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Quem defende os direitos das crianças na era digital?

1 mar 2019 - 01h38
(atualizado às 07h19)
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No Brasil, 85% das crianças e jovens entre 9 e 17 anos acessam a rede. Além de consumir, criam e postam conteúdo. Entre outros, riscos aumentam por falta de conhecimento dos pais sobre novas tecnologias.Cerca de um terço dos usuários de internet no mundo é criança e os jovens são o grupo com maior presença online, de acordo com dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Essa também é a realidade do Brasil, onde 85% das crianças e adolescentes entre nove e 17 anos tinham acesso à rede em 2017, segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil).

Apesar de presença maciça de crianças na internet, pouco é feito pelo acesso seguro
Apesar de presença maciça de crianças na internet, pouco é feito pelo acesso seguro
Foto: DW / Deutsche Welle

Os números, segundo o CGI.br, "propiciam uma série de oportunidades para a sociabilização, comunicação e e para o mundo do trabalho" numa sociedade cada vez mais digital. A interação desses grupos com a rede, no entanto, não é livre de problemas.

Prova disso é a mais recente polêmica que levou, este mês, grandes marcas como Disney, Nestlé, McDonald's e Epic Games, criadora do popular jogo Fortnite, a retirarem seus anúncios do Youtube por causa de comentários pedófilos postados em vídeos de menores.

O caso ganhou repercussão na última semana após o youtuber americano Matt Watson mostrar que usuários identificavam e compartilhavam na seção de comentários momentos do vídeo em que crianças, principalmente meninas, expunham partes íntimas enquanto brincavam ou praticavam esportes. Outro ponto discutido foram os algoritmos da plataforma, que acabam por facilitar a prática ao recomendar ao público outros conteúdos similares.

O Youtube, que exige a idade mínima de 13 anos para a criação de uma conta, informou que tomou ações imediatas, desabilitou milhões de comentários e deletou perfis e canais ofensivos.

Crianças criadoras de conteúdo

O episódio evidencia um aspecto ainda pouco discutido e pesquisado da relação das crianças com a internet: elas não são apenas consumidoras, mas também criadoras de conteúdo online. Para isso, não é necessário ser youtuber mirim, basta ter um perfil em qualquer rede social.

Para o professor e pesquisador de Comunicação e Práticas de Consumo e coordenador do ESPM Media Lab, Luiz Peres Neto, os riscos não estão na tecnologia em si, mas nos usos que as pessoas escolhem fazer dela. Ele também pontua que a comunicação online é um "fenômeno próprio do nosso tempo com o qual não estamos sabendo lidar".

"O grande erro é tentar encontrar uma pessoa ou instituição que tenha culpa quando acontece um problema. Não existirá. Esperam-se soluções mágicas para frear um problema quando o que existe é a ausência de diálogo em múltiplas esferas, desde o familiar até os atores políticos e as omissões interessadas de empresas", diz o pesquisador.

Outro equívoco seria tentar separar o digital do real numa época em que as telas estão amplamente disseminadas e as gerações já nascem em contato com o mundo digital. "O real está em rede", afirma. E isso faz parte de como as pessoas se comunicam e trocam hoje em dia.

Mediação parental: essencial, mas limitada

Apesar de já existirem tecnologias como aplicativos de celular que permitem aos pais e responsáveis filtrarem o acesso online da criança, o pesquisador destaca que explicar riscos de delitos e os benefícios educativos parece mais eficaz do que proibir.

"Quando você limita, não dá à criança o arbítrio de que existe uma coisa que ele não pode acessar. Infância é um processo de construção de consciência e nem sempre vai ser fácil porque eles testam os limites da família e os próprios, mas não podemos nos furtar a esse papel", diz Neto.

A mediação parental tem ganhado novos desafios à medida que o crescente acesso via celular, no Brasil, assim como em outros países da América Latina, alcança índices elevados. Cerca de 93% das crianças e adolescentes que acessaram a rede no Brasil em 2017 usaram um telefone celular e quase metade deles, 44%, navega exclusivamente dessa forma, de acordo com dados do CGI.br.

Embora o papel da família seja fundamental no uso saudável da internet, ele, sozinho, é insuficiente, segundo Thais Dantas, advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, organização sem fins lucrativos que promove o direito e o desenvolvimento da criança.

"Existem diferenças geracionais, as próprias famílias não conhecem os riscos envolvidos, existe uma disparidade de forças entre os pais e as empresas. Muitas vezes as empresas têm muito mais dados do usuário do que a família. É preciso pensar em responsabilidade compartilhada", explica a advogada.

Os resultados da Kids Online Brasil 2017 confirmam o desencontro de gerações. Enquanto 70% dos pais ou responsáveis acreditam que as crianças e adolescentes fazem um uso seguro da rede, 50% deles informaram que a família sabe mais ou menos ou nada sobre suas atividades online. Além disso, 76% afirmam saber mais do que seus pais sobre internet.

A advogada destaca que o artigo 227 da Constituição Federal assegura prioridade aos direitos da criança e ao adolescente e esse deve ser o norteador de todas as práticas e leis destinadas a esses públicos. "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão", diz o texto de 1988.

Nesse sentido, Dantas sugere que um ponto que ainda seria passível de discussão é a responsabilidade das empresas nos possíveis impactos da exposição e do uso da internet neste público, que é muito vulnerável. Para ela, as empresas devem investir em mais mecanismos preventivos.

"Existem mecanismos voluntários, como as denúncias de conteúdo impróprio, que não são necessariamente eficientes porque não implicam a certeza de que o conteúdo será removido, por exemplo", opina. "Não é o caso de pânico moral, mas precisamos pensar em mecanismos para compatibilizar liberdade de expressão e direitos humanos", enfatiza.

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