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Forças Armadas não apoiarão ruptura da democracia, avaliam ex-ministros da Defesa

Apoio da caserna a Bolsonaro não se estenderá a uma eventual tentativa de ruptura institucional, dizem ex-titulares da Defesa ouvidos pela BBC News Brasil.

6 mai 2020 - 10h28
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Ex-ministros da defesa avaliam que Forças Armadas não estão dispostas a seguir presidente em caso de ruptura da democracia
Ex-ministros da defesa avaliam que Forças Armadas não estão dispostas a seguir presidente em caso de ruptura da democracia
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Nos últimos meses, as Forças Armadas aprofundaram sua relação com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Mas isso não significa que Exército, Marinha e Aeronáutica estejam dispostos a seguir o presidente da República em uma iniciativa que signifique a ruptura da ordem democrática. A avaliação é compartilhada por três ex-ministros da Defesa consultados pela BBC News Brasil.

No domingo (03/05), Bolsonaro voltou a saudar manifestantes em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, como já tinha feito no dia 15 de março.

Em faixas, cartazes e palavras de ordem, os manifestantes pediam de novo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), além da edição de uma nova versão do Ato Institucional nº 5, o AI-5, que marcou o início da fase mais violenta da ditadura militar (1964-1985).

Ao discursar para os manifestantes, Bolsonaro disse que as Forças Armadas estavam com ele, e que ele não iria "admitir mais interferências" em seu governo - a fala era um recado ao ministro do STF Alexandre de Moraes, que na semana anterior revogou a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o posto de diretor-geral da PF, feita por Bolsonaro.

"Vocês sabem que o povo está conosco, as Forças Armadas - ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade - também estão ao nosso lado, e Deus acima de tudo", disse o presidente da República.

"Vamos tocar o barco. Peço a Deus que não tenhamos problemas nessa semana. Porque chegamos no limite, não tem mais conversa. Tá ok? Daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição. Ela será cumprida a qualquer preço. E ela tem dupla mão. Não é de uma mão de um lado só não. Amanhã nomeamos novo diretor da PF", continuou ele. Na segunda (04), Bolsonaro nomeou Rolando Alexandre de Souza para o comando da PF.

'Forças Armadas têm absoluta consciência de que cumprem uma missão constitucional', disse Aldo Rebelo (foto de arquivo)
'Forças Armadas têm absoluta consciência de que cumprem uma missão constitucional', disse Aldo Rebelo (foto de arquivo)
Foto: João Fellet/ BBC News Brasil / BBC News Brasil

"Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três Poderes e não apenas na letra da Constituição, não queremos isso. Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência", disse Bolsonaro.

Sem 'aventura'

Para três ex-ministros da Defesa ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil, as falas do presidente não batem com a disposição das Forças Armadas: a caserna já é parte orgânica do governo de Jair Bolsonaro, mas não endossará atitudes do presidente que representem uma ruptura formal do regime democrático em vigor no país desde 1985.

"As Forças Armadas têm absoluta consciência de que cumprem uma missão constitucional, nacional e social muito elevada para se deixarem envolver nas disputas políticas ou partidárias, que são passageiras", afirmou à BBC News Brasil o ex-ministro Aldo Rebelo.

Para ele, não há possibilidade de "aventura à margem dos marcos constitucionais". As Forças Armadas, disse, guardarão lealdade ao presidente em suas demandas, mas dentro dos limites que determina a Carta de 1988.

Rebelo comandou a pasta da Defesa entre outubro de 2015 e maio de 2016, no governo de Dilma Rousseff (PT). À época, ainda integrava os quadros do PCdoB, partido no qual construiu sua carreira política - em 2017, se desligou da legenda, ficou por um breve período no PSB e atualmente é filiado ao Solidariedade.

Ele acredita que as questões que levaram o presidente Bolsonaro a mencionar um suposto apoio das Forças Armadas a seu projeto são de natureza alheia à caserna.

"O presidente é um homem atormentado por razões que eu desconheço e lança mão desses destemperos criando uma confusão no país, mas creio que isso não terá maiores consequências, exceto para o próprio presidente, que poderá responder perante o STF e perante o Congresso pelas ilegalidades que tem cometido", disse Rebelo.

Hoje senador pelo PT da Bahia, Jaques Wagner foi ministro da Defesa durante o ano de 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Segundo ele, as preocupações das Forças Armadas hoje são outras - e não há espaço para "aventuras".

Preocupações das Forças Armadas hoje são outras - e não há espaço para 'aventuras', diz Jaques Wagner
Preocupações das Forças Armadas hoje são outras - e não há espaço para 'aventuras', diz Jaques Wagner
Foto: GERALDO MAGELA/AG. SENADO / BBC News Brasil

"Eu acho que as Forças no Brasil hoje estão muito mais preocupadas com a questão da profissionalização, de se equiparem, para termos um Exército, uma Marinha e uma Aeronáutica modernos, competentes, eficientes, para a eventualidade de qualquer agressão à nação", disse Wagner à BBC News Brasil.

