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Em dia de pronunciamento, Cunha anuncia ruptura com governo e pede que PMDB faça o mesmo

17 jul 2015 - 13h18
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"Formalmente, estou rompido com o governo. Politicamente, estou rompido." Assim, em coletiva de imprensa nesta sexta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou o término de sua relação com a administração de Dilma Rousseff (PT) - o PMDB é o principal partido da base petista.

Eduardo Cunha se dirigirá à nação em rede nacional às 20h25 desta sexta-feira.
Eduardo Cunha se dirigirá à nação em rede nacional às 20h25 desta sexta-feira.
Foto: Gustavo Lima

O deputado disse que espera que o vice-presidente - e também peemedebista - Michel Temer saia "imediatamente" da articulação política governista. "Vou pregar no meu partido para que a gente seja oposição", disse. Em nota, a Presidência do PMDB afirmou que as declarações de Cunha são a “expressão de uma posição pessoal” e que toda e qualquer decisão partidária só pode ser tomada após consulta às instâncias decisórias do partido”

O estopim para o desenlace foi a delação premiada do executivo Júlio Camargo, que disse nesta quinta-feira, em depoimento ao juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, que Cunha teria exigido propinas de US$ 5 milhões em contratos de navios-sonda da Petrobras. Segundo Camargo, ex-consultor da empresa Toyo Setal, Cunha também o teria ameaçado.

Na coletiva em que anunciou o rompimento com o PT, Eduardo Cunha se referiu ao delator como "pilantra" e "bandido". "Você acha que eu vou acreditar num pilantra que fala quatro vezes uma coisa e na quinta fala outra?", afirmou.

“A palavra do delator não é prova para nada”, disse Cunha, que informou "não respeitar nem desrespeitar" delações premiadas. "Desrespeito o conteúdo das delações sem provas", defendeu-se.

Também nesta quinta, à Justiça Federal no Paraná, o doleiro Alberto Youssef alegou ser vítima de intimidação por um deputado "pau mandado" de Cunha. Youssef não identificou o parlamentar.

Cunha reagiu às acusações e as atribuiu a um suposto "lobby" governista: "O governo não me engole, tem ódio, uma oposição pessoal contra mim. Tem um bando de aloprados no Palácio (do Planalto) que vive de criar constrangimento. Eles é que precisam ser investigados. (...) Eu prefiro que eles apresentem denúncia para que passe para a apreciação do Poder Judiciário" .

Em nota, divulgada logo após tomar conhecimento das acusações, Cunha afirmou que acha "muito estranho, às vésperas da eleição do procurador-geral da República e às vésperas de pronunciamento meu em rede nacional, que as ameaças ao delator tenham conseguido o efeito desejado pelo procurador-geral da República (Rodrigo Janot), ou seja, obrigar o delator a mentir."

Pouco depois da coletiva de Cunha nesta sexta-feira, o deputado Silvio Costa (PSC-PE), vice-líder do governo na Câmara, afirmou que irá avaliar um pedido de afastamento de Cunha da Presidência da Câmara.

"Eduardo Cunha não tem condições morais de continuar à frente da Presidência da Câmara. Vou me reunir com juristas para ver se cabe o pedido de impeachment do presidente Cunha. Todas as vezes que um ministro é acusado de qualquer coisa, a primeira providência do Parlamento é pedir o afastamento deste ministro. A minha primeira providência é pedir o afastamento temporário do Eduardo Cunha enquanto a operação Lava Jato não for concluída", disse Costa.

Pronunciamento

A entrevista coletiva foi realizada no mesmo dia em que o presidente da Câmara dos Deputados fará pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, e aumenta as expectativas a respeito do discurso de Cunha.

Pré-gravada, a fala de cinco minutos – que vai ao ar entre 20h25 e 20h30 – foi produzida com a ajuda de Paulo de Tarso, que trabalhou ao lado do marqueteiro da campanha presidencial do senador Aécio Neves (PSDB-MG) no ano passado.

Embora incomum, o expediente já foi usado no passado. Henrique Alves (PMDB-RN) e Marco Maia (PT-RS) fizeram o mesmo quando chefiaram a Câmara, em 2013 e 2011, respectivamente. A diferença é que ambos dirigiram-se à nação em datas próximas ao Natal, em clima de fim de ano e balanço protocolar.

No caso de Cunha, a fala virá no último dia antes do recesso parlamentar e traz consigo outro contexto.

Fontes ligadas ao peemedebista salientam que o objetivo do pronunciamento é apresentar um balanço semestral do Legislativo, mas analistas e parlamentares que se opõem a Cunha veem um potencial enfrentamento ao governo, uma possível "ação preventiva" frente às denúncias da Operação Lava Jato e uma estratégia de nacionalização de sua imagem.

A BBC Brasil ouviu fontes próximas ao presidente da Câmara, congressistas e cientistas políticos para explicar, em quatro pontos, por que o discurso de Cunha merece sua atenção.

1 – Denúncias da Operação Lava Jato

Para Ricardo Ismael, doutor em Ciência Política pelo Iuperj e professor da PUC-Rio, uma das intenções de Cunha com o pronunciamento é se fortalecer diante da possibilidade iminente de ser denunciado formalmente na Operação Lava Jato, na qual é alvo de investigações.

“É quase uma ação preventiva, e a data escolhida deixa isso claro. Crise aguda do governo, proximidade enorme de uma possível denúncia na Lava Jato. Com apoio da opinião pública e fortalecido entre seus aliados, ele aumenta as chances de permanecer na chefia da Câmara mesmo respondendo ao processo”, diz.

