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Política

Presidente da Funai de Bolsonaro é investigado em MT porque teria dado soco no rosto do próprio pai, de 71 anos

No começo deste ano, pai de 71 anos registrou B.O. contra o novo presidente da Funai por agressão e ameaça. À BBC, pai confirmou o ocorrido e disse desejar que filho seja investigado.

7 ago 2019 - 09h44
(atualizado às 10h11)
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Marcelo tomou posse no fim de julho, e começou a despachar na Funai na semana passada
Marcelo tomou posse no fim de julho, e começou a despachar na Funai na semana passada
Foto: Funai / Ascom / BBC News Brasil

Dias atrás, reportagem da BBC News Brasil mostrou que o novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, foi rejeitado na avaliação psicológica de um dos concursos que prestou para a Polícia Federal. Seus examinadores consideraram que a personalidade de Marcelo não era adequada ao cargo - policiais não podem ser pessoas excessivamente agressivas ou impulsivas, segundo um profissional que organiza estas avaliações.

Agora, mais informações sobre o passado do presidente da Funai escolhido por Jair Bolsonaro surgiram. Em janeiro deste ano, o atual presidente da Funai teria dado um soco no rosto do próprio pai, de 71 anos, segundo ele próprio registrou em boletim de ocorrência. O fato está sendo investigado pela Polícia Civil de Mato Grosso.

O pai do presidente da Funai registrou a suposta agressão na delegacia Novo São Joaquim (MT), e disse à BBC News Brasil que quer que seu filho seja investigado pelo que ele relata ter ocorrido.

Marcelo Augusto Xavier da Silva, 42 anos, é delegado da Polícia Federal. Ele entrou para a PF em 2008, depois de prestar dois concursos públicos. No primeiro, foi rejeitado na avaliação psicológica - mas passou no segundo. Quando era delegado, teve sua atuação contestada em duas investigações internas da corporação, e também foi afastado de uma operação de expulsão de invasores de uma terra indígena, por suspeitas de estar colaborando com os intrusos.

Ele tomou posse como presidente da Funai no fim de julho.

As investigações internas se devem ao fato de Marcelo ter instaurado um inquérito para investigar um desafeto - ex-marido de sua mulher à época - e por ter agredido verbalmente um procurador da República.

Depois de revelar estes fatos, a reportagem da BBC News Brasil foi procurada por pessoas que conheceram Marcelo e que repassaram as informações sobre a investigação.

Em janeiro deste ano, Marcelo Augusto Xavier chegou a ser nomeado para trabalhar como assessor do pecuarista e secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia. Mas, como não foi cedido a tempo pela Polícia Federal, teve a sua nomeação anulada em abril, segundo contou o próprio Nabhan à BBC News Brasil.

No governo de Michel Temer (MDB), Marcelo foi assessor do ex-ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) para assuntos ligados à questão agrária. Antes disso, foi ouvidor da Funai durante alguns meses, também na gestão Temer.

Antes ainda, trabalhou como assessor da comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Funai e do Incra na Câmara, a convite de deputados da bancada do agronegócio. O relatório final da CPI pediu o indiciamento de antropólogos, indígenas, servidores públicos da Funai e de integrantes de ONGs.

Marcelo (dir.) com seu superior hierárquico, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro (esq.)
Marcelo (dir.) com seu superior hierárquico, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro (esq.)
Foto: MJ / ASCOM / BBC News Brasil

Para as ONGs indigenistas, a ida de Marcelo para a presidência da Fundação é parte da estratégia do governo para tentar impedir novas demarcações de terras e desarticular a proteção aos direitos dos índios - o que o governo nega.

Em nota oficial da Funai, Marcelo Xavier disse que sua gestão terá por objetivo melhorar as "condições de vida" dos indígenas e "dar autonomia aos seus povos".

"O modelo até então desempenhado (na Funai) não vinha sendo efetivo. Logo, serão bem-vindas sugestões que possam contribuir com as comunidades, e o quadro de servidores do órgão é imprescindível para isso. Seguindo a legalidade, precisamos focar em garantias de dignidade aos povos indígenas e na melhor aplicação dos recursos públicos", disse na nota oficial da fundação.

Marcelo Augusto Xavier da Silva é técnico em Agropecuária e bacharel em Direito por uma universidade privada de São Paulo. Também concluiu uma pós-graduação em ciências criminais na Universidade Anhanguera Uniderp, de Mato Grosso do Sul.

'Enfia a fazenda no c*'

No dia 4 de janeiro deste ano, Marcelo teria brigado com o próprio pai - de 71 anos de idade - e a mulher dele, de 60.

A discussão aconteceu durante um encontro na casa de um amigo deles no distrito de Cachoeira da Fumaça, parte do município de Novo São Joaquim (MT), a 220 km da capital Cuiabá, segundo o relato do pai.

