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ENFOQUE-Bolsonaro abre crise ao criticar isolamento e põe em risco estratégia contra epidemia

25 mar 2020 - 19h19
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Um pronunciamento de 5 minutos em rede nacional, preparado sem o conhecimento de seus ministros mais próximos e do responsável pela Saúde no país, abriu o que pode ser a mais grave crise do governo Jair Bolsonaro até agora, com rejeição aberta de governadores e críticas duras da maior parte da sociedade sobre sua condução do combate ao coronavírus.

Imagem contra presidente Jair Bolsonaro é projetada em prédio de São Paulo durante pronunciamento em rede nacional
24/03/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Imagem contra presidente Jair Bolsonaro é projetada em prédio de São Paulo durante pronunciamento em rede nacional 24/03/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Ao desautorizar em rede nacional, na quarta-feira, as recomendações do Ministério da Saúde por isolamento e criticar as ações dos governadores, Bolsonaro abriu espaço para especulações de que seu ministro da Saúde, Henrique Mandetta, elogiado pela condução da crise até aqui, pudesse pedir demissão.

De acordo com fontes ouvidas pela Reuters, Mandetta não pretende entregar o cargo e reforçou a auxiliares que tudo segue como está, mas decidiu que só ele falará sobre questões políticas dentro do ministério.

"Ele não pede demissão e não vai ceder. Continua sustentando que é grave, que é para proteção, e que não é momento de aglomerações", disse uma fonte que tem proximidade com o ministro.

Na primeira entrevista sobre o panorama da epidemia depois do pronunciamento de Bolsonaro, Mandetta deixou claro que não tem planos de deixar o cargo.

"Eu saio daqui na hora que acharem que não devo trabalhar, que o presidente, que me pôs aqui, achar, ou se eu estiver doente ou no momento que achar que não possa ser mais útil. Nesse momento vou trabalhar o máximo, vamos trabalhar com critério técnico", disse.

Nos últimos dias, Bolsonaro já mostrava incômodo com a preponderância do seu ministro da Saúde e chegou a pedir elogios a ele próprio por ter escolhido bem seu time. Ao mesmo tempo, também se irritava com o apoio implícito de Mandetta às medidas tomadas por governadores de fechar o comércio e outras ações de isolamento social.

Bolsonaro negou atritos com o ministro, mas repetidamente discordou publicamente de determinações do Ministério da Saúde, desde sua própria participação na manifestação do dia 15 de março, até o anúncio do uso do remédio hidroxicloroquina --apesar do alerta do ministério que havia apenas estudos para pacientes graves--, passando pela resistência ao isolamento social.

Mandetta, como os demais ministros do governo, foi pego de surpresa pelo pronunciamento de Bolsonaro. O presidente planejou e escreveu o texto apenas com os filhos e os auxiliares do chamado "gabinete do ódio" -- grupo de assessores ligados a seus filhos que controla as redes sociais do presidente.

"Nem mesmo a Secretaria de Comunicação sabia. Ninguém aqui viu esse pronunciamento antes, todo mundo foi pego de surpresa", disse uma fonte palaciana.

Bolsonaro convocou tarde a rede nacional de televisão. Eram quase 18h quando entrou o aviso para as tevês, que precisam ser comunicadas sobre as redes. Pouco antes, a equipe da TV Brasil foi chamada de última hora para a gravação.

"Eu fiz sozinho. Vocês inventaram que o 'gabinete do ódio' fez o discurso. Eu que fiz o discurso. Eu que escrevi o discurso. Eu sou responsável pelos meus atos", disse Bolsonaro na manhã desta quarta-feira ao deixar o Palácio da Alvorada.

Recebido com panelaços nas principais cidades do país, Bolsonaro voltou a chamar no pronunciamento o coronavírus de "gripezinha", disse que com seu "histórico de atleta" não teria nada se contaminado, pediu o fim do isolamento, acusou governadores e meios de comunicação de causarem "histeria" e, de um modo geral, chocou o país.

Reações imediatas vieram do Congresso, de governadores, prefeitos, órgãos de saúde, advogados. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, rompeu com o presidente. Os governadores do Nordeste divulgaram nota reafirmando que manterão suas medidas, assim como os governadores de São Paulo, João Doria --que bateu boca com Bolsonaro em videoconferência nesta quarta-feira com governadores do Sudeste-- e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

Em sua primeira fala depois do pronunciamento de Bolsonaro, Mandetta tentou racionalizar o pronunciamento do presidente.

"Se estamos apenas iniciando a curva, temos que ter calma, porque a quarentena é um remédio extremamente amargo", afirmou. "Nós saímos no início dos números para um efeito em cascata, praticamente um ´lockdown´ como se estivéssemos em plena epidemia."

Ao contrário do presidente, Mandetta não criticou os governadores, mas disse que iria trabalhar com os Estados para que se faça uma proposta nacional e em conjunto, e chamou as quarentenas de precipitadas.

"Tem que arrumar esse negócio de quarentena, foi desarrumado, foi cedo, foi precipitado. Ficou uma sensação de 'entramos, e agora como sai dela?'", disse.

Apesar da posição do ministro, governadores que se reuniram em videoconferência nesta tarde para tratar do coronavírus, em resposta ao posicionamento de Bolsonaro, decidiram manter suas medidas de isolamento como forma de combater a disseminação do coronavírus.

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