"Do ponto de vista de valores, os integrantes das Forças Armadas têm os valores do estrato, vamos dizer assim, da classe média brasileira. É óbvio que tem uns mais conservadores, que podem concordar em alguns pontos (com Bolsonaro). Mas não acho que concordem com a forma como a Presidência da República atua", avalia Wagner - depois do Ministério da Defesa, ele ocupou a Casa Civil no fim do governo Dilma.

Para o senador e ex-ministro, Bolsonaro promove uma "brigalheira de telecatch" para entusiasmar seus eleitores - sem, contudo, levar adiante suas ameaças. Telecatch era o nome de um programa de televisão dos anos 1960 que exibia "lutas" encenadas entre personagens num ringue.

"Nós temos um presidente da República que só consegue sobreviver e manter seu público animado construindo um conflito a cada semana. E eu não acho que as FFAA estejam dispostas a embarcar numa aventura sem projeto, sem motivação, sem nenhum significado", disse Wagner.

"As Forças Armadas brasileiras são uma instituição que forma quadros, que pensam o Brasil. Independe de se eu concorde ou não, mas pensam o país (...). Ele (Bolsonaro), não. Só está pensando em 2022. Um presidente assim não governa. Ele continua em campanha, e continua preparando 2022. Então, como ele quer manter os seus torcedores animados, tem que ficar fazendo esse tipo de bravatas", diz ele.

Reação das Forças Armadas

Nesta segunda-feira (04), o atual ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, divulgou uma nota pública sobre os protestos do dia anterior.

O texto frisa a importância da "independência e harmonia" entre os Poderes - para Jaques Wagner e um outro ex-ministro da Defesa consultados pela BBC News Brasil, a nota representa uma reação clara da caserna à fala de Bolsonaro.

"As Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional. Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País", diz a nota.

"A liberdade de expressão é requisito fundamental de um país democrático. No entanto, qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável. O Brasil precisa avançar. Enfrentamos uma Pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos", prossegue o texto, fazendo referência às agressões sofridas por jornalistas durante a manifestação em Brasília.

"As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso", diz a nota.

Também na tarde de ontem, o vice-presidente, Hamilton Mourão, escreveu no Twitter que "ninguém irá descumprir a Constituição", e frisou que "Cada Poder tem seus limites e responsabilidades".

, a manifestação do Ministério da Defesa marcou um afastamento da cúpula militar do radicalismo do presidente.

Estes analistas, no entanto, manifestam preocupação com a possibilidade de oficiais de média e baixa patente aderirem a movimentos autoritários.

Vínculo orgânico

Segundo um outro ex-ministro da Defesa, que falou à BBC News Brasil sob condição de anonimato, o tipo de vínculo entre as Forças Armadas e o governo Bolsonaro mudou no começo deste ano.

Em fevereiro, um general do Exército, Walter Souza Braga Netto, assumiu como o novo ministro da Casa Civil. Ele substituiu Onyx Lorenzoni (DEM), hoje ministro da Cidadania.

Braga Netto era integrante do Estado Maior do Exército, e antecipou sua aposentadoria para assumir o posto na Casa Civil.

"A chegada do Braga Netto, que deixou o Estado Maior do Exército para assumir a Casa Civil, que é um órgão de coordenação do governo, (representou) uma mudança qualitativa. Porque passou a existir uma ligação mais orgânica, digamos assim, entre as Forças Armadas e o governo", avalia o ex-ministro.

"Então eu acho que essa ligação orgânica que se criou - sem falar no número de militares (no governo), que é uma coisa expressiva - vai fazer com que as Forças Armadas estejam, para o bem ou para o mal, para usar a expressão do general Ernesto Geisel, inevitavelmente contaminadas pelo resultado do governo Bolsonaro", diz o ex-ministro.

"É diferente de 'ah, estou fazendo um trabalho técnico...'. Não. É muito difícil de alegar isso numa situação como essa", diz.

"Eles (militares) não apoiariam um golpe formal, na minha opinião, mas coonestam atitudes que são quase… que são atitudes de afronta. O Bolsonaro participa, incentiva, aplaude, manifestações que pedem a volta do AI-5 e outras coisas mais", diz.

"Os militares, em geral são formalistas. Então, o Bolsonaro vai lá, faz agitação. As pessoas não gostam, criticam, e com razão. Mas ele não rompe. Não diz 'vou desobedecer uma decisão (do STF)'. Ele diz que está no limite, mas não atravessa", avalia ele.

"O presidente Bolsonaro, dentro das suas aparentes loucuras, ele tem muito faro político. Veja que ele ameaçou, disse que tinha chegado ao limite etc. Mas não deu outra: não fez uma confrontação direta", aponta o ex-ministro.

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