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Coronavírus

Após subestimação, Queiroga buscou mais vacinas do Covax

Posição demonstra uma mudança de postura do governo em relação à compra de vacinas, fato esse que está sendo investigado pela CPI

18 jun 2021 - 18h24
(atualizado às 18h47)
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08/06/2021
REUTERS/Adriano Machado
08/06/2021 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Depois de o governo brasileiro optar por contratar o mínimo possível de vacinas contra a covid-19 no consórcio Covax Facility, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pediu à Organização Mundial de Saúde (OMS) o aumento para 20% da cota da população brasileira, mas o pedido foi negado.

A informação consta de um do telegramas diplomático em que é relatada uma reunião entre Queiroga e o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, realizada no dia 4 de junho e que foi remetida para a CPI da Covid do Senado. A correspondência sigilosa foi obtida pela Reuters com uma fonte da CPI.

Na conversa, Queiroga, que assumiu o ministério em abril, diz que o número contratado - 42 milhões de doses, suficiente para imunizar apenas 10% da população - era baixo frente à demanda do País e da força da pandemia nas Américas.

O diretor-geral da OMS concordou que havia atraso na entrega de imunizantes pelo consórcio e revelou que as farmacêuticas não estavam cumprindo adequadamente os contratos, mas deixou claro que o volume destinado ao Brasil não seria aumentado.

A posição de Queiroga demonstra uma mudança de postura do governo em relação à compra de vacinas, fato esse que está sendo investigado pela comissão parlamentar.

Nesta sexta-feira, 18, o atual ministro da Saúde passou à condição de investigado pela comissão de inquérito.

Procurada, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde não respondeu de imediato aos pedidos de comentário sobre a posição de Queiroga.

Opção mínima do governo

O acerto para compra das vacinas pelo mecanismo foi feito no final de 2020, ainda sob a gestão de Eduardo Pazuello. Já na época a decisão do governo brasileiro de contratar o mínimo possível oferecido pelo Covax foi criticada, em um momento em que o Brasil ainda tinha poucas perspectivas de obter grandes volumes de vacina.

Em depoimento à CPI no mês passado, Pazuello disse que foi dele a decisão de comprar apenas a cota de 10% da população brasileira de vacinas pelo Covax Facility. Ele alegou ter comprado a cota mínima, chamou de "muito nebulosa" a negociação e reclamou do preço, dizendo que a oferta inicial seria de US$ 40 por dose.

"Bem, a negociação com a Covax Facility começou muito, muito nebulosa - vou usar um termo aqui. Não havia bases, o preço inicial era de 40 dólares a vacina. E assim começou a discussão. Não havia garantia de fornecimento. Então, naquele momento, o que nós nos preocupamos era que nós assumíssemos um grau de recursos altíssimo sem uma garantia de entrega efetiva do laboratório", disse Pazuello, que também passou à condição de investigado na CPI.

Fontes ouvidas pela Reuters depois do acerto inicial com o Covax, no entanto, disseram que a avaliação no ministério, à época, era de que os contratos da AstraZeneca - que desenvolveu a vacina em parceria com a Universidade de Oxford - com a Fundação Oswaldo Cruz e da chinesa SinoVac com o Instituto Butantan para a CoronaVac seriam suficientes para abastecer o Brasil.

Volume baixo

Na conversa com o diretor-geral da OMS do início deste mês, o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, recapitulou os elementos da participação do Brasil no consórcio pelo qual pagou US$ 150 milhões em outubro do ano passado para a contratação de doses em volume para 10% da população brasileira, segundo o telegrama diplomático.

Queiroga sinalizou a disposição do governo para elevar o volume contratado para 20% da população brasileira, destacando que o ministério estaria pronto para fazer a alocação de recursos.

De acordo com o telegrama, Tedros queixou-se de que os elevados volumes contratados de vacinas pelo Covax Facility não estavam sendo honrados pelas companhias farmacêuticas, fato esse que estaria prejudicando o Brasil e muitos outros países.

O diretor-geral da OMS disse ter relatado que vários chefes de Estado e governos mandaram-lhe correspondências "frustrados" com o ritmo de entrega de doses pelo consórcio, notando que vários países não teriam sequer começado a receber imunizantes e que o problema não seria específico do Brasil.

"Ao mesmo tempo, disse que envidará seus melhores esforços para ajudar-nos, via contatos seus com os CEOs da AstraZeneca e da Pfizer", afirmou Tedros, de acordo com o telegrama diplomático.

Ainda assim, o diretor-geral da OMS deu sinal de que a demanda de Queiroga por mais vacinas via o mecanismo não deverá ser atendida.

Conforme o documento enviado à CPI, Tedros "não deixou de argumentar que, mesmo que o ritmo de entregas do Covax Facility melhore, o volume destinado ao Brasil ainda será limitado (apenas 9 milhões de doses até maio e um total de 42 milhões ao término de 2021)", afirmou.

Outros telegramas mostraram que o Itamaraty acompanhava desde o ano passado com atenção o desenvolvimento de vacinas pelo mundo, chegou a marcar encontros de pessoas do ministério da Saúde com representantes de laboratórios que queriam apresentar seus imunizantes ao Brasil, e reportou detalhes dos estágios de desenvolvimento de vacinas, como as da Pfizer e da Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson.

Os relatórios sinalizavam, por exemplo, os acordos de compra que vários países já estavam fazendo com os laboratórios, mesmo sem os resultados finais das vacinas.

Uma das alegações do presidente Jair Bolsonaro e de Pazuello para o atraso na aquisição de vacinas pelo Brasil é que não havia vacinas prontas e que era necessária uma aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apesar dos contratos oferecidos ao governo brasileiro, como o da Pfizer, terem cláusulas que previam o cancelamento da venda no caso da vacina não dar certo.

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