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'Quem tiver oxigênio, por favor traga': o apelo da mulher ao ver desespero de pacientes em hospital de Manaus

Psicóloga relatou dificuldades nas unidades de saúde de Manaus. Governo decidiu importar oxigênio de outros Estados.

14 jan 2021 - 21h40
(atualizado em 15/1/2021 às 14h26)
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Na madrugada desta quinta-feira (14/01), a psicóloga Thalita Rocha comemorou a melhora da sogra, de 67 anos, que está internada em uma unidade pública de saúde de Manaus (AM) em decorrência da covid-19. Mas horas depois, Thalita se viu em meio a uma situação que define como semelhante ao "fim do mundo".

Por volta das 8h30, relata a psicóloga, o oxigênio usado no local para ajudar pessoas com dificuldades respiratórias acabou. O item é considerado essencial para o tratamento de pacientes que, como a sogra de Thalita, desenvolvem quadro grave da covid-19, pois o novo coronavírus costuma afetar duramente os pulmões.

A falta de oxigênio hospitalar causou momentos assustadores, conta Thalita.

"Foi horrível. Não desejo essa situação para ninguém. Foi uma cena catastrófica. Muitos pacientes idosos começaram a passar mal e ficaram roxos", diz à BBC News Brasil.

Thalita explica que antes do fim da suplementação hospitalar, a sogra estava se recuperando bem da covid-19. Ela detalha que a idosa atingiu, na madrugada de quinta-feira, o maior nível de saturação de oxigênio do sangue desde que contraiu o novo coronavírus: chegou a cerca de 99% — o ideal é entre 95% e 100%.

No entanto, quando o oxigênio hospitalar acabou, diz a psicóloga, a saturação da idosa caiu para 35%. "Essa queda aconteceu com praticamente todos os pacientes", comenta. Diante da situação, ela afirma que a única alternativa que lhe restou foi comprar um cilindro de oxigênio por conta própria para ajudar a sogra.

A escassez de oxigênio hospitalar tem sido registrada em diversas unidades públicas de Manaus. A situação preocupa profissionais de saúde do Amazonas, que têm lidado com hospitais cada vez mais lotados — nas últimas semanas, o Estado, que tem mais de 5,8 mil mortes pela covid-19, enfrentou duro aumento de casos da doença.

De acordo com o governo do Amazonas, o Estado precisaria atualmente de 76,5 mil metros cúbicos diários para abastecer os hospitais públicos e privados da região diante do crescimento de casos da covid-19. No entanto, as três fornecedoras da região têm capacidade de entrega diária somente de 28,2 mil metros cúbicos.

Para buscar os 48,3 mil metros cúbicos diários que faltam para atender os pacientes, o governo do Amazonas criou nesta semana, junto com o Ministério da Saúde, a "Operação Oxigênio", para pegar insumo em Fortaleza e São Paulo e levar a Manaus por meio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).

O governador do Amazonas, Wilson Lima, afirmou recentemente que o Estado sofre com dificuldades logísticas para abastecer as unidades de saúde com oxigênio. Segundo ele, desde a semana passada há um "esforço muito grande para complementar a produção no Amazonas".

Nesta quinta, a Secretaria de Saúde do Amazonas determinou a requisição administrativa de "eventual estoque ou produção de oxigênio" de 17 empresas, como montadoras e produtoras de Eletrodomésticos.

Na última terça-feira (12/01), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que a capital amazonense enfrenta a "crise do oxigênio".

'Todo mundo vai morrer'

Nas últimas semanas, o Amazonas enfrentou duro aumento de casos de covid-19
Nas últimas semanas, o Amazonas enfrentou duro aumento de casos de covid-19
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A tragédia da falta de oxigênio em Manaus foi compartilhada por Thalita em seu perfil no Instagram. "Pessoal, peço misericórdia. É uma situação deplorável. Acabou oxigênio em toda a unidade de saúde. Há muita gente morrendo. Quem tiver disponibilidade de oxigênio, por favor traga", disse a psicóloga em uma série de vídeos publicados na manhã desta quinta.

A sogra de Thalita, Maria Auxiliadora da Cruz, está internada no Serviço de Pronto Atendimento e Policlínica Dr. José Lins, em Manaus, desde 8 de janeiro. A psicóloga conta que a idosa precisaria estar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não conseguiu vaga em razão da sobrecarga do sistema de saúde da cidade.

