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Embaixada em Jerusalém: o que o Brasil pode ganhar e perder se aproximando de Israel

Após posse, Bolsonaro confirmou que quer transferir Embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos dos EUA; decisão pode abrir espaço para parcerias com Israel, mas também a retrocessos nas relações com países árabes; saiba o que está em jogo.

11 jan 2019 - 06h51
(atualizado às 08h22)
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Logo após tomar posse como presidente da República, Jair Bolsonaro confirmou que pretende transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos do presidente americano Donald Trump
Logo após tomar posse como presidente da República, Jair Bolsonaro confirmou que pretende transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos do presidente americano Donald Trump
Foto: Agência Brasil/Fernando Frazão / BBC News Brasil

Em termos de geopolítica, a aproximação do Brasil com Israel no governo Jair Bolsonaro tem sido vista como um sinal de alinhamento com os Estados Unidos de Donald Trump. Em matéria de apoio interno, atende ao pleito de grupos evangélicos que se baseiam em intepretações bíblicas para defender que Jerusalém deve ser "protegida" e habitada pelos judeus.

Mas o que o Brasil pode ganhar ou perder com a intenção de Bolsonaro de seguir os passos de Trump e transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém? Na economia, que setores produtivos podem se prejudicar ou ganhar espaço? E o que muda para o Brasil como ator no cenário internacional?

A BBC News Brasil fez um raio-X do comércio exterior brasileiro com Israel e países de maioria muçulmana. Em termos econômicos, o peso das transações com países árabes é muito maior que o comércio com Israel.

Para determinados setores, como de produção de açúcar, carne de boi e de frango e milho, o comércio com nações islâmicas é crucial e há um temor de que a aproximação do Brasil com Israel gere retaliações do mundo árabe.

A forte guinada diplomática rumo anunciada por Bolsonaro pode ampliar parcerias com o governo israelense, mas também retrocessos nas relações com países árabes, segundo analistas e o setor produtivo brasileiro
A forte guinada diplomática rumo anunciada por Bolsonaro pode ampliar parcerias com o governo israelense, mas também retrocessos nas relações com países árabes, segundo analistas e o setor produtivo brasileiro
Foto: LEO CORREA/AFP / BBC News Brasil

Por outro lado, Israel é um polo tecnológico e o Brasil poderia, potencialmente, se beneficiar com parcerias que incluam transferência de conhecimento científico. Irrigação para o setor agrícola, dessalinização de água em áreas de seca e segurança cibernética para uso no combate ao crime organizado estão na mira do governo brasileiro.

Mas a guinada diplomática na presidência de Bolsonaro não tem efeitos apenas na economia. Impacta, também, a forma como o Brasil é visto internacionalmente e, por consequência, as alianças políticas que conseguirá costurar em organismos internacionais, como na Organização Mundial do Comércio (OMC) e nas Nações Unidas (ONU). Atualmente, é com países árabes que o Brasil tem contado em votações internacionais importantes.

"Em todos os foros multilaterais, sempre que o Brasil precisa formar maioria, seja na OMC ou na ONU, ele negocia essa maioria com países da América Latina, que são 30 votos, com os da África, que são 50 votos e com os países do Oriente Médio, que são dezenas e dezenas de votos", explica o professor de Relações Exteriores da Fundação Getúlio Vargas Matias Spektor, que já foi pesquisador do Woodrow Wilson Centre, em Washington (EUA), e da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

"A forte aproximação com Israel tem impacto econômico, mas também um custo político-diplomático."

Qual o peso de Israel e de países árabes no comércio brasileiro?

Países árabes e o Irã respondem por quase 6% de todas as exportações brasileiras e cerca de 10% das exportações do setor agropecuário do Brasil. E a tendência, até pouco tempo, era de crescimento.

Em 2018, as trocas entre o Brasil e países de maioria islâmica somaram US$ 22,9 bilhões, segundo dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (MDIC). A balança é favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões. Ou seja, exportamos mais do que importamos.

