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ONGs rebatem fala de Bolsonaro sobre queimadas

22 ago 2019 - 07h56
(atualizado em 23/8/2019 às 05h20)
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Após presidente sugerir que incêndios na Amazônia poderiam ser resultado de ação criminosa de "ongueiros", ambientalistas dizem que culpar entidades é "irresponsável" e "paranoico" e sustentam ligação com desmatamento.ONGs ambientalistas reagiram à fala do presidente Jair Bolsonaro desta quinta-feira (22/08), que alegou que entidades do tipo poderiam estar por trás das queimadas na região da Amazônia.

ONGs acusaram Bolsonaro de tentar criminalizar ambientalistas por incêndios na Amazônia sem apresentar provas
ONGs acusaram Bolsonaro de tentar criminalizar ambientalistas por incêndios na Amazônia sem apresentar provas
Foto: DW / Deutsche Welle

Bolsonaro sugeriu que os incêndios poderiam ser resultado de ações criminosas que teriam o objetivo de prejudicar o governo. "Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses 'ongueiros' para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos. Vamos fazer o possível e o impossível para conter esse incêndio criminoso."

"O crime existe, e nós temos que fazer o possível para que não aumente. Mas nós tiramos dinheiro de ONGs. Dos repasses de fora, 40% iam para ONGs. Acabamos também com o repasse de dinheiro público, de forma que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro", prosseguiu.

Ao ser questionado se haveria evidências para corroborar essa declaração, o presidente disse: "Vocês têm que entender uma coisa, que isso não está escrito. Não têm um plano para isso aí. Isso é conversa, pessoal faz, toma decisão e ponto final."

O presidente justificou as suspeitas afirmando que "o fogo foi tocado, pareceu, em lugares estratégicos". "Pelo que tudo indica, foi para lá o pessoal para filmar e tocaram fogo. Esse é o meu sentimento", disse.

ONGS e ambientalistas rechaçaram as declarações de Bolsonaro, qualificando-as de "irresponsáveis", "absurdas" e até "paranoicas", e acusaram o presidente de tentar criminalizar as entidades sem apresentar provas.

A WWF Brasil lamentou a atitude do presidente. "A prioridade do poder público é zelar pelo patrimônio e não criar divergências estéreis e sem base na realidade", afirmou a entidade, em nota.

A ONG ressaltou que "historicamente, nessa região [da Amazônia], o uso do fogo está diretamente ligado ao desmatamento, pois é uma das técnicas do desmatamento".

Ao comentar a alegação de Bolsonaro de que ONGs estariam reagindo a um corte de repasses, a WWF citou uma análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), segundo a qual, entre 2010 e 2018, apenas 2,7% das Organizações da Sociedade Civil receberam recursos federais. Segundo os dados citados, apenas 5% desses recursos foram destinados à região Norte.

"Os recursos que o governo suprimiu foram as doações internacionais ao Fundo Amazônia e eles subsidiavam ações de combate ao desmatamento e a incêndios, entre outras coisas. Portanto, o que o alegado corte em repasse de recursos causou foi a redução na capacidade do Estado de combater o desmatamento e os incêndios", afirmou a WWF.

Paulo Addario, estrategista sênior de florestas do Greenpeace, acusou o governo de tentar criminalizar as ONGs.

"O Estado não tem capacidade de atuar em todos os lugares, e parte da sociedade civil assume a responsabilidade de fazer isso. Aí você criminalizar isso é um desejo deliberado de descrédito porque o presidente não acredita na organização social, ele acha que é uma coisa manipulada pela esquerda, pelos comunistas", disse o ambientalista, citado pelo jornal O Globo.

"No fundo, é criminalizar a cidadania. Só governos autoritários, que sonham com ditaduras, podem pensar em criminalizar os seus cidadãos", destacou, acrescentando que acreditar em conspirações de entidades internacionais contra o Brasil "é uma coisa paranoica que não é nova".

Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), qualificou de "absurdas" as declarações de Bolsonaro. "Essa afirmativa da Presidência da República é completamente irresponsável, porque as ONGs têm como objetivo o meio ambiente como prioridade. Não faz nenhum sentido dizer que ONG está colocando fogo em floresta, pelo contrário. É um grande absurdo", afirmou, citado pelo portal G1.

As imagens dos incêndios que já atingiram vários estados brasileiros repercutiram internacionalmente. O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que está profundamente preocupado com a situação. "Em meio à crise climática global, não podemos permitir mais danos à maior fonte de oxigênio e biodiversidade do planeta. A Amazônia precisa ser protegida", disse.

Já o secretário-geral da Anistia Internacional (AI) responsabilizou Bolsonaro pelos incêndios. "A responsabilidade de parar estes fogos que têm atingido a Amazônia é do presidente Bolsonaro e de seu governo", escreveu Kumi Naidoo numa nota à imprensa, na qual afirma que o Brasil "tem de mudar a sua desastrosa política de permissão de desmatamento, que abriu caminho para essa crise".

Naidoo também criticou as declarações feitas por Bolsonaro. "Em vez de espalhar mentiras infames ou negar a escalada do desmatamento, apelamos ao presidente para tomar medidas imediatas para travar o progresso desses fogos. Isso é essencial para proteger o direito das pessoas a um ambiente saudável, bem como o direito à saúde, dado o impacto dos fogos na qualidade do ar do Brasil e dos países vizinhos", acrescentou.

Dados do programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados na segunda-feira revelaram que as queimadas no Brasil aumentaram mais de 80% quando comparadas às ocorrências registradas entre janeiro e 18 de agosto de 2019 às do mesmo período no ano passado.

O órgão registrou 71.497 focos de queimadas até o dia 18 de agosto deste ano, contra 39.194 no ano anterior, marcando o maior número registrado desde 2013, primeiro ano de que o Inpe tem registro para o período. O recorde anterior ocorreu em 2016, quando foram registrados 66.622 focos.

Os estados onde foram registrados os maiores aumentos em relação ao ano passado foram: Mato Grosso do Sul (260%), Rondônia (198%), Pará (188%), Acre (176%) e Rio de Janeiro (173%). Os números do Mato Grosso, com 13.641 focos, correspondem a 19% do total das queimadas no Brasil neste ano e a um aumento de 88% em relação ao mesmo período de 2018.

Governo abre edital para monitoramento por satélite

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou através do Twitter que o aumento dos incêndios no país se deve às condições climáticas, sem mencionar o desmatamento.

"Tempo seco, vento e calor fizeram com que os incêndios aumentassem muito em todo o país. Os brigadistas do ICMBIO e Ibama, equipamentos e aeronaves estão integralmente à disposição dos estados e já em uso", tuitou Salles, em mensagem compartilhada por Bolsonaro.

Após Salles e Bolsonaro questionarem os números mais recentes do desmatamento divulgados pelo Inpe, o Ibama publicou no Diário Oficial da União desta quarta-feira um edital para a contratação de uma empresa privada para monitorar a Amazônia por satélite.

Segundo o edital, a empresa deverá apresentar relatos diários de alta resolução sobre indícios de desmatamento e manter um sistema de alertas, semelhante ao sistema Deter, já utilizado pelo Inpe. O Deter detectou um aumento de 278% no desmatamento no mês de julho, em comparação ao mesmo mês do ano anterior.

O desentendimento entre o governo e o Inpe resultou na exoneração do presidente do instituto Ricardo Galvão, que Bolsonaro sugeriu que poderia estar "a serviço de alguma ONG".

RC/ots

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