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União de esquerda com direita pode levar a eleições diretas, diz cientista político

19 mai 2017 - 07h07
(atualizado às 08h09)
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Manifestantes de diferentes espectros ideológicos se uniram para pedir a saída do presidente Michel Temer e a realização de eleições diretas
Manifestantes de diferentes espectros ideológicos se uniram para pedir a saída do presidente Michel Temer e a realização de eleições diretas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Se o presidente Michel Temer cair, as eleições diretas não são, juridicamente, o caminho mais curto - mas, politicamente, são a melhor saída para a democracia. É esta a avaliação do cientista político Leonardo Avritzer, autor de "Impasses da Democracia no Brasil", lançado em 2016.

Para Avritzer, 57, há potencial de mobilização pelas diretas e possibilidade de uma composição entre grupos de direita e de esquerda por essa bandeira. "Houve manifestações da CUT em frente ao Palácio do Planalto e manifestações em frente à Fiesp. Pode haver uma composição nessa direção, e, se houver, as eleições diretas virão", afirma.

Pelo que diz a Constituição, se o cargo de presidente ficar vago na segunda metade do mandato, o presidente da Câmara assume e convoca eleições indiretas. Uma eventual saída de Temer, por renúncia, impeachment, condenação criminal ou cassação da chapa de 2014, levaria ao Planalto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A ele caberia convocar eleições indiretas.

Uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de autoria do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), mudando o texto constitucional e permitindo a eleição direta, começa a ser analisada semana que vem na CCJ (Comissão de Constituição de Justiça) da Câmara.

A eleição direta também seria uma possibilidade, ainda que controversa, se a chapa Dilma-Temer for cassada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Embora a Constituição fale em eleição indireta, a minirreforma eleitoral aprovada em 2015 altera o Código Eleitoral e diz que a eleição só será indireta se a chapa for cassada nos últimos seis meses de mandato. Este item é polêmico e vem sendo questionado pela Procuradoria Geral da República. O Supremo, portanto, teria de decidir sobre isso.

Em meio às denúncias de corrupção envolvendo membros do Executivo e do Legislativo, o onipresente papel do Judiciário é outro ponto sobre o qual o professor da UFMG alerta. Para Avritzer, o Brasil vive uma extrapolação do papel do Judiciário para além de suas funções. "Um Judiciário tão envolvido na política não pode ser bom para a democracia", afirmou Avritzer, que concedeu entrevista à BBC Brasil na tarde desta quinta-feira, por telefone e e-mail.

BBC Brasil: O senhor escreveu sobre os impasses da democracia brasileira. Como avalia o estado atual da nossa democracia em meio a esse turbilhão?

Leonardo Avritzer: Existe uma crise da democracia no mundo que se expressa em forte desconfiança nos partidos e nas instituições políticas. Esta desconfiança é maior no Brasil devido ao grau de envolvimento das lideranças políticas com a corrupção.

Temos uma crise da democracia com um elemento institucional e um ligado aos comportamentos da sociedade. O institucional é porque todas as instituições estão de fato atuando fora do seu eixo normal. O Executivo, que é o poder historicamente mais ativo no Brasil, está enfraquecido, sem poder de iniciativa, e isso tem a ver com o aprofundamento da crise econômica, com uma certa incapacidade de poder de agenda; o Congresso, por outro lado, é muito forte em relação ao Executivo, mas completamente vulnerável a todas as operações judiciais. Em todas você encontra membros do Congresso envolvidos.

Nesta última apareceram um deputado, o senador Aécio Neves, o senador (Zezé) Perrella... O Congresso é completamente vulnerável. O Poder Judiciário também está dividido e acaba tendo de operar fora das suas atribuições, o que também é um problema para a democracia.

BBC Brasil: E a sociedade?

Leonardo Avritzer: A sociedade se divide a cada episódio. A sociedade se dividiu durante o impeachment, não se unificou depois e não está unificada nem ao menos em torno de convicções democráticas. Pesquisa Datafolha mostra Jair Bolsonaro, que já fez diversas afirmações antidemocráticas, despontando em segundo lugar nas pesquisas e em primeiro entre os (eleitores) de maior escolaridade.

