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Política

TSE livra chapa de Bolsonaro, mas busca barrar estratégia que ajudou sua eleição

28 out 2021 - 16h02
(atualizado às 16h30)
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Em um julgamento marcado por duros recados ao Palácio do Planalto, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram, por unanimidade, rejeitar as ações que pediam a cassação do presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, por disparos de notícias falsas em massa nas eleições de 2018. Em contrapartida, o colegiado firmou algumas teses que, na prática, tentam impedir que o chefe do Executivo adote as mesmas estratégias que impulsionaram sua eleição em 2018. A principal delas foi considerar a prática do envio de mensagens em larga escala por aplicativo de celular irregular.

"Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados", disse o ministro Luis Felipe Salomão durante o julgamento. Em outra frente, a Câmara deve votar na semana que vem um projeto para coibir a propagação de fake news, que pode proibir no País a atividade de empresas como o Telegram, nova rede favorita dos bolsonaristas.

Ao proclamar o resultado do julgamento, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, frisou que a 'maioria expressiva' da corte entendeu que houve condutas ilícitas relacionadas aos disparos em massa e à difusão de desinformação. A chapa Bolsonaro/Mourão foi acusada pela coligação "O Povo Feliz de Novo", encabeçada pelo PT com o apoio do PC do B e do PROS, de promover envios de notícias falsas e ataques em larga escala contra seus oponentes, por meio do WhatsApp, durante as eleições de 2018.

"Todo mundo sabe o que aconteceu, ninguém tem dúvida de que as mídias sociais foram inundadas com disparos em massa ilegais, com ódio, desinformação, calúnia e teorias conspiratórias. Basta ter olhos de ver para saber o que aconteceu no Brasil", disse Barroso.

O colegiado, no entanto, entendeu que a condenação não é aplicável por não ter sido possível 'provar suficientemente a conexão com a chapa vencedora, e não se ter demonstrado a gravidade dos fatos, uma vez que não se obtiveram as mensagens nem a comprovação de compra por pessoas ligadas à campanha'.

"Ainda que o uso de disparos em massa nas eleições de 2018 seja notório, exige-se para a condenação que a prova produzida efetivamente demonstre a compra de pacotes de disparos em massa no WhatsApp para disseminar notícias falsas contra a adversários e a existência dessa estrutura piramidal de comportamentos inautênticos e mafiosos para a distribuição de conteúdos falsos", afirmou o presidente do TSE.

Bolsonaro conquistou uma vitória parcial na primeira sessão do TSE realizada na terça-feira, 26. No julgamento de hoje, os ministros Carlos Horbach, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso juntaram seus votos no sentido de rejeitar as denúncias contra a chapa presidencial eleita em 2018. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e os ministros Mauro Campbell e Sérgio Banhos já haviam votado no mesmo sentido.

O resultado unânime foi alcançado com divergência em relação aos argumentos utilizados para tomar a decisão. Os ministros Carlos Horbach e Sergio Banhos sustentaram que os autores da ação sequer provaram a existência de um esquema de difamação contra os adversários da chapa bolsonarista, assim como não provaram que os supostos ataques difamatórios teriam tido a gravidade apontada pelos demais ministros.

Embora o colegiado tenha descartado a alternativa judicial para afastar o presidente do cargo e impedi-lo de disputar a reeleição, no ano que vem, a Corte abriu discussão para aprovar uma nova tese jurídica sobre disparos em massa com o objetivo de desqualificar oponentes. Neste quesito também houve divergência, o ministro Carlos Horbach negou a fixação da proposta por, segundo ele, estabelecer um conceito ampliado do que são meios de comunicação social e eventualmente limitar direitos políticos fundamentais. O ministro Edson Fachin apoiou a proposição, mas criticou os parâmetros estabelecidos.

Relator das ações, Salomão propôs que o julgamento sirva de baliza para casos semelhantes no futuro. Ele quer que o uso de aplicativos de mensagens, com financiamento de empresas privadas, na tentativa de tumultuar as eleições com desinformação e ataques, passe a ser considerado um elemento suficiente para condenar candidatos por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.

Para isso, foram estabelecidos cinco parâmetros para analisar a gravidade de casos semelhantes: o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão no eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e o financiamento de empresas privadas, com a finalidade de interferir na campanha.

RECADOS AO PLANALTO

Com o caso já decidido, os ministros oriundos do Supremo Tribunal Federal (STF) usaram o julgamento para sinalizar de forma objetiva aos candidatos no ano que vem, em especial o presidente Bolsonaro, que o TSE não vai tolerar eventos semelhantes aos de 2018. O ministro Alexandre de Moraes, que vai presidir o tribunal durante as eleições de 2022, fez o discurso mais enfático contra as campanhas de desinformação. De antemão, ele apontou que é 'fato mais do que notório' que os disparos em massa ocorreram e continuam ocorrendo, por isso propôs punições severas a partir da aprovação dessa tese, como a prisão de infratores.

