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Polícia

Rio: mesmo após ocupação, tráfico persiste na Penha e no Alemão

6 fev 2011 - 10h36
(atualizado às 11h23)
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Luís Bulcão Pinheiro
Direto do Rio de Janeiro

Com 1,937 mil homens espalhados por quatro bases fixas na Penha e cinco nas favelas do Alemão na zona norte do Rio de Janeiro, além de patrulhas permanentes, a Força de Pacificação pode garantir que não há contestação armada à ocupação do perímetro de atuação. Mas indícios apontam que o tráfico que dominou a região por 20 anos permanece hoje entre os becos e ladeiras das favelas. "Estamos monitorando uma rede de olheiros do tráfico ativa. Eles se comunicam por rádio. Nós sabemos que estão lá e eles também nos observam", afirma o comandante da operação, general Fernando Sardenberg.

Militar observa movimentação em região antes dominada pelo tráfico na Vila Cruzeiro
Militar observa movimentação em região antes dominada pelo tráfico na Vila Cruzeiro
Foto: Nathália Bulcão / Especial para Terra

A abordagem aos suspeitos é difícil. Normalmente, eles são detidos e liberados logo após, já que a maioria não possui antecedentes criminais. Das 72 detenções realizadas pela Força de Pacificação nesses dois meses de ocupação, apenas 10 se converteram em prisões. Sete delas relacionadas ao tráfico, outras três ao desacato à autoridade. Apesar das apreensões e prisões realizadas pelas tropas, o próprio general admite que o foco principal da missão no momento não é combater o tráfico de entorpecentes, mas garantir o direito de ir e vir dos moradores. Além de permitir a atuação dos serviços do Estado. "Toda uma população era subjugada e sofria violência. Hoje, fruto de muito trabalho, alcançamos um nível de segurança satisfatório. Mas a situação é latente", alerta o comandante. De acordo com ele, o tráfico está pronto para retornar, se as metas de integração social e reconquista da confiança não forem cumpridas.

Ao longo das vielas da Vila Cruzeiro, próximo à luxuosa casa antes ocupada por Paulo Roberto de Souza Paz, traficante conhecido como Mica, crianças, adolescentes e adultos lançam olhares desconfiados para os militares. Segundo o major Fabiano Lima de Carvalho, responsável pela comunicação da Força de Pacificação, a desconfiança é maior em pontos específicos, onde o tráfico exercia forte controle. "Aqui (na região onde ficava a casa de Mica), a polícia não pisa há pelo menos 15 anos. Essas pessoas cresceram aprendendo que quem manda é o traficante. Reverter isso é um longo caminho", afirma o major.

A imagem de idolatria ao crime exemplifica o desafio das tropas da Força de Pacificação que ocupam os complexos da Penha e do Alemão. "Esses são os meninos que as meninas gostam!", dizia uma pichação no alto da Vila Cruzeiro. Logo abaixo, um grafite exibia o desenho de um traficante abatendo um helicóptero da polícia com um fuzil.

No esforço de mudar a situação, os militares deram um retoque no grafite do alto da Vila Cruzeiro. O personagem que representava um traficante ganhou uma boina vermelha e uma farda dos paraquedistas. O helicóptero em chamas foi apagado. Um novo recado apareceu: "Brasil, acima de tudo a paz". É disso o que as meninas e meninos do Alemão e da Penha precisam aprender a gostar.

Em frente à casa do traficante Mica, um muro de concreto reforçado separa a via da bela e estratégica vista panorâmica que abrange o Complexo da Penha e se estende até a Baía de Guanabara. A construção, que funcionava como escudo para atiradores do tráfico, será a próxima a ser derrubada. Ao todo cinco muros semelhantes já foram destruídos pelo Exército.

Bailes funk, só com autorização do exército

Em outro ponto simbólico para o tráfico, a quadra da Chatuba, local que costumava receber os bailes funk, crianças jogam futebol. Sobre elas pairam abandonadas sacadas de construções vizinhas que, durante as festas, costumavam ser usadas como "camarote" pelos chefões do tráfico e seus convidados. De acordo com o Exército, não há toque de recolher nas comunidades ocupadas. As pessoas podem ir e vir a hora que quiserem. As festas ocorrem normalmente. No entanto, os bailes funk estão sob supervisão, sendo necessária a autorização do Exército, que intensifica a fiscalização na área.

Apesar dos focos de desconfiança em alguns pontos, a ocupação já rende frutos aos moradores. Linhas de ônibus que ficavam paradas durante a noite devido à falta de segurança voltaram a circular. Companhias de distribuição de gás também podem oferecer seus produtos tranquilamente nas comunidades. E a coleta de lixo foi intensificada. Segundo Sardenberg, consolidar esse tipo de ação é necessário para que "não seja alimentada nas pessoas a falsa impressão de que antes (da ocupação) era melhor".

Segundo o general, a Força de Pacificação recebe apoio da população, principalmente através do telefone disponível para o contato direto com o Exército. As manifestações favoráveis nas ruas ainda são tímidas e limitadas às áreas mais próximas das vias principais dos morros. Após décadas de subjugação, a regra continua sendo fazer cara feia para militares e policiais.

A Força de Pacificação

A Força de Pacificação é uma tropa especial montada pelo Ministério da Defesa para atender a solicitação do governador do Rio, Sérgio Cabral, de manutenção da ocupação dos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio. Ela é formada por 1,667 mil homens do Exército, 240 Policiais Militares e 30 Policiais Civis.

Com autorização para patrulhar, fazer revistas e realizar prisões em flagrante, os homens do Exército são encarregados de manter a segurança na área ocupada. Os Policiais Militares cumprem mandados de busca e apreensão nas residências, sempre com o apoio e cobertura do Exército. Uma delegacia de campanha da Polícia Civil foi montada na base da Força de Pacificação para dar agilidade às investigações.

A Brigada de Infantaria Paraquedista será substituída em fevereiro pela 9ª Brigada de Infantaria Motorizada. O rodízio de brigadas do Exército está programado para ocorrer de três em três meses até outubro de 2011, quando a Força de Pacificação deve ser substituída pela criação de Unidades de Polícia Pacificadora.

Veja os números da Força de Pacificação desde que os militares assumiram o controle das duas regiões:

Apreensões: 8 fuzis, 5 pistolas, 65 carregadores e 7 granadas.

Dinheiro apreendido: R$ 12.349

Drogas: 17,6 kg de cocaína, 6,9 kg de maconha, 3 kg de crack

Prisões: 10 (sete relacionadas ao tráfico e três por desacato à autoridade)

Disparos contra a tropa: 10

Homicídios: 5 (três sem relação com o tráfico de drogas. Os outros dois ainda estão sob investigação.

Fonte: Especial para Terra
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