Além da saída de Michel Temer, manifestações no Brasil pedem eleições diretas para presidente
Além da saída de Michel Temer, manifestações no Brasil pedem eleições diretas para presidente
Foto: Reuters

BBC Brasil: O senhor vê, para além do surgimento da direita, o surgimento de uma nova direita?

Leonardo Avritzer: Sim, existe uma nova direita, entendendo a direita como uma posição fundamentalista de mercado e a favor da restrição de direitos. A tradição brasileira não é de uma direita explícita no jogo político, e um brasilianista cunhou o termo direita envergonhada. Concordo que o Brasil teve uma direita envergonhada; certamente, desde 2013, não tem mais. 2013 marca o surgimento do MBL (Movimento Brasil Livre), de diversos movimentos conservadores de direita, e eles se expressam no sistema político através de um conjunto de legislações, como o Estatuto da Família, a tentativa de criminalização de movimentos sociais...

Tudo isso mostra uma direita ativa, com uma agenda muito clara, que o governo Temer em certa medida, e vou usar o verbo no passado, representou: a direita não mais envergonhada. A primeira medida do governo Temer extinguiu o Ministério da Reforma Agrária, da Cultura, todas as secretarias especiais... É completamente de acordo com essa agenda que foi surgindo.

BBC Brasil: O senhor falou do Judiciário atuando fora de suas atribuições. Ao mesmo tempo, o Judiciário vai decidir se houver cassação da chapa ou processo contra Temer. O que se espera do Judiciário nesse momento?

Leonardo Avritzer: Muito mais do que ele pode entregar. Quando foi feita a Constituição dos Estados Unidos, um dos autores falou que o Judiciário era o poder menos perigoso. O que significa isso? Que nas grandes disputas políticas ele estava de tal forma ausente que não representava perigo para a democracia. É uma frase do Alexander Hamilton. Qual é o problema nosso? É que não temos um Judiciário que está se preservando.

A gente vai provavelmente ver um Judiciário fortemente dividido em todas as questões que vão aparecer agora, nas questões relativas ao Aécio, ao Temer, à investigação dele, a uma possível saída ou não, no sentido da eleição direta... Isso não é bom. O Judiciário é um poder que tem que manter sua credibilidade, só funciona com base na credibilidade, ele não tem mais nada. Os outros poderes não, eles têm recursos, capacidade de cooptar... O Judiciário a princípio não tem. Um Judiciário tão envolvido na política não pode ser bom para a democracia.

BBC Brasil: Já lhe perguntei sobre a direita, e o senhor em seu livro fala do fim de um ciclo de esquerda. Como essa esquerda brasileira vai se reconstituir? É possível que ela se reconstitua?

Leonardo Avritzer: Nossa conjuntura é de forte indefinição. No entanto, desde 2013, esse episódio é o único em que a esquerda não está no centro da crise. Esteve nas manifestações, na eleição, nas manifestações de 2015 e no impeachment. Provavelmente, isso (a delação da JBS) já se coloca na esteira de uma certa recuperação. A intenção de voto no ex-presidente Lula subiu, a identificação com o PT subiu... existe um certo movimento de recuperação, porque quem passou a administrar a crise foi a direita. Existe uma possibilidade de recuperação, ainda que numa conjuntura em que a incerteza é a principal moeda do dia.

BBC Brasil: O senhor também aborda como a população, nos anos 60 e 70, aceitava o bordão "rouba mas faz". Hoje, como vê a percepção da população em relação à corrupção e aos mecanismos de controle?

Leonardo Avritzer: O impeachment foi um desastre no que diz respeito à corrupção, porque colocou no centro do Poder Executivo, o mais importante do Brasil, uma pessoa sobre quem havia forte suspeitas de envolvimento com casos de corrupção. Essas suspeitas começaram a se confirmar semanas depois da posse do presidente Temer, ainda antes da posse definitiva, com as chamadas delações do Sérgio Machado. Ainda que o Poder Judiciário tenha que coibir a corrupção, a mudança de práticas políticas é construção institucional, não depende unicamente do Código Penal. Nesse sentido, quase nada foi feito no último ano.