"A neutralidade da Justiça que tradicionalmente se configura como a "Justiça é cega", não se confunde com tolice. A justiça não é tola. Podemos absolver por falta de provas, mas nós sabemos o que ocorreu. Nós sabemos o que vem ocorrendo e não vamos permitir que isso ocorra. É muito importante esse julgamento, porque nós não podemos criar um precedente de que tudo que foi feito 'vamos passar um pano'. Essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, conspiração, medo, influenciar eleições e destruir a democracia", registrou.

"Com um recado muito claro: se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil".

O ministro ainda destacou a importância do julgamento, indicando que a falta de provas pode dificultar a condenação, mas não impede a 'absorção, pela Justiça Eleitoral do modus operandi que foi realizado e vai ser combatido nas eleições 2022'.

"Nós já sabemos quais são os mecanismos, já sabemos quais são as provas rápidas que devem ser obtidas, em quanto tempo e como. Não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamento espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos também não declarados", ponderou.

O ministro foi incisivo em relação à criação de uma tese sobre o tema, com ênfase na necessidade do dispositivo para o combate à disseminação de discurso de ódio 'contra as eleições, contra a Justiça Eleitoral e contra a democracia' nas eleições 2022.

LEGADO DE SALOMÃO

O presidente da Corte afirmou que o julgamento "não é uma decisão para o passado, mas para o futuro". Segundo Barroso, a tese e as discussões propostas na sessão serviram para estabelecer "os contornos que vão demarcar a democracia brasileira e as eleições do próximo ano". Dentre as disposições analisadas no julgamento, está o aprofundamento das discussões com as redes sociais para regular os conteúdos falsos.

"Eu considero que esse é um julgamento emblemático que marca a despedida do ministro Salomão porque nós estamos buscando fincar marcos para o futuro, tanto para o comportamento dos candidatos, como também para o comportamento das mídias sociais. Não há como enfrentar o ódio e a desinformação sem uma parceria imprescindível com as mídias sociais", afirmou.

O julgamento foi o último grande ato de Salomão como corregedor do TSE. Ele passará o cargo para o ministro Mauro Campbell na próxima sexta-feira, 29. Como relator do caso, Salomão foi responsável por imprimir celeridade ao processo de investigação. Antes dele, outros dois ministros haviam conduzido as ações contra a chapa presidencial sem que houvesse avanços em direção a um desfecho.

O voto de Salomão no julgamento guiou o entendimento dos demais ministros no caso envolvendo os atuais ocupantes dos Palácios da Alvorada e do Jaburu, o corregedor disse reconhecer a ocorrência de disparos em massa na campanha de 2018. Avaliou, porém, que as provas juntadas aos autos do processo não foram suficientes para condenar os vencedores da eleição presidencial. O caso tramitou na Corte por quase três anos e chegou a ser reaberto para reunir novos elementos.

"De fato, as provas dos autos demonstram que, ao menos desde o início da campanha, o foco residiu mesmo na mobilização e captação de votos mediante o uso de ferramentas tecnológicas, fosse na internet ou, mais especificamente, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas" afirmou Salomão. "Esse aspecto, embora por si não constitua qualquer ilegalidade, assumiu, a meu juízo, contornos de ilicitude, a partir do momento em que se promoveu o uso dessas ferramentas com o objetivo de minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial a dos segundos colocados", completou.

A despeito do conhecimento dos fatos, Salomão argumentou que "a parte autora (Coligação O Povo Feliz de Novo) não logrou comprovar nenhum dos parâmetros essenciais para a gravidade no caso, apesar das inúmeras provas deferidas nessas duas ações".

A produção de provas começou a caminhar após cooperação entre Salomão e o ministro do STF e do próprio TSE, Alexandre de Moraes. Em setembro, Moraes compartilhou as provas dos inquéritos das fake news e das milícias digitais com a Corte eleitoral. Durante a leitura do voto, Salomão citou diversas vezes os elementos probatórios levantados pelas investigações em curso no Supremo.

"As provas compartilhadas pelo STF corroboram a assertiva de que, no mínimo desde 2017, pessoas próximas ao hoje presidente Jair Bolsonaro atuavam de modo permanente na mobilização digital, tendo como modus operandi ataques a adversários políticos e, mais recentemente, às próprias instituições democráticas", disse Salomão. "Essa mobilização que se pode aferir sem maiores dificuldades vem ocorrendo ao longo do ano em diversos meios digitais".

Estadão
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