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Polícia

Audiências de custódia evitaram 61 mil prisões só em SP

Presos em flagrante são avaliados e, dependendo do caso, liberados; procedimento desacelera superlotação, mas conservadores contestam

14 set 2018 - 09h00
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Das 160.462 audiências de custódia, realizadas após prisões em flagrante, registradas no Estado de São Paulo de 2015 até maio deste ano, 61.471 determinaram a liberação do preso. Ou seja, 38,3% dos procedimentos terminaram com o acusado libertado e, em 61,7% das vezes, a privação de liberdade continuou.

Quem é pego em flagrante deve ser encaminhado a uma audiência de custódia em até 24h. É quando o juiz decide se a pessoa pode responder em liberdade durante o andamento do processo ou se aguardará preso. Também podem ser determinadas outras medidas cautelares.

Dessa forma, diminui o número de pessoas encarceradas sem julgamento. As audiências não impedem que condenados sejam presos.

Esse mecanismo, que não está previsto em lei, foi criado em 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e implantado primeiro em São Paulo. É apontado por especialistas como uma forma de conter a superlotação dos presídios.

Especialistas apontam as audiências de custódia como uma forma de frear a superlotação nos presídios
Especialistas apontam as audiências de custódia como uma forma de frear a superlotação nos presídios
Foto: Thiago Gomes / Ascom Susipe

Como mostrou o Terra, a população carcerária teve leve queda em SP de 2016 para 2017, caindo também o número de cativos por vaga. Caso todos os libertados tivessem sido mantidos presos, essa diminuição possivelmente não teria acontecido. Mesmo com a queda, os presídios paulistas continuam superlotados.

O instrumento é criticado por parcelas mais conservadoras da sociedade. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), por exemplo, é autor de um projeto de lei que tenta acabar com as audiências de custódia.

Segundo ele escreveu na justificativa do projeto, o mecanismo aumenta a sensação de impunidade e inverte as posições dos acusados e dos agentes da lei. Em audiências de custódia, o juiz responsável deve averiguar se houve violação de algum direito do preso.

A apresentação de um projeto nem de longe significa que ele se tornará lei. Fora da pauta do governo Temer, a matéria está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Em São Paulo, o percentual de libertados tem diminuído nos últimos anos. Após chegar a um auge de 44,4% em 2016, foi a 38,2% em 2017 e, nos primeiros cinco meses de 2018, ficou em 32,5%.

Teria havido um endurecimento nas diretrizes do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que comanda o Judiciário no Estado. A reportagem perguntou se o TJ se manifestaria sobre os números. A assessoria de imprensa disse não comenta estatísticas produzidas por outros órgãos, a não ser as do CNJ.

Segundo a professora Maíra Zapater, da FGV (Fundação Getulio Vargas), a média geral de 38,3% de solturas no Estado, em todo o período com dados disponíveis, é baixa.

Ela diz que muitas das detenções após flagrante são ilegais. "Existe no geral uma tendência no Brasil muito mais de prender do que de soltar, muitas vezes prender ilegalmente. A lei estabelece requisitos nos quais uma pessoa vai aguardar julgamento presa e o flagrante não é um deles".

"Juízes ainda têm uma resistência muito grande de cumprir a regra constitucional, que é responder ao processo em liberdade". Segundo a professora, em São Paulo essa postura é "muito forte".

Por nota, o TJ-SP diz que não há como falar em endurecimento ou em uma postura recorrente sobre audiências de custódia. "As decisões dos magistrados paulistas são sempre atreladas ao caso em análise, às provas neles contidas e à legislação a ser aplicada", escreveu a assessoria do Tribunal.

Mais audiências

As audiências têm ficado cada vez mais numerosas em São Paulo. Em 2015, foram 14.145 – o procedimento começou em fevereiro. Nos anos de 2016 e 2017 foram 33.692 e 72.946, respectivamente.

Neste ano, o número deve atingir novo recorde. Até maio, foram 39.679 audiências. No mesmo período do ano passado tinham sido 23.957.

Os dados sobre as audiências de custódia constam de um relatório da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, ao qual a reportagem teve acesso. O documento traz, ainda, outros detalhes.

Homens e mulheres

Do total de audiências, 147.933 decidiram o destino de homens e 12.529, de mulheres. Em geral, elas são mais libertadas que eles.

No período, o percentual de libertadas após audiência de custódia variou de 47,1% (nos primeiros meses de 2018) a 65,18% (em 2016). No caso dos homens, o índice de libertações ficou entre 31,2% (também nos primeiros meses deste ano) a 42,8% (em 2016). Contando todos os anos, a média de libertações foi de 52,5% para mulheres e 37,1 para homens. 

Uma possível explicação para para a diferença nas liberações de homens e mulheres é uma lei de 2016 que manda, na maior parte dos casos, mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que cometerem crimes ficarem em prisão domiciliar. Em 2018, decisão o STF (Surpemo Tribunal Federal) concedeu um habeas corpus coletivo para mães e grávidas presas sem condenação, e aprofundou esse processo.

De 2015 a maio de 2018, foram estabelecidas fianças após 6.857 audiências, também de acordo com o relatório da SAP. Desse total, 3.866 foram pagas e 2.991, não. 

Atualmente, há audiências de custódia em todos os Estados. O último número compilado pelo CNJ abrange chega apenas a junho de 2017. Até aquela data, 258.458 audiências de custódia tinham sido realizadas no Brasil, com 115.497 resultando na liberdade do acusado.

Procurada pelo Terra, a assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça disse que o número deverá ser atualizado em breve. “O conselheiro que trata na área prisional no CNJ, Márcio Schiefler Fontes, deu prazo até o final de setembro para os TJs [Tribunais de Justiça] alimentarem o banco de dados corretamente”.

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Fonte: Redação Terra
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