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Lava Jato

O que pesa contra Lula no julgamento que decidirá seu futuro

23 jan 2018 - 08h43
(atualizado às 09h51)
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Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em foto de 16/01/2018.
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em foto de 16/01/2018.
Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4° Região, em Porto Alegre, a corte responsável pelos casos de segunda instância da Lava Jato, decidem nesta quarta-feira (24) se a pena imposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro no ano passado deve ser mantida. O caso tem alto potencial político e pode influenciar diretamente os rumos da eleição presidencial de 2018.

Ainda na fase de investigações, Lula e sua defesa afirmaram que a motivação das acusações é política. Na narrativa do ex-presidente e de seus apoiadores, procuradores e juízes da Lava Jato estão apenas interessados em tirá-lo a qualquer custo do páreo presidencial.

Desde o início, o caso gerou controvérsia. Ainda na fase de apresentação das acusações, uma frase falsa atribuída aos procuradores responsáveis pela denúncia incendiou o debate, especialmente entre os apoiadores do petista e críticos da Lava Jato: "Não temos provas, mas temos convicção."

A frase logo se espalhou pelas redes sociais de simpatizantes, foi depois desmentida, mas sintetizou para alguns os questionamentos sobre o peso das provas apresentadas pela acusação. Hoje, apoiadores do ex-presidente usam o slogan "cadê a prova?" para manifestar apoio.

O que há contra o ex-presidente

Inicialmente, o caso se concentrou na propriedade de um tríplex no Guarujá e no pagamento do aluguel de um depósito para armazenagem presentes recebidos por Lula durante seu governo. Juntos, o apartamento e o aluguel totalizaram 3,7 milhões de reais. Segundo o Ministério Público Federal, eles caracterizavam o pagamento de propina por parte da empreiteira OAS. No caso do tríplex, o MPF afirmou que Lula seria o proprietário oculto do imóvel. Como provas, os procuradores apresentaram planilhas, depoimentos e recibos.

Na sentença em que decidiu que Lula era culpado por corrupção e lavagem de dinheiro, o juiz Sérgio Moro não aceitou todas as conclusões apresentadas pelo MPF. O magistrado acabou absolvendo Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do pagamento do aluguel do depósito, que somou 1,3 milhão de reais.

Segundo Moro, não havia provas de que o aluguel acertado com a OAS tenha sido feito "com intenção criminosa ou como parte de um acerto de corrupção". Neste caso, pesou o depoimento do ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro, que negou qualquer ilicitude no contrato.

O juiz analisou de maneira bem diferente o caso do tríplex no edifício Solaris, no Guarujá. Moro entendeu que Lula se beneficiou de um esquema criminoso e condenou o ex-presidente pelo recebimento de propina de 2,25 milhões de reais. O valor se refere às reformas no apartamento e ao upgrade da unidade. Segundo o MPF, Lula e sua mulher, Marisa Letícia, já falecida, adquiriram cotas de um apartamento comum no prédio, que foi concluído pela OAS, mas teriam recebido um imóvel maior - um tríplex que passou por várias reformas - sem pagarem pela diferença.

A defesa de Lula, no entanto, afirma que o imóvel nunca pertenceu ao ex-presidente e sempre continuou em nome da OAS. O imóvel foi inclusive penhorado ano passado da OAS em um caso que envolve dívidas com a Caixa.

Para ligar Lula ao imóvel, o MPF apresentou uma planilha apontando que o tríplex constava como "reservado" desde que a OAS assumira a conclusão da obra. Fotografias e depoimentos - incluindo o do zelador do prédio - mostraram que somente Lula e sua família visitaram o imóvel, que nunca foi aberto a outros interessados. Depoimentos de moradores e mensagens de celular de executivos da OAS demonstraram, na visão de Moro, que o local foi reformado e preparado para o ex-presidente. Um executivo da OAS disse que a construtora nunca personalizou outros imóveis com o intuito de vendê-los.

Conversas de celular continham referências ao tríplex e faziam menções a Marisa, que foi identificada como "dama" e "madame". Um documento rasurado também foi usado por Moro para demonstrar a ligação do ex-presidente com o imóvel. É um formulário de proposta de adesão feita por Marisa para adquirir um apartamento. Nele consta que ela estava interessada na unidade 141, um apartamento comum. Mas peritos concluíram que o número havia sido rasurado, e que o número original era 174, o do tríplex. Também foram encontrados dois documentos em operação da Polícia Federal na residência de Lula, em São Bernardo do Campo, que tratavam da adesão da compra da unidade 174.

A defesa de Lula, por sua vez, nega qualquer pedido de reforma e diz que Léo Pinheiro só falou do imóvel porque pretendia oferecê-lo legalmente para venda ao ex-presidente. Lula afirmou que "colocou 500 defeitos no imóvel" e que manifestou não ter interesse nele. Ele, no entanto, afirmou que sua esposa, Marisa, ainda demonstrou interesse em uma potencial compra.

