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Decisão do STF pode anular condenações da Lava Jato, mas ministros ainda discutem limitar impacto

Retomada do julgamento, inicialmente prevista pata esta quinta, foi adiada.

26 set 2019 - 21h18
(atualizado em 7/10/2019 às 11h36)
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Julgamento no STF de pauta relacionada à Lava Jato teve sessões de discussões calorosas e longas
Julgamento no STF de pauta relacionada à Lava Jato teve sessões de discussões calorosas e longas
Foto: Nelson Jr./SCO/STF / BBC News Brasil

* Essa matéria foi atualizada às 11h50 de 3 de outubro

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, por 7 votos a 4, que réus delatados devem se manifestar por último no processo penal. No entanto, os ministros ainda vão definir qual será o alcance desse entendimento no sentido de anular condenações penais, dentro e fora da Operação Lava Jato, em que não houve diferença de prazo para apresentação de alegações finais de réus delatados e delatores.

A retomada do julgamento estava prevista para esta quina, mas foi adiada porque nem todos os ministros poderão comparecer na sessão de hoje. A assessoria de imprensa do STF não soube informar quem estará ausente. Ainda não há nova previsão de data.

Segundo levantamento do jornal O Globo, há 150 condenados dentro da Operação Lava Jato em cujos processos não houve tempo diferenciado para manifestação de réus delatados e réus colaboradores.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sugeriu na sessão desta quarta-feira que a Corte só preveja a anulação de sentença nos casos em que a defesa do delatado solicitou ainda na fase de alegações finais um prazo maior e teve o pedido negado.

No entanto, alguns ministros mostraram resistência à proposta, como Ricardo Lewandowski. Ele argumentou que isso significaria desrespeitar o artigo 580 do Código de Processo Penal, que prevê que réus em situação idêntica não podem receber tratamento diferenciado da Justiça.

Dessa forma, na sua avaliação, todos os réus delatados que não tiveram prazo superior ao de delatores para se manifestar devem ter sua condenação anulada.

Na prática, isso faria retroceder as condenações à etapa de alegações finais, mas não significaria uma completa anulação da operação, já que o julgamento do STF preserva a legalidade das provas produzidas na instrução dos processos.

Ainda assim, a decisão tem sido vista dentro do Ministério Público Federal e por parte da população brasileira como uma ataque à Lava Jato.

"Essa corte defende o combate à corrupção, mantém as decisões tomadas que foram feitas dentro dos princípios constitucionais, dos direitos e garantias individuais, e das normas legais, mas repudia os abusos e excessos e tentativas de criação de poderes paralelos e instituições paralelas", disse Toffoli no início do julgamento, em reação às críticas.

Na sessão desta quarta, os ministros se alongaram nos debates apenas para decidir se deveriam ou não estabelecer uma tese que oriente com mais clareza a aplicação da decisão do STF pelo Judiciário brasileiro. Embora a maioria tenha decidido que deve ser estabelecida uma tese orientadora, não está claro se a sugestão de Toffoli será acatada pela maioria, ou se os ministros decidirão que todas as sentenças em que não houve prazo diferenciado devem ser anuladas.

A discussão deu tantas voltas que, ao ser chamado por Toffoli a votar, o ministro Marco Aurélio questionou: "Presidente, o que estamos a julgar?".

Lula deve ser beneficiado, mas não deve ser solto

Manifestante em frente ao STF pede libertação de Lula da prisão; decisão do STF não deve colocar o ex-presidente em liberdade porque não houve participação de delatores na sua condenação no caso do Tríplex do Guarujá
Manifestante em frente ao STF pede libertação de Lula da prisão; decisão do STF não deve colocar o ex-presidente em liberdade porque não houve participação de delatores na sua condenação no caso do Tríplex do Guarujá
Foto: REUTERS/Adriano Machado / BBC News Brasil

Independentemente do que vier a ser resolvido, a decisão não deve colocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em liberdade porque não houve participação de delatores na sua condenação no caso do Tríplex do Guarujá. É por causa desse processo, cuja sentença do ex-juiz Sergio Moro foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que o petista está preso há mais de um ano em Curitiba.

Já no caso do Sítio de Atibaia, em que Lula foi condenado em primeira instância e aguarda julgamento do TRF-4, houve atuação de delatores, o que pode levar a condenação a ser anulada.

No entanto, a Segunda Turma deve analisar um recurso mais amplo do petista até novembro, que tem potencial de anular todos os processos contra ele originados na 13ª Vara de Curitiba, caso os ministros entendam que Moro agiu com parcialidade ao conduzir os processos de Lula. Se esse pedido for acolhido, o ex-presidente será posto em liberdade e terá seus direitos políticos restabelecidos. Vão analisar o recurso Fachin, Cármen Lúcia, Lewandowski, Mendes e Celso de Mello.

Em geral, são as turmas que julgam casos criminais. Isso foi implementado após o julgamento do escândalo do Mensalão, com objetivo de desafogar o plenário do STF. Porém, alguns casos criminais de maior relevância envolvendo questões constitucionais podem ser remetidos ao plenário.

Placar e argumentos dos ministros

Votaram no sentido de que delatados devem ter prazo superior ao de réus colaboradores para apresentar as alegações finais no processo os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Na visão deles, a diferença de prazo é necessária para garantir o amplo direito à defesa dos réus delatados.

Assim como Toffoli, Cármen Lúcia e Moraes já externaram sua avaliação de que apenas devem ser anuladas as condenações no caso em que a defesa do réu tiver solicitado prazo diferenciado quando o processo ainda estava na primeira instância.

Já os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso,Luiz Fux e Marco Aurélio consideraram que não há necessidade de prazo diferenciado porque as alegações finais não são um estágio do processo de "inovação probatória", em que se trazem fatos novos ao caso.

O julgamento em questão está analisando um pedido de habeas corpus apresentado em dezembro do ano passado pelo ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado na Lava Jato a 10 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Sua defesa solicitou a Moro que fosse dado prazo superior para sua manifestação, após a alegação final dos delatores, mas não foi atendida.

A decisão sobre esse caso concreto criará um precedente que orientará decisões de juízes em casos semelhantes.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sugeriu que a anulação de sentença só recaia nos casos em que a defesa do delatado solicitou na fase de alegações finais um prazo maior e teve o pedido negado
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sugeriu que a anulação de sentença só recaia nos casos em que a defesa do delatado solicitou na fase de alegações finais um prazo maior e teve o pedido negado
Foto: REUTERS/Adriano Machado / BBC News Brasil

Qual pode ser o impacto da decisão para além da Lava Jato?

Não está claro quantas condenações poderão ser anuladas a partir desse julgamento do STF. A Procuradoria-Geral da República (PGR) inicialmente falou em "centenas de casos" e depois elevou sua projeção para "milhares", considerando também processos fora da Lava Jato.

No caso da operação iniciada no Paraná, poderiam ser afetadas mais de 30 sentenças proferidas por Moro antes de se tornar ministro da Justiça, quando era juiz da 13ª Vara em Curitiba. Cada sentença pode ter mais de um condenado.

Para Gilmar Mendes, há exageros nas projeções. Ele disse que a PGR não apresentou um levantamento de fato sobre o possível impacto do julgamento.

"Há muita lenda urbana em torno disso. As pessoas não trazem números e mentem de forma deslavada", reclamou.

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