Desde que passou a acompanhar a sogra com a covid-19, Thalita presenciou as dificuldades enfrentadas na saúde pública diante do aumento de casos da doença. Porém, ela relata que não cogitava passar por situação desesperadora como a da manhã desta quinta.

"Os familiares dos pacientes ficaram desesperados. Fui atrás da diretora do hospital, que é uma senhora muito humilde e querida. Vi o desespero nos olhos dela. Ela falou: não tenho o que fazer, infelizmente. Eu respondi: então todo mundo vai morrer", emociona-se a psicóloga.

Thalita comenta que decidiu fazer as publicações no Instagram ao ver a sogra e os outros pacientes cada vez piores. Segundo ela, não havia previsão para a chegada de oxigênio hospitalar na unidade de saúde.

"Pedi ajuda (no Instagram) para ver se as pessoas traziam oxigênio ou se as empresas doavam. A unidade precisa só de 12 cilindros para ajudar os pacientes. Se conseguíssemos apenas essa quantidade, já ajudaríamos os pacientes por mais algumas horas", relata a psicóloga.

O infectologista Bernardino Albuquerque, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), conta ter ouvido inúmeros relatos de diversas unidades de saúde de Manaus que enfrentam a falta de oxigênio.

"Não ter oxigênio nessa atual situação é falta de planejamento de aquisição e entrega desses insumos. Se as empresas daqui não tinham condições de entregar uma certa capacidade de oxigênio, obviamente já deveriam ter buscado em outros lugares", critica.

"A atual situação é de calamidade pública, sem dúvidas. Estamos todos numa grande expectativa sobre o que realmente pode acontecer em Manaus. Isso não vai terminar daqui dois, três, quatro ou cinco dias. Serão semanas nessa situação crítica. Dizem que a vacinação pode melhorar, mas para isso leva tempo, porque vai depender da adesão da população e da eficácia da vacina", acrescenta.

A luta pelo oxigênio

Para ajudar a sogra, Thalita pagou R$ 3 mil em um cilindro de oxigênio. Para recarregar o equipamento (cada carga dura em média 12 horas), deverá pagar cerca de R$ 500 — especialistas estimam que os valores de muitos produtos relacionados ao oxigênio hospitalar em Manaus mais que dobraram no atual período, em razão do aumento da procura.

"Mesmo com o oxigênio hospitalar, a minha sogra ainda está muito mal. A saturação dela caiu muito e não voltou", lamenta Thalita.

Além de Maria Auxiliadora, o marido dela, Paulo Jorge Lima, de 66 anos, também está internado em decorrência da covid-19 — outros membros da família, como Thalita, também contraíram o novo coronavírus recentemente, mas apresentaram sintomas leves. O idoso está em outra unidade de saúde pública de Manaus. Os familiares também compraram um cilindro para auxiliá-lo.

Enquanto a família da psicóloga tem condições financeiras para comprar cilindros, outras vivem a terrível espera por parte do poder público.

Policial faz patrulhamento em frente a hospital de Manaus
Policial faz patrulhamento em frente a hospital de Manaus
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Familiares de pacientes internados em Manaus, conta a psicóloga, começaram buscas desesperadas por oxigênio. "Dei um pouco de carga do oxigênio para uma senhora ao lado da minha sogra, mas não pude ajudar muito", diz Thalita. Segundo a psicóloga, outras famílias de pacientes da unidade de saúde também adquiriram cilindros de oxigênio.

"O problema é que há muitas famílias humildes. Me disseram que alguns vendedores estão cobrando até R$ 5 mil pelo cilindro, mas muitos familiares de pacientes são pessoas que dizem que não têm condições sequer para comprar água", relata a psicóloga. "Muita gente vai morrer por falta de oxigênio", acrescenta Thalita.

Até meados da tarde desta quinta-feira, o governo ainda não havia entregado cilindros para a unidade de saúde em que a sogra de Thalita está internada. Em seu perfil no Instagram, a psicóloga pedia doações de insumos para o local e até ajuda para tentar transferir pacientes em estado grave que lutavam para sobreviver diante da falta de oxigênio hospitalar.

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