Colocou-se um grupo fortemente envolvido com a corrupção, mais do que o anterior, no centro do poder político. Hoje começaram a aparecer notícias de que Temer tinha dado informações sobre taxa de juros a empresários. Olha o nível a que corrupção chegou, ao centro do poder.

BBC Brasil: Nossas formas de controle falharam?

Leonardo Avritzer: O controle pode fazer alguma coisa sobre a corrupção, mas a corrupção só é superada quando você passa a ter uma institucionalidade política calcada sobre novos valores. O Brasil não deu esse passo.

BBC Brasil: Que impacto a sucessão de delações envolvendo o primeiro escalão da República tem para as instituições democráticas? Que desdobramentos o senhor prevê?

Leonardo Avritzer: O impacto é altíssimo porque no caso desta delação existem gravações do presidente Temer reconhecendo a obstrução de Justiça. No caso do senador Aécio Neves a delação também é gravíssima e se dá em relação ao presidente de um partido que mantinha uma certa credibilidade. O impacto destas delações é o envolvimento de todos os atores principais do sistema político.

BBC Brasil: Se o presidente Temer deixar o cargo, a primeira possibilidade é eleição indireta. A eleição direta dependeria da aprovação de uma PEC. A população já pede diretas já este ano. Acredita que, politicamente, isso é possível?

Leonardo Avritzer: As eleições diretas são possíveis e desejáveis. A antecipação das eleições já devia ter sido feita há muito tempo, na minha opinião, pela própria Dilma, em março de 2016. Ela esperou demais e não teve condições de fazê-lo quando alguns meses depois ficou claro que ela já não tinha mais condições de governar. A emenda do (deputado) Miro Teixeira antecipando as eleições presidenciais para este ano é factível e representa o pouco de luz que há no horizonte. Provavelmente as eleições deveriam ser gerais, mas os deputados irão manter as eleições proporcionais para 2018.

Há pressão da opinião pública e mesmo do sistema político. É difícil medir a temperatura do Congresso nesse momento, mas algumas informações são de desembarque de ministros do PSDB do governo, de ministros do PPS, o próprio Ronaldo Caiado falando em eleições diretas... A gente vai ter que sentir o Congresso nesses próprios dias, mas tudo parece indicar que caminha nessa direção.

BBC Brasil: Acredita numa mobilização como em 2013 ou em 1992, no impeachment de Collor?

Leonardo Avritzer: Vai depender da atitude dos diferentes atores políticos. Existe um potencial de forte mobilização e até uma certa composição entre grupos de direita e esquerda que andaram se manifestando na direção de eleições diretas. Interessante é que houve manifestações da CUT em frente ao Palácio do Planalto e manifestações em frente à Fiesp. Pode haver uma composição nessa direção, e, se houver composição nessa direção, as eleições diretas virão.

BBC Brasil: O senhor costuma escrever que a democracia operacionaliza a governabilidade. Como reler essa frase no momento atual?

Leonardo Avritzer: Não adianta optar pela governabilidade a qualquer custo, esse é o erro das pessoas que defendem o presidencialismo de coalizão, que sempre entendeu a governabilidade como capacidade de aprovar reformas no Congresso. Nessa perspectiva, o governo Temer até gerou governabilidade. O problema é que você tem fortes suspeitas de que essa governabilidade se pauta por formas não democráticas.

BBC Brasil: Como ficam as reformas em discussão?

Leonardo Avritzer: As reformas são necessárias, mas da maneira como elas estão sendo feitas obrigam a população de baixa renda e os trabalhadores a pagar um preço altíssimo pela disfuncionalidade do sistema político. A melhor saída neste momento é convocação de eleições diretas e a discussão eleitoral das reformas.

BBC Brasil: Qual a leitura do simbolismo desse momento histórico?

Leonardo Avritzer: O simbolismo é de um colapso do sistema político que se anuncia desde 2013 e que agora aconteceu. O sistema político deveria ter discutido uma saída conjunta para os seus problemas. Infelizmente forças dentro deste mesmo sistema político tentaram se aproveitar da crise para chegar ao poder. Estas forças são as que estão no centro do escândalo revelado ontem (anteontem).

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