O temor de Cunha só deve aumentar após a delação de Júlio Camargo, executivo da Toyo Setal, ao juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato. Em depoimento na tarde de quinta-feira, Camargo disse que Cunha pediu propinas no valor de US$ 5 milhões para facilitar contratos de navios-sonda da Petrobras.

Mais cedo, fontes ligadas Cunha negaram que a data do pronunciamento fora escolhida pelos temores de desdobramentos da Lava Jato e sim por marcar o último dia de atividade antes do recesso parlamentar.

Cunha vem sistematicamente negando as acusações que o implicam na Operação Lava Jato e se mostra confiante de que poderá rebatê-las. Na quarta-feira, um dia após a Polícia Federal fazer buscas em casas de senadores, incluindo a do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL), ele foi irônico ao comentar a possibilidade de ser denunciado.

"Eu não sei o que eles querem comigo, mas a porta da minha casa está aberta. Vão a hora que quiser. Eu acordo às 6h. Que não cheguem antes das 6h para não me acordar”, disse ao jornal .

2 – Balanço de um período produtivo (e polêmico) na Câmara

Para fontes próximas a Cunha, o objetivo do pronunciamento nada mais é do que um balanço deste primeiro semestre em que o peemedebista esteve à frente da Câmara.

Entre os destaques devem figurar o ritmo de trabalho do Congresso, o alto número de votações e a aprovação de matérias de ampla repercussão, como a redução da maioridade penal e a reforma política, que mobilizaram governo, parlamentares e a opinião pública.

Segundo essas mesmas fontes, Cunha deve salientar a Câmara Itinerante, projeto de giro por Assembleias Legislativas e organizações estaduais lançado por ele em março. Deve dizer que o Congresso vive hoje seu momento mais produtivo, independente e atuante desde a redemocratização.

Tal avaliação positiva destes primeiros seis meses legislativos, no entanto, não é unânime.

Entre os parlamentares há críticas ao ritmo acelerado de votações e a ingerências em comissões especiais, além de condenações a decisões específicas, como a de colocar em segunda votação matérias rejeitadas após menos de 24 horas, como no caso da maioridade penal.

"Muitos parlamentares acham que trata-se da imposição de uma dinâmica fabril. Não se mede a eficiência de um Parlamento em números e estatísticas de produtividade, mas no impacto das matérias sobre a sociedade. Não podemos ser uma fábrica de leis", disse a deputada Margarida Salomão (PT-MG).

Para o deputado Henrique Fontana (PT-RS), vice-líder do partido na Câmara, o primeiro semestre no Legislativo não passou de um "surto", que tem gerado "votações ilegais".

"Acho que a gestão dele é muito ruim para o país, e em muitos momentos tem colocado em risco a normalidade democrática, pois ele acha que está imbuído de um poder controlador, e usa o cargo para intimidar e retaliar", avalia.

3 – Pretensões políticas

Após a cúpula do PMDB ter manifestado nesta semana intenção de ter candidato próprio ao Planalto em 2018, aumentaram as especulações sobre potenciais nomes para encabeçar a chapa, e sobre potenciais pretensões de Eduardo Cunha ao Planalto.

Para Ricardo Ismael, da PUC-Rio, o pronunciamento de Cunha em rede nacional traz "intenção clara de aumentar sua projeção nacional", independentemente de planos políticos específicos, como a presidência do PMDB, o governo do Rio de Janeiro ou o Planalto.

O sociólogo Antonio Lavareda, especialista em marketing político ligado à UFPE e à FGV, avalia que o projeto Câmara Itinerante e o pronunciamento de sexta evidenciam uma estratégia de nacionalização de imagem característica de um político com ambições no plano federal.

"Embora em algumas dessas viagens pelo país ele também seja alvo de protestos, vai ficando cada vez mais conhecido em todo o Brasil. Do ponto de vista eleitoral, um bom pronunciamento, de cinco minutos, bem construído por um marqueteiro, poderia elevar de quatro a cinco pontos percentuais as intenções de voto de um candidato. É uma oportunidade e tanto", avalia.

4 – Crise do governo Dilma

O pronunciamento de Cunha chega num dos momentos mais críticos para a gestão Dilma, que enfrenta baixos índices de popularidade, crise econômica e a aproximação do julgamento do TCU a respeito das contas do governo de 2014, que incluem as chamadas "pedaladas fiscais". A análise da contas está prevista para o mês que vem.

Principal alvo de controvérsias, as "pedaladas fiscais" são manobras contábeis que envolveriam o uso de recursos de bancos estatais para maquiar o orçamento federal. Por determinação dos ministros do TCU, Dilma terá que prestar esclarecimentos pessoalmente, por ofício, justificando as decisões.

Para fontes ligadas a Eduardo Cunha, não houve coincidência proposital de datas, mas analistas acreditam que foi mais um fator por trás da realização do pronunciamento.

O próprio Cunha não faz questão de esconder o papel decisivo que a Câmara terá ao julgar as explicações que Dilma deve submeter ao TCU. Segundo ele, o tribunal dará seu parecer, mas a decisão final caberá ao Congresso.

“O TCU dá parecer pela aprovação ou rejeição, e o Congresso rejeita ou não. O TCU pode dar parecer pela aprovação e o Congresso rejeitar, e vice-versa. Há um componente político na decisão final. A decisão final é política", disse em café da manhã com jornalistas na quinta-feira.

Analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que o episódio tende a ser explorado por Cunha na queda de braço que vem travando com o Executivo.

“No duelo entre Cunha e o governo, que se encontra cada vez mais fragilizado, com essa fala em rede nacional ele faz uma ‘fuga para a frente’, tomando vantagem na disputa e tentando garantir legitimidade”, diz Claudio Couto, professor de Ciências Políticas da FGV.

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