"Sem motivo aparente seu filho / suspeito, Marcelo Augusto Xavier da Silva, começou uma discussão com o mesmo (o pai) e proferiu ameaças e xingamentos do tipo 'Cuidado quando o senhor vier para a fazenda, enfia a fazenda no c*, põe seu dinheiro no c*'", descreve o boletim de ocorrência registrado pelo pai de Marcelo, Milton Xavier da Silva, três dias depois da suposta agressão.

O boletim de ocorrência da Polícia Civil de Mato Grosso
O boletim de ocorrência da Polícia Civil de Mato Grosso
Foto: André Shalders / BBC News Brasil / BBC News Brasil

"Em seguida, o suspeito (Marcelo) desferiu um soco contra a vítima (Milton) vindo a pegar de raspão no seu rosto. O fato foi presenciado por várias pessoas que serão indicadas em declaração. A esposa da vítima a senhora, Solange Cristina, presenciou todo o ocorrido e também foi ameaçada e xingada", continua a descrição do B.O.

A fazenda do pai de Marcelo se chama São Pedro, e se dedica à criação de gado e ao cultivo de soja e milho. Fica a poucos quilômetros do local confusão, às margens de uma estrada de terra, a MT-415.

A acusação foi registrado pela Polícia Civil de Mato Grosso como lesão corporal e ameaça. As informações do boletim de ocorrência foram confirmadas à BBC News Brasil pela assessoria de comunicação da Polícia Civil de Mato Grosso e pelo pai de Marcelo, em conversa por telefone.

À reportagem, o pai Milton Xavier confirmou o relato do B.O, mas disse que não daria mais informações. "Eu não vou dar detalhes. É uma coisa muito íntima". "Aconteceu (a agressão), você pode, na delegacia, pegar a cópia do B.O", disse ele. "Eu quero que continue andando (a investigação)". Milton disse que, até agora, não teve notícias de que a Polícia Civil de Mato Grosso tenha ouvido outras pessoas para apurar o ocorrido.

Por meio da assessoria de imprensa da Funai, Marcelo Augusto Xavier disse que não comentaria nem este caso, e que a investigação teria sido arquivada pela Justiça "por falta de provas".

Mas não é o que diz a Polícia Civil de Mato Grosso.

Em nota à BBC News Brasil, a Polícia Civil matogrossense disse que o fato está sendo apurado na delegacia de Novo São Joaquim. Neste momento, "o procedimento aguarda oitivas de testemunhas, via carta precatória, que moram em São Paulo", diz o texto.

A carta precatória é um instrumento usado pela Justiça ou por investigadores quando é preciso ouvir pessoas ou coletar evidências em outro Estado.

Mudanças na Funai

As declarações de Bolsonaro contra a demarcação de terras indígenas começaram bem antes da campanha eleitoral de 2018 - e continuaram depois que ele assumiu a Presidência da República.

Apesar disso, a Constituição de 1988 garante aos índios o direito de manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições - e também os direitos sobre as terras em que sempre viveram. É papel da União demarcar essas terras e protegê-las, segundo a Constituição (Art. 231).

Dias atrás, o presidente da República disse que indígenas da etnia Waiãpi (ou Wajãpi), do Amapá, estavam sendo usados de "massa de manobra", e questionou o possível assassinato de um líder indígena. Os Waiãpis relataram a invasão de seu território por garimpeiros ilegais, no fim de julho.

Os waiãpi habitam uma área rica em ouro
Os waiãpi habitam uma área rica em ouro
Foto: FIONA WATSON/SURVIVAL INTERNATIONAL / BBC News Brasil

"Usam o índio como massa de manobra, para demarcar cada vez mais terras, dizer que estão sendo maltratados. Esse caso agora aqui… não tem nenhum indício forte de que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades, a PF está lá, quem nós pudemos mandar já mandamos", disse Bolsonaro. O presidente também acusou ONGs de quererem manter os índios "presos num zoológico animal", de modo a ter para si "a soberania da Amazônia".

Marcelo Augusto Xavier não é o primeiro presidente da Funai na gestão Bolsonaro. Ele substitui o general da reserva do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, que deixou o cargo em meados de junho. Franklimberg, que tem ascendência indígena, saiu da Funai debaixo de críticas de ruralistas.

"Quem assessora o senhor presidente não tem conhecimento de como funciona o arcabouço jurídico que envolve a Funai (...). E quem assessora o senhor presidente é o senhor Nabhan Garcia (secretário do Ministério da Agricultura). Que, quando fala sobre indígena, saliva ódio aos indígenas", disse o general da reserva.

