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Depois de varíola e malária, indígenas temem avanço do coronavírus no Brasil

25 mar 2020 - 11h57
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Quando os europeus chegaram à floresta amazônica, a varíola que trouxeram consigo dizimou povos locais. Depois, os seringueiros, garimpeiros e madeireiros levaram malária, sarampo e gripe.

Indígena toma banho no rio Xingu, no Mato Grosso
16/01/2020
REUTERS/Ricardo Moraes
Indígena toma banho no rio Xingu, no Mato Grosso 16/01/2020 REUTERS/Ricardo Moraes
Foto: Reuters

Agora, muitos dos 850 mil indígenas brasileiros, temerosos diante da pandemia de coronavírus, pedem que as autoridades expulsem de suas terras os invasores que poderiam levar a doença.

"Pedimos a retirada imediata de todos os invasores das terras indígenas e dos territórios para impedir o avanço da vírus: os garimpeiros, madeireiros, caçadores, narcotraficantes, grileiros, missionários e turistas que são vetores de transmissão", disse Nara Baré, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Na extremidade do Rio Negro, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, comunidades indígenas fecharam pistas de pouso e cortaram o acesso às suas reservas para todas as pessoas não nativas que chegam de barco de Manaus.

Especialistas em saúde e grupos indígenas estão pedindo especialmente a expulsão de cerca de 20 mil garimpeiros ilegais da reserva ianomâmi, a maior do país e localizada na divisa com a Venezuela, onde comunidades vêm sendo vitimadas pela malária levada pelos invasores.

A nova ameaça viral coincide com o momento em que o presidente Jair Bolsonaro promete desenvolver economicamente a Amazônia e rever as reservas onde vivem mais de 300 povos.

Reagindo a apelos de líderes indígenas, grupos de direitos humanos e procuradores federais, a Fundação Nacional do Índio (Funai) suspendeu na segunda-feira todos os contatos com as comunidades mais isoladas do Brasil.

Até agora, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) só relatou quatro casos suspeitos de coronavírus em aldeias, uma delas na Amazônia.

Mas muitos povos estão receosos, lembrando de epidemias que assolaram populações nativas no passado recente. O sarampo matou milhares de indígenas brasileiros no século passado, e a gripe fez muitos estragos quando o regime militar decidiu abrir estradas na floresta amazônica nos anos 1970.

O acesso ao atendimento médico continua sendo um desafio para povos remotos da Amazônia, que muitas vezes precisam viajar dias através do rio para ver um médico.

O estilo de vida comunitária em ocas de palha nas aldeias também aumenta o risco de contágio se um único membro contrair o novo coronavírus.

"Fazer isolamento nas aldeias é um desafio muito grande. Elas têm uma vida comunitária em casas grandes que são habitadas por muitas pessoas", afirmo Douglas Rodrigues, um médico com 30 anos de experiência em saúde indígena no Xingu e outras terras.

"Seus hábitos são diferentes. Comem com as mãos, compartilham muitos objetos: formas de transmissão que têm papel significativo na propagação do vírus nesta pandemia", acrescentou Rodrigues.

Os povos indígenas nem sempre têm o sabão necessário para lavar as mãos e combater o vírus, disse ele.

A epidemia de H1N1 em 2016 matou centenas de índios, na maioria do povo Guarani, na região sul do país.

Especialistas da saúde temem que o novo coronavírus se prolifere ainda mais rápido entre comunidades cujos sistemas imunológicos já estão enfraquecidos por subnutrição, hepatite B, tuberculose e diabetes.

Embora o acesso a serviços médicos seja mais fácil no sul do Brasil, membros de comunidades indígenas estão mais expostos ao vírus na região, já que são integrados à sociedade, trabalhando no setor de construção civil ou como empregados domésticos para se sustentar, pois não podem mais plantar seus alimentos ou caçar próximo a centros urbanos.

Um perigo potencial é a transmissão do vírus pelos indígenas que retornam às aldeias na Amazônia para se refugiar, sem saber se estão infectados ou não, segundo Andrey Moreira, médico e especialista em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Nara, da etnia Baré no Alto Rio Negro, disse que a Sesai tem profissionais bem intencionados, mas faltam recursos, e não há como realizar testes para a Covid-19. Segundo ela, os planos nacionais para combater o vírus não mencionam os povos indígenas.

"Não vejo nenhum tipo de preparo. É como se não existíssemos, e nós sempre estivemos aqui."

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