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Quais são os limites do Supremo?

27 jul 2017 - 10h50
(atualizado às 15h33)
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Com investigações da Lava Jato, decisões do STF ganharam protagonismo, testando equilíbrio entre poderes no Brasil. Em entrevista à DW, ex-presidentes da corte comentam a questão.

Foto: Nelson Jr/SCO/STF / Divulgação

A grave crise política vem testando o equilíbrio entre os Três Poderes no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta corte do país, ganhou um protagonismo que, para críticos, iria além de suas competências, sobretudo no âmbito das investigações da Lava Jato.

Ocorre, atualmente, uma partidarização dos juízes do STF ao avaliar temas relevantes para a resolução da crise política nacional? Ou vive-se uma judicialização da política, que acaba deixando a corte exposta às críticas de uma população polarizada?

Em entrevista à DW, Carlos Velloso, de 81 anos, presidente do STF de 1999 a 2001, e Supúlveda Pertence, de 80 anos, que presidiu o tribunal entre 1995 e 1997, comentam a questão.

DW: Como se pode avaliar as críticas contra os integrantes do Supremo Tribunal Federal de uma suposta partidarização da corte?

Carlos Velloso: Há críticas justas e críticas injustas. Não acredito numa partidarização da corte. No ponto - partidarização da corte - a crítica seria injusta. Todavia, há críticas justas. Há um livro, por exemplo, coordenado pelo professor Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV/Rio, "Onze Supremos - O Supremo em 2016", que contém críticas adequadas e corretas ao Supremo Tribunal Federal. Os poderes conferidos ao ministro-relator, para decidir monocraticamente, foram ampliados. E há, por parte de um ou outro ministro, açodamento no decidir e sem que a decisão seja submetida ao colegiado.

Sepúlveda Pertence: Não diria que há uma partidarização. Há, evidentemente, uma judicialização da política, que leva tribunal a tomar posições e a submeter-se às críticas de um radicalismo político que o país está a viver. É inevitável.

Do lado oposto, é possível dizer que há uma propaganda contra o Judiciário para tentar deslegitimar as ações que envolvem o alto escalão da política nacional?

Carlos Velloso: Há, sim, movimentos e notícias na mídia que levam ao enfraquecimento das instituições políticas brasileiras, o que é ruim para a nacionalidade. O Judiciário brasileiro tem um problema que, de regra, é também, em escala menor e até maior, dos judiciários dos países ocidentais. Esse problema é o da lentidão na prestação jurisdicional. É certo que a prestação jurisdicional não pode ser apressada, sob pena de serem proferidas decisões equivocadas. Mas isso não quer dizer que a lentidão processual estaria justificada. Não! As causas da demora na prestação jurisdicional têm sido debatidas. Essa tarefa deve ser, principalmente, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que deve dar ao problema a importância que merece. É preciso verificar até que ponto há recursos e formalidades processuais em demasia. O número de juízes por habitantes necessita de estudos sérios, regionalizados. A gestão dos Juizados é feita adequadamente? O apoio administrativo é adequado? Há juízes que retardam a prestação jurisdicional, porque trabalham pouco? Noutras palavras, há juízes que não trabalham como deviam? Enfim, essas questões precisam ser examinadas. Não existe o problema de corrupção na Justiça brasileira. Os juízes, todos eles, ingressam na magistratura de 1º grau mediante concurso público de provas e títulos, concursos que têm a participação da sociedade, através da Ordem dos Advogados do Brasil, das Universidades e que são abertos à fiscalização da mídia. Não há a mínima intervenção do poder político e econômico. As críticas ao Judiciário como um todo costumam ser injustas e se caracterizam, a maioria delas, pela generalização de faltas pontuais.

Sepúlveda Pertence: Eu não acho que há uma orquestração dirigida contra o Judiciário. Não há isso. O Judiciário é que está vivendo um momento de muita exposição em meio à crise política. Isso é uma fatalidade ante a confiança que há na Constituição e no Supremo Tribunal Federal.

Ao se envolver em assuntos reservados aos partidos políticos, à sociedade organizada e aos poderes políticos, o Judiciário torna-se, também, um ator político?

Carlos Velloso: Sim, esse envolvimento leva o Judiciário - isso pode ocorrer principalmente no tocante à Corte Suprema - a se tornar um ator político, e um ator político sem legitimidade. O ator político há de estar legitimado pelo voto, o que não ocorre com o juiz. A legitimação do juiz vem das decisões jurídicas que profere, convenientemente fundamentadas, marcadas pela seriedade, pela discrição, pela honestidade de propósitos, certo que o propósito maior do juiz será o de fazer justiça, iluminada a justiça, como proclamou Clóvis Beviláqua, pela moral. A Constituição brasileira consagra, aliás, a moralidade administrativa como um princípio constitucional.

Sepúlveda Pertence: Isso é uma contingência que reflete a posição em que a Constituição pôs o Judiciário e, particularmente, o Supremo Tribunal. A amplitude da competência do Supremo, a abertura do controle de constitucionalidade a instâncias diversas da sociedade civil levaria, fatalmente, a essa exposição exagerada

Há algum perigo de perda de legitimidade perante a população ao envolver-se de maneira objetiva nos poderes Executivo e Legislativo?

Carlos Velloso: Sim. E passar o juiz a ser visto como ator político é péssimo para a nacionalidade. O juiz deve ter comportamento discreto, austero e deve ser visto como um conselheiro, o que pacifica, o que afasta as desavenças, estabelece a concórdia e garante os direitos. O Judiciário, de modo especial a Suprema Corte, deve constituir-se no poder moderador dos poderes, no poder que realiza a vontade constitucional no sentido de que os poderes constituídos são independentes e devem ser harmônicos.

Sepúlveda Pertence: Riscos existem, mas sigo confiando e acreditando que o Supremo Tribunal Federal vai vencer essa crise de sua própria exposição em assuntos políticos. Isso também é inevitável. Existiu, por exemplo, em determinadas épocas, alguns países, em que, após a Segunda Guerra Mundial, se inclinaram a criação de cortes constitucionais, que se envolvem necessariamente em temas políticos.

O ministro acredita que há uma mudança na orientação das decisões: tornou-se menos jurídica e mais política, preocupada com a situação do país?

Carlos Velloso: Se isso não estivesse ocorrendo você não me faria essa pergunta. Os juízes estão seriamente preocupados com a situação do país, com a revelação da corrupção ocorrida na Administração Pública, em números absurdos. Bilhões de reais, milhões de dólares foram desviados. Isso está sendo passado a limpo justamente pela Justiça brasileira, com o apoio da sociedade. O combate à corrupção deve ser feito com rigor, mas, é preciso enfatizar, com absoluto respeito às garantias constitucionais, ao devido processo legal, sem açodamentos. O juiz Sérgio Moro merece elogios. Ele é um juiz rigoroso, mas um juiz justo, convindo ressaltar que tem ele, acima dele, três tribunais: o TRF da 4ª Região, o STJ e o STF. Suas decisões vêm sendo reexaminadas e a maioria delas confirmadas. É menos dele, ao que me parece, o açodamento judicial que os advogados têm verberado.

Sepúlveda Pertence: Não há como fugir disso. Mais uma vez: é inevitável. O que acontece é que a Constituição, minuciosa e dirigente, está entregue ao cotidiano da jurisdição do Supremo Tribunal e das demais cortes e isso gera diversos conflitos.

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