O edifício Solaris era originalmente um empreendimento cheio de problemas financeiros de uma cooperativa ligada ao PT. Em 2009, a OAS assumiu a obra. Segundo os executivos da construtora, ela entrou na obra a pedido do próprio Lula. Após assumir a construção, a OAS pediu aos cooperados que informassem se queriam continuar a efetuar pagamentos ou se queriam o dinheiro já gasto de volta.

Lula e Marisa, apesar de já terem feito 50 pagamentos e parcelas de um total de 70, não informaram nada oficialmente à OAS. A construtora tampouco procurou Marisa e o petista para devolver o valor. Paralelamente, a OAS vendeu o apartamento 141, a unidade comum, para um terceiro, sem provocar qualquer manifestação do ex-presidente. Só em novembro 2015, quando a imprensa já explorava o caso, é que o casal pediu a restituição do valor.

Nesse ponto, Léo Pinheiro disse: "O apartamento [tríplex] era do presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da Bancoop [a cooperativa], já foi me dito que era do presidente Lula e de sua família, que eu não comercializasse e tratasse aquilo como uma coisa de propriedade do presidente." Ele disse ainda que a questão da reserva foi tratada com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro com artistas e intelectuais no Rio de Janeiro
16/01/2018 REUTERS/Ricardo Moraes
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro com artistas e intelectuais no Rio de Janeiro 16/01/2018 REUTERS/Ricardo Moraes
Foto: Reuters

Interpretação de Moro

A corrupção da OAS e de outras grandes empreiteiras nos contratos da Petrobras foi fartamente documentada ao longo da Lava Jato. Mas, neste caso, trata-se de apontar uma ação de corrupção do próprio ex-presidente que teria resultado em pagamento de propina - no caso, o imóvel no Guarujá.

Já na época da apresentação da denúncia pelo MPF, ainda em 2016, especialistas afirmavam que seria difícil ligar o "presente" (tríplex) a um ato específico para beneficiar a OAS durante as gestões do PT.

"Juridicamente, as vantagens podem ser vistas de outra maneira, como um mero presente ou agrado - algo também escandaloso, mas ainda assim sem ser resultado de propina", disse o jurista e ex-desembargador Wálter Maierovitch.

Como ficou claro na atual sentença de Moro, não há documentos que servem de prova cabal neste caso. Diante disso, Moro fez uma interpretação das explicações do próprio Lula e levou em conta os depoimentos dos executivos da OAS que resolveram colaborar. Resta saber se os desembargadores do TRF-4 vão fazer a mesma interpretação.

Léo Pinheiro, por exemplo, disse que a reserva e reforma do imóvel foram abatidas de um antigo saldo de propinas devidas pela empreiteira ao PT. Esse saldo teria chegado a 16 milhões de reais e foi reservado ao PT em troca de influência, em 2009, na obtenção de dois contratos em obras da Petrobras, nas refinarias Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, e Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. Em 2006, a OAS, antes uma empreiteira menor, ingressou no chamado "clube" de construtoras que detinham grandes contratos com a Petrobras. Segundo os executivos, a entrada ocorreu após a construtora fazer pagamentos ao PT por outros contratos.

No caso da Petrobras, os responsáveis pelos contratos eram diretores nomeados pelo governo Lula. Neste ponto, Moro usou o próprio depoimento de Lula concedido em maio. À época, o juiz perguntou se a palavra final sobre nomear os diretores era do ex-presidente. Lula simplesmente respondeu: "Era, porque senão não precisava ter presidente."

Dessa forma, se as nomeações na Petrobras atendiam a interesses de partidos e de empreiteiras - questão que foi levantada em outros casos da Lava Jato - Lula não teria como não saber do esquema criminoso. Moro, no entanto, fez a ressalva que o ex-presidente provavelmente não tinha conhecimento de detalhes nem se envolvia diretamente com a arrecadação de propinas.

Para Moro, Lula foi diretamente beneficiado por esse esquema acertado entre o PT e a OAS, já que não conseguiu dar explicações convincentes sobre a propriedade do tríplex.

A defesa do ex-presidente sempre negou ligação com o imóvel, mas também deu explicações contraditórias sobre a relação de Lula com o edifício Solaris. Lula, por exemplo, informou datas diferentes sobre quando teria manifestado que não estava interessado no tríplex.

Segundo Moro, diante da incapacidade do ex-presidente de provar que o apartamento foi cedido a ele por meio de uma operação financeira legítima, resta como única explicação que o apartamento entrou num pacote de pagamentos em troca da influência do presidente e do PT na gestão da Petrobras, em favor da OAS.

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