Logo depois de assumir a Presidência da República, Bolsonaro editou uma medida provisória (a de número 870) para extinguir alguns ministérios e reorganizar os demais. Pelo texto, a Funai sairia do Ministério da Justiça e Segurança Pública e iria para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob Damares Alves. A Funai também perderia a atribuição relativa à demarcação de terras indígenas, que passaria a ser do Ministério da Agricultura.

Mas o Congresso rejeitou essas mudanças. No texto final da MP, aprovado no fim de maio, a Funai continuou no MJ, e responsável pelos estudos que embasam as demarcações.

Bolsonaro ainda tentou retirar da Funai a competência para demarcar terras indígenas em uma segunda MP, a de número 886, mas a medida foi barrada por decisão liminar (provisória) do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Nesta quinta-feira (01), o plenário do STF manteve a decisão de Barroso.

Nos dois casos, o objetivo era retirar da Funai a Diretoria de Proteção Territorial (DPT). Agora, esta diretoria deve ser a primeira a ser mudada na nova gestão: o atual diretor, João Alcides Loureiro Lima, ligado a Franklimberg, pediu para deixar o cargo e teve seu último dia de trabalho na quarta última (31). A DPT é considerada a mais estratégica das diretorias da Funai.

Bolsonaro tentou em duas ocasiões retirar a Diretoria de Proterção Territorial da Funai
Bolsonaro tentou em duas ocasiões retirar a Diretoria de Proterção Territorial da Funai
Foto: Presidência da República / BBC News Brasil

Além de fazer os estudos que embasam as demarcações de terras, a Diretoria de Proteção Territorial também é a responsável por proteger os índios isolados - aqueles que nunca tiveram contato com não índios.

Na quinta-feira (31), o Diário Oficial trouxe as primeiras alterações feitas por Marcelo na Funai. Três pessoas foram exoneradas, entre elas Fernando Maurício Duarte Melo, que exerceu a presidência da Funai interinamente, após a saída de Franklimberg.

Para ONGs indigenistas, a ida de Marcelo para a presidência da Funai corresponde a uma mudança de estratégia por parte do governo: como não foi possível levar a demarcação de terras para o Ministério da Agricultura, o jeito foi colocar alguém ligado ao agronegócio no comando da Funai.

"Inviabilizado o primeiro caminho (de levar a atribuição das demarcações para o Ministério da Agricultura), eles fizeram esse movimento tático de buscar o controle político e a instrumentalização do órgão indigenista. A estratégia foi derrubar o então presidente, um general (Franklimberg), e colocar esse delegado, que foi assessor dos ruralistas (na CPI do Incra e da Funai). É uma pessoa indicada por eles. É a raposa para tomar conta do galinheiro", disse o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto, à BBC News Brasil, dias atrás.

A chegada de Marcelo também preocupa servidores da Funai.

O Brasil tem cerca de 250 etnias com visões diferentes, e o presidente da Funai precisa saber mediar conflitos, diz servidor
O Brasil tem cerca de 250 etnias com visões diferentes, e o presidente da Funai precisa saber mediar conflitos, diz servidor
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil / BBC News Brasil

"Quem trabalha na Funai tem que ter um perfil 'diplomático'. Você estará lidando com vários povos (indígenas), que têm diferentes visões. E você tem que saber fazer essa diplomacia", diz um servidor de carreira do órgão, sob condição de anonimato. Ele lembra que existem hoje mais de 250 etnias indígenas no Brasil. "Uma característica que sempre foi apreciada nos diretores, no presidente da Funai, é o de pessoas com capacidade de mediação. Que é justamente o que este presidente (Marcelo) não parece ter", diz ele.

"O que parece uma disfunção, de trazer uma pessoa com o perfil do Marcelo para a Funai, na verdade é muito funcional. Cumpre um papel que muitos dos presidentes da Funai, independente do perfil ideológico deles, não tiveram a capacidade de cumprir, que é passar o rolo compressor do ruralismo", avalia este servidor.

Ele lembra que os dois presidentes anteriores da Funai (o pastor Antônio Fernandes "Toninho" Costa, ainda no governo Temer; e Franklimberg, já sob Bolsonaro) deixaram o órgão depois de serem alvejados pela bancada ruralista do Congresso. "Os dois não eram de esquerda. Eles simplesmente caíram porque não quiseram fazer coisas que não cabiam dentro da missão institucional da Funai. Dentro do que está estabelecido na Constituição e no Estatuto do Índio", diz.

A Funai foi criada em dezembro de 1967. Dentro do processo de demarcação de terras indígenas, é a responsável por criar um grupo de trabalho que faz a identificação da área reivindicada pelos índios. Esses estudos resultam num Relatório Circunstanciado, que precisa ser aprovado pelo presidente da Funai antes de ser aberto à contestação pública.

Depois disso, o processo de homologação das terras precisa passar ainda pelo ministro da Justiça antes de ser assinado (homologado) pelo presidente da República.

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