplo, não conseguiu encontrar um parceiro por meio de licitação para substituir as 430.000 lâmpadas do sistema de iluminação pública da cidade por lâmpadas de LED que economizam energia e agora está procurando um investidor via parceria público-privada (PPP) para instalar painéis solares em cerca de 1.500 escolas, disse Pacheco.

"A situação econômica do município não está favorável para esses projetos, que demandam grandes investimentos", disse ele.

RISCOS CRESCENTES

Ambientalistas temem que o crescente desmatamento - um dos grandes impulsionadores da mudança climática - piore sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo em janeiro e prometeu abrir mais áreas protegidas para mineração e agricultura.

Os brasileiros consideram a mudança climática a principal ameaça à segurança do país e do planeta, acima do terrorismo e da situação econômica, de acordo com um estudo de 2017 do Pew Research Center, com sede em Washington.

Para Mauro Pereira, diretor-executivo da ONG Defensores do Planeta, liderada por jovens no Rio, os governantes da cidade estão fazendo muito pouco para manter as promessas de reduzir as emissões e garantir que os moradores tenham voz ativa no processo de tomada de decisões.

"Até 2012 a prefeitura teve muito êxito. Mas depois disso a cidade não está cumprindo suas promessas", disse Pereira em uma entrevista por telefone.

Quando o Rio sediou os Jogos Olímpicos de 2016, disse Pereira, a cidade fez um acordo com o Comitê Olímpico para plantar 12 milhões de mudas de árvores na cidade - e 24 milhões no Estado - para compensar os impactos ambientais do evento.

Mas até o momento menos da metade das árvores - 5,5 milhões - foram plantadas, disse Pereira.

Em um comunicado, a prefeitura disse que "desconhece" o número citado pela ONG e confirmou apenas seu compromisso de plantar 13.500 árvores no Parque Radical de Deodoro como um dos legados ambientais dos Jogos Olímpicos. Mesmo assim, a prefeitura informou que ainda avalia a "viabilidade" de levar adiante o projeto.

Além disso, a prefeitura disse que a meta de plantio de 24 milhões de árvores foi proposta pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, mas foi reavaliada e descartada depois que o Estado, o Comitê Olímpico e outros órgãos envolvidos consideraram que não seria viável.

Pereira, porém, disse que acompanhou as negociações para os Jogos Olímpicos e que as metas não foram descartadas.

No entanto, Pereira disse que a prefeitura foi bem sucedida em melhorar o tratamento de resíduos e ampliar o número de ciclovias para reduzir as emissões, bem como ao instalar painéis solares nas escolas.

Contudo, ele disse estar preocupado com os efeitos da mudança climática no Rio, especialmente nas regiões mais pobres, e solicitou às autoridades municipais que realizem mais avaliações de risco.

Quase todos os anos, tempestades torrenciais provocam enchentes e deslizamentos de terra fatais em morros na cidade e em seus arredores.

As áreas mais planas e em grande parte pobres na região oeste também enfrentam ondas crescentes de calor, já que as mudanças climáticas trazem temperaturas mais extremas, disse ele.

"A zona oeste está muito quente - 48, 49 graus, além de chuvas torrenciais. Nos preocupa muito o período das chuvas a partir de janeiro", disse ele.

"A gente só quer que a prefeitura cumpra com seus acordos internacionais para a cidade se tornar um exemplo para o mundo."

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