Mas é olhando para setores específicos, principalmente a agropecuária, que o peso das relações comerciais com nações muçulmanas fica mais claro: elas recebem cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar (somados o refinado e o bruto), 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango e 27% da carne de boi, conforme dados levantados pela BBC News Brasil junto ao MDIC.

Produtos

Total das exportações aos países árabes e Irã em 2018

Participação no total das exp. brasileiras

Açucar de cana em bruto

US$ 2,5 bilhões

46%

Açucar de cana refinado

US$ 327 milhões

32%

Milho em grãos

US$ 1,8 bilhões

46%

Carne de frango

US$ 2,2 bilhões

37%

Carne de boi

US$ 1,5 bilhões

27%

Minério de ferro

US$ 1,6 bilhões

8%

Fonte: Ministério da Indústria e Comércio ExteriorPaíses analisados: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibouti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Palestina, Síria (suspenso), Omã, Somália, Sudão, Tunísia e o Irã

"O Oriente Médio representava 5% das exportações do setor agropecuário brasileiro e hoje representa 10% das exportações. Ou seja, dobrou desde o ano 2000", ressalta Marcos Jank, presidente da Asia-Brasil Agro Alliance, entidade que reúne alguns dos maiores exportadores agropecuários brasileiros.

Já o comércio com Israel representa bem menos de 1% do comércio exterior brasileiro. E o Brasil compra mais do que vende. A balança comercial com Israel em 2018 fechou em déficit de US$ 847,8 milhões.

"O mercado árabe é muito mais importante economicamente para o Brasil. Do ponto de vista puramente econômico, estamos beneficiando um país que importa pouco em detrimento de um grupo de países que importa muito", disse à BBC News Brasil o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

O presidente da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria, Jayme Blay, discorda. Ele argumenta que, embora em termos de volume o comércio entre os dois países seja inferior ao dos países árabes, tecnologias importadas de Israel tiveram impacto importante em setores da agricultura.

Na visão de Blay, um incremento da parceria poderá aumentar e diversificar a produção brasileira.

"O Brasil não produzia melão comercialmente até a década de 60. Com uso de tecnologia israelense, passou a produzir a fruta no Vale do São Francisco. Hoje, é o segundo maior exportador de melão do mundo", exemplificou.

Retaliações

O mundo árabe responde por 27% das exportações brasileiras de carne bovina. Setor exportador teme retaliações diante de aproximação com Israel
O mundo árabe responde por 27% das exportações brasileiras de carne bovina. Setor exportador teme retaliações diante de aproximação com Israel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Desde que Bolsonaro anunciou que seguiria os passos de Trump e transferiria a Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, países árabes passaram a dar sinais de que retaliariam o Brasil comercialmente.

Isso porque a ocupação de Jerusalém é um dos pontos mais sensíveis no conflito árabe-israelense. O território é considerado sagrado tanto para a religião judaica quanto islâmica.

Israel considera Jerusalém sua capital eterna e indivisível. Mas os palestinos reivindicam parte da cidade (Jerusalém Oriental) como capital de seu futuro Estado. A posição da maior parte da comunidade internacional, inclusive da União Europeia e das Nações Unidas, é a de que o status de Jerusalém deve ser decidido em negociações de paz. Por isso, os países mantêm suas embaixadas em Tel Aviv, a capital comercial de Israel.

Marcos Jank, que representa setores exportadores de frango e açúcar na Ásia, afirmou à BBC News Brasil que, após o anúncio de Bolsonaro, recebeu "recados" de importadores de países de maioria muçulmana, como Malásia e Indonésia, além de alertas das embaixadas brasileiras no Oriente Médio sobre possíveis cortes nas importações de produtos do Brasil.

"Dependemos muito da exportação para países em desenvolvimento. Em 2000, 60% do que o Brasil exportava ia para Europa e Estados Unidos. Hoje, 70% vai para países em desenvolvimento. E as regiões mais dinâmicas têm sido Ásia e Oriente Médio", destaca.

"Por isso, o agronegócio ficou tão preocupado. Eu estou em Cingapura e tenho recebido recados diretos (de potencial retaliação), por e-mail e telefonema, além de feedback de embaixadas."

Segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o setor produtivo que seria mais afetado por uma potencial retaliação seria o de frango, seguido pelo de carne e o de açúcar.

Setores que mais sofreriam com redução de exportações a países árabes são açucar, carne e frango, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil
Setores que mais sofreriam com redução de exportações a países árabes são açucar, carne e frango, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mesmo assim, Castro avalia que dificilmente os países árabes conseguiriam, no curto prazo, substituir amplamente as importações brasileiras, já que há poucos países capazes de exportar na mesma quantidade e custo que o Brasil. Além disso, as alternativas existentes para as nações islâmicas também esbarram em conflitos geopolíticos.

O Brasil é o maior exportador de carne halal, que segue as regras de abate do Islã. Se quisesse substituir a carne brasileira, o mundo árabe precisaria recorrer aos segundo e terceiro maiores exportadores: Estados Unidos e Austrália.

A questão é que os Estados Unidos, sob o governo Trump, foram os primeiros a transferir a embaixada para Jerusalém. E, em dezembro, a Austrália reconheceu oficialmente Jerusalém como capital de Israel, embora não tenha transferido sua embaixada para lá.

No caso do frango, Castro afirma que a União Europeia poderia, em médio prazo, tentar ocupar o vácuo deixado pelo Brasil. Ainda assim, seria custoso para os países árabes, já que o frango brasileiro é mais barato.

Quanto ao açúcar, produtores temem perdas a médio e longo prazo, mas também não acreditam que seja possível uma substituição completa do produto brasileiro.

"Não vejo, no curto prazo, um substituto imediato para o açúcar brasileiro. De uma forma estrutural, o Brasil responde por 50% do comércio mundial de açúcar", ressalta Paulo Roberto de Souza, coordenador de competividade internacional da maior associação de usineiros do Brasil, a União da Indústria da Cana de Açucar (Unica).

Ele afirma, porém, que a médio prazo, Tailândia, Índia e União Europeia podem se movimentar para substituir parte do que hoje é exportado pelo Brasil aos países árabes.

"O relacionamento nosso com os países árabes é intenso e de longa data, então qualquer coisa que venha a criar ruídos ou tensão obviamente que preocupa", diz Souza, que foi presidente da Copersucar, maior cooperativa brasileira de açúcar e etanol.

Transferêncoa de tecnologia e cooperação com os EUA

Decisão de mudar embaixada brasileira para Jerusalém é vista como gesto de aproximação com Trump. Brasil esperaria, em troca, acesso a mercados americanos e acordos na área de segurança
Decisão de mudar embaixada brasileira para Jerusalém é vista como gesto de aproximação com Trump. Brasil esperaria, em troca, acesso a mercados americanos e acordos na área de segurança
Foto: SAUL LOEB/AFP / BBC News Brasil

Analistas afirmam que, apesar do risco de perdas econômicas, principalmente no setor agropecuário, a aproximação com Israel também pode trazer oportunidades.

Até porque, ao se juntar a Trump no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, o governo brasileiro dá sinais de aproximação com os Estados Unidos, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. E espera, obviamente, retornos do governo americano.

"O motivo dessa mudança (em relação a Israel) diz respeito à intenção do governo Bolsonaro de realinhar a política externa brasileira no sentido de criar aproximação com o presidente americano Donald Trump. Sempre que há uma mudança muito forte em relação ao passado há custos, mas também benefícios", diz Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da FGV.

"A expectativa do governo é que Trump faça concessões ao Brasil que incluem acesso ao mercado americano, investimentos americanos no Brasil, intercâmbio na área de segurança, venda de armamentos para o Brasil, cooperação na área de segurança cibernética e de controle de fronteiras."

Já a principal expectativa quanto a Israel envolve transferência de tecnologia. "O Brasil pode importar sistemas educacionais e tecnologia na área de medicina, telecomunicações, e tecnologia de informação, além de firmar parcerias para pesquisas sobre Parkinson, Alzheimer e câncer, que são áreas de destaque de Israel", defende o presidente da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria, Jayme Bray.

