Jornalismo tem assumido cada vez mais o protagonismo de investigar corrupção, apontam especialistas
Durante 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, Valmir Salaro, Vera Araújo e Eugênio Bucci debateram o papel e as dificuldades que a investigação jornalística sofrem na atualidade
O jornalismo investigativo enquanto mecanismo de incentivo para a mobilização da sociedade foi abordado durante o terceiro painel do 9º Seminário Caminhos Contra a Corrupção: Integridade e Transparência, que acontece nesta segunda-feira, 4, por meio de uma parceria entre o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) e Estadão. Os convidados abordaram casos de repercussão mundial e nacional, como o caso Marielle Franco, que envolveram uma intensa investigação jornalística.
Com mediação da presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e editora do Estadão Verifica, Kátia Brembatti, o debate contou com a participação com dos jornalistas investigativos Valmir Salaro, Vera Araújo e o professor e escritor Eugênio Bucci.
Vera Araújo, que acompanhou durante seis anos e 7 meses os desdobramentos do caso Marielle no jornal "O Globo", compartilhou seu envolvimento com a investigação desde o início, passando pelo contato com pessoas próximas às vítimas e identificação de testemunhas. Recentemente, o caso contou com a condenação dos assassinos confessos da vereadora.
A jornalista relembra a estranheza com a lentidão do processo e o episódio no qual foi maltratada pelo então chefe da policia, o delegado Rivaldo Barbosa, que a chamou de mentirosa quando ela compartilhou suas descobertas. Barbosa também acabou sendo preso por envolvimento no assassinato da vereadora.
A dificuldade em lidar com a corrupção também foi presenciada por Vera quando ela notou que, em suas conversas com fontes ligadas a polícia, o nome de Ronnie Lessa já era apresentado como um dos principais suspeitos, antes mesmo do indiciamento ex-policial militar, por conta das características comuns em outras execuções do assassino.
A jornalista também contou sobre casos nos quais as investigações policiais só começavam a ter novos desdobramentos a partir da divulgação que a imprensa realizava sobre suas descobertas nos crimes.
Segundo professor Eugênio Bucci, o jornalismo tem assumido cada vez mais, por necessidade, o protagonismo de investigar irregularidades por conta própria, sem se contentar apenas com a reprodução de declaração das autoridades.
Os convidados também concordaram que, ao flagrar e divulgar as irregularidades daqueles que possuem poder, o trabalho jornalístico alerta a população que, por sua vez, passa a pressionar os órgãos competentes a tomarem as ações necessárias.
O jornalista investigativo Valmir Salaro, durante seus 45 anos de atuação na cobertura policial, aponta que é nítido o aumento da corrupção, que parte de uma minoria, mas que consegue impactar todo o sistema. "Quando o inimigo está dentro da própria casa, como você vai investigar o caso?", indaga.
Salaro também relembrou do caso da Máfia dos Fiscais, no qual, com a ajuda de uma jovem empresária, que fez uma denúncia por meio da central de escuta da TV Globo, foi descoberto um esquema de propinas envolvendo a regulamentação de imóveis comerciais em São Paulo. O jornalista destacou a importância de contar com pessoas dispostas a se expor nesses casos, para atuar em conjunto com o jornalismo.
Apesar dessa relação direta entre a comunicação e a sociedade, Bucci aponta que, na atualidade, a mudança no comportamento da população também tem se tornado um limitador no fazer jornalístico. "A opinião pública não se comporta mais como fiscalizadora, e, sim, como uma plateia no coliseu, saboreando a batalha entre gladiadores, observando um espetáculo", disse.
Ao longo do de dois dias de programação, especialistas debaterão oito eixos temáticos relacionados a problemática da corrupção no âmbito público e privado. O evento conta com transmissão gratuita pelo canal oficial do Estadão no Youtube.