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'Dois seguranças batendo num homem negro com covardia. Não tem justificativa', diz amigo de homem morto no Carrefour

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi morto por dois seguranças em uma unidade do supermercado em Porto Alegre na quinta (19/11). Em nota, o Carrefour diz lamentar o caso e que tomará medidas para responsabilizar os envolvidos.

20 nov 2020 - 12h49
(atualizado em 23/11/2020 às 07h38)
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Conhecido como Beto, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado por dois seguranças em Porto Alegre
Conhecido como Beto, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado por dois seguranças em Porto Alegre
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

O homem que foi espancado e morto por seguranças em um supermercado Carrefour, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, tinha "postura de durão, mas coração mole" e era "brincalhão e malandro", segundo seus amigos.

João Alberto, conhecido pelos amigos como Beto e Nego Beto, um homem negro, foi morto por seguranças após ser surrado e imobilizado no supermercado na zona norte de Porto Alegre. A morte aconteceu às vésperas do Dia da Consciência Negra, celebrado na sexta-feira, 20 de novembro, data atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.

O segurança e o PM temporário envolvidos no caso foram presos, suspeitos de homicídio doloso. Amigos, familiares e integrantes do movimento negro estão organizando um protesto em frente ao supermercado nesta tarde, às 18h. Estão revoltados.

"Dois seguranças batendo num homem negro com covardia. Não tem justificativa", diz o amigo Márcio Cardoso, de 29 anos.

O espancamento e a morte foram gravados, e vídeos estão circulando nas redes sociais. A morte tem sido comparada à de George Floyd, que morreu neste ano ao ser sufocado por policiais nos Estados Unidos, e cuja morte provocou uma onda de protestos no país.

Em nota, o Carrefour chamou a morte de "brutal" e afirmou que tomará medidas para "responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso" (leia íntegra no final). "O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna e, imediatamente, tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente."

'Cara difícil' e 'carinhoso'

Freitas vivia de bicos, segundo os amigos. Já tinha trabalhado como motoboy, em empresa de transportadora, e passado por vários trabalhos.

"Era trabalhador, honesto. É o que mais deixa a gente revoltado", diz Cardoso.

Para ele, o amigo era "um cara sério, com postura de durão, mas com coração mole". "Tinha uma postura de escudo, forte, mas quem conhece, quem andou com ele, sabe que ele tinha coração mole, era um cara carinhoso."

A amizade dos dois se formou na arquibancada do Clube São José, da zona norte de Porto Alegre, de quem os dois eram torcedores.

"A gente se encontrava sempre por ali, sempre animados", conta ele. "O Beto era bem conhecido no bairro, no Iapi, bem da rapaziada mesmo. A gente gostava de tomar uma cervejinha junto depois do jogo. Fui pego de surpresa."

Imagem de agressão no Carrefour, com três funcionários ao redor de homem; caso está sendo comparado com o de George Floyd, sufocado por policiais nos EUA
Imagem de agressão no Carrefour, com três funcionários ao redor de homem; caso está sendo comparado com o de George Floyd, sufocado por policiais nos EUA
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Os amigos sempre frequentavam aquela mesma unidade do supermercado Carrefour, que fica próxima ao estádio Passo d'Areia, sede do clube para que torciam (a distância é de 1km, 13 minutos caminhando). Além disso, diz ele, Freitas com frequência fazia compras no supermercado com a família porque morava ao lado.

"Várias vezes já estive com ele ali, e a gente já sabe como é o tratamento. Eu, branco, não sinto o mesmo tratamento quando entro ali sozinho. E sempre que eu estava acompanhando amigos negros era esse tipo de olhar, parece que quer correr a gente dali", diz Cardoso.

"Estou muito abalado. Não tinha nada no corpo dele de mercadoria e, mesmo se tivesse, não justificaria."

Freitas era um "cara difícil, brigão, que incomodava um pouco", diz André Gomes, um amigo de infância, "mas não existe motivo para fazer o que foi feito".

"Não sei o que aconteceu no Carrefour pra chegar a essa ponto. Se ele já estava dominado, não existe qualquer motivo para tratá-lo dessa forma."

Os dois se conheciam do Batuque, religião afrobrasileira a que eram devotos, desde pequenos, com suas famílias. "Tínhamos a mesma mãe de santo durante muitos anos, éramos da mesma casa de religião. Passamos a nossa infância andando juntos, brincando." Ali, Freitas tornou-se tamboreiro.

"Ele sempre foi muito brincalhão, muito esperto, malandro", diz o amigo. Separados ultimamente por causa da pandemia de coronavírus, os dois costumavam se encontrar de vez em quando para tomar uma cerveja juntos.

"A gente ria, lembrava das coisas que a gente fazia quando era criança", lamenta o amigo.

Espancamento

Nos vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver Freitas sendo espancado no rosto por um homem diversas vezes, enquanto outro tenta segurá-lo. Uma mulher fica ao lado deles, e parece estar gravando a cena. Funcionários do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) foram até o local e fizeram massagem cardíaca, mas ele não resistiu.

A agressão teria acontecido depois que Freitas fez um gesto interpretado pela caixa do supermercado como uma tentativa de agressão, segundo o site GaúchaZH. Ela chamou seguranças (um segurança de uma empresa terceirizada e um PM temporário que, segundo informações preliminares, estava trabalhando no local) que levaram Freitas para o estacionamento, onde foi espancado até a morte.

A Brigada Militar, como é chamada a Polícia Militar do Rio Grande do Sul, afirmou em nota que prendeu todos os envolvidos no supermercado, "inclusive o PM temporário, cuja conduta fora do horário de trabalho será avaliada com todos os rigores da lei" (leia íntegra no final). Afirmou ainda que o PM não estava em serviço policial.

Nota do Carrefour

"O Carrefour informa que adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso. Também romperá o contrato com a empresa que responde pelos seguranças que cometeram a agressão. O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada. Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário.

O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna e, imediatamente, tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente.

Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais."

Nota da Brigada Militar

Imediatamente após ter sido acionada para atendimento de ocorrência em supermercado da Capital, a Brigada Militar foi ao local e prendeu todos os envolvidos, inclusive o PM temporário, cuja conduta fora do horário de trabalho será avaliada com todos os rigores da lei.

Cabe destacar ainda que o PM Temporário não estava em serviço policial, uma vez que suas atribuições são restritas, conforme a legislação, à execução de serviços internos, atividades administrativas e videomonitoramento, e, ainda, mediante convênio ou instrumento congênere, guarda externa de estabelecimentos penais e de prédios públicos.

A Brigada Militar, como instituição dedicada à proteção e à segurança de toda a sociedade, reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos e garantias fundamentais, e seu total repúdio a quaisquer atos de violência, discriminação e racismo, intoleráveis e incompatíveis com a doutrina, missão e valores que a Instituição pratica e exige de seus profissionais em tempo integral.

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