Mas o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, lembra que o próprio poder de compra de tecnologia, pelo Brasil, depende do setor de exportação, em especial do agronegócio, que responde por parcela importante das receitas brasileiras.

"O Brasil tradicionalmente nunca se envolveu politicamente (no conflito árabe-israelense) a ponto de ter impacto econômico. O comércio com os árabes na área de commodities é muito relevante, e o Brasil não deveria criar bases para que, amanhã, países árabes deixem de comprar."

Cooperação contra crime x ameaças extremistas

Uma aproximação com Israel que inclua a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém também parece ser uma "faca de dois gumes" na área de segurança. Por um lado, há uma expectativa por parte do governo de transferência de tecnologia israelense na área de defesa e, sobretudo, em segurança cibernética.

Por outro, há temor de que o Brasil venha a ser alvo de grupos radicais islâmicos, se tomar o partido de Israel no conflito com a Palestina.

"Quando surgiu essa ideia de que o Brasil poderia dar essa guinada diplomática, um dos alertas veio da missão das Nações Unidas no Líbano, da qual o Brasil faz parte. Integrantes da missão disseram que um dos riscos que o Brasil corre ao fazer isso (transferir a Embaixada para Jerusalém) é de ataques a soldados brasileiros ou de embaixadas do Brasil naquela região do mundo", afirma Matias Spektor, da FGV.

Mas a parceria com Israel parece atender às preocupações internas com segurança. O uso, por exemplo, de dados e imagens de satélites israelenses poderia ajudar no combate ao crime organizado - uma das prioridades do atual ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Na Olímpiada de 2016 no Rio de Janeiro, o satélite Eros-B, de Israel, com capacidade de mostrar objetos com menos de 70 centímetros sobre a superfície, foi usado para reforçar a segurança. Além disso, Israel doou tecnologia para a criação do Centro Integrado de Comando e Controle, usado para compartilhamento de informações de inteligência entre órgãos federais e estaduais durante os Jogos.

"O governo quer ampliar a cooperação com Israel, principalmente na área de ciência e tecnologia, com ênfase na segurança cibernética. Trata-se de fazer controle por satélites das fronteiras e ter tecnologia para interceptar comunicações de organizações criminosas", explica Spektor.

Jayme Blay confirma que o setor de segurança cibernética deve ter espaço prioritário nas novas relações entre Brasil e Israel. "Segurança foi sempre um item umbilicalmente ligado à vida nacional israelense e a cibernética é chave para a sobrevivência de Israel, por isso houve grande investimento em tecnologia nesse setor".

Apoio político em organismos internacionais

Se o governo Bolsonaro confirmar a forte guinada diplomática nas relações com Israel e o Oriente Médio, possivelmente haverá mudanças no xadrez de organismos internacionais, como a ONU e a OMC.

Nos últimos anos, o Brasil vinha se alinhando com países latino-americanos, africanos e árabes em votações multilaterais. Agora, poderá perder algumas dezenas de votos, por exemplo, em disputas comerciais.

"Existe um risco de isolamento do Brasil, já que existe um entendimento hoje, na comunidade internacional, de que a pior maneira de encaminhar o conflito árabe-Israel é você dar razão absoluta a um lado em detrimento do outro", afirma Matias Spektor.

O professor de Relações Internacionais destaca, no entanto, que o Brasil pode tentar se utilizar da proximidade maior com os Estados Unidos para concluir o processo de entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que reúne as maiores economias do mundo.

"Esse é um processo que depende fortemente do apoio cerrado dos norte-americanos", destaca Spektor.

Entre perdas e ganhos, analistas dizem que dois elementos cruciais permitiram que o Brasil mantivesse até hoje boas relações tanto com Israel quanto com países árabes: reputação e confiança. O desafio será alcançar um equilíbrio que não deteriore as parcerias firmadas com ambos os lados.

"A reputação de um país é como a reputação das pessoas. Ela leva muito tempo para ser construída e é muito facilmente destruída", define o professor de Relações Internacionais da FGV.

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