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Críticos veem indicação de Augusto Aras para PGR como retrocesso

6 set 2019 - 08h55
(atualizado às 09h19)
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Escolha de nome de fora de tradicional lista tríplice é classificada de revés para a autonomia do Ministério Público Federal. Advogado é descrito como alguém ideologicamente próximo de Bolsonaro.Finalmente chegou a hora, o rei encontrou sua rainha. "Já estou apanhando da mídia. Esse é um bom sinal, sinal que a indicação nossa é boa. Acabei de indicar o senhor Augusto Aras para chefiar o Ministério Público Federal", disse o presidente Jair Bolsonaro ao anunciar a sua escolha para o cargo de procurador-geral da República nesta quinta-feira (05/09).

Antes do anúncio, Bolsonaro havia comparado, nesta terça-feira, o governo a um jogo de xadrez, sendo o presidente o rei, e o procurador-geral, a rainha.

Poucos contavam com a indicação do subprocurador-geral da República Antônio Augusto Brandão de Aras. Embora, há algumas semanas, ele fosse considerado um possível candidato, depois de se encontrar várias vezes com Bolsonaro, o partido do presidente, o PSL, iniciou uma campanha contra sua nomeação, por considerá-lo muito de esquerda.

Bolsonaro aparentemente se impôs contra as dúvidas de seu próprio partido e indicou o advogado, que iniciou em 1987 sua carreira no Ministério Público Federal. O baiano, de 60 anos, é considerado um desenvolvimentista com visões pragmáticas sobre economia e proteção ambiental, com as quais ele deve corresponder ao desejo do presidente de não querer um "xiita" no cargo.

"Aras não parece ser tão conservador quanto Bolsonaro", afirmou o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), à DW Brasil. "Ele é muito flexível, muito pró-business na demarcação de terras indígenas e na questão ambiental e agrícola. Nesse sentido, ele está próximo ideologicamente de Bolsonaro. E parece que isso foi um fator importante para determinar a escolha", acrescentou.

Bolsonaro também queria ter a certeza de escolher uma pessoa que lhe fosse próxima na questão dos costumes. Enquanto o superministro Paulo Guedes conduz a economia, e o ministro da Justiça, Sergio Moro, lidera a luta contra a corrupção, o presidente apostou novamente com força em temas ideológicos e em questões dos costumes, um campo no qual ele pode ganhar pontos mais facilmente.

"Que não seja xiita na questão ambiental e que não interfira no corte de cabelo de aluno de colégio militar", descreveu Bolsonaro no sábado o perfil que procurava para o cargo de procurador-geral da República. Aras deve se encaixar nessa descrição.

Embora a ex-presidente Dilma Rousseff tenha considerado a nomeação de Aras para o Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado parece ter convencido o presidente de que segue sua linha em questões sobre gênero, costumes, meio ambiente e direitos humanos.

O nome de Aras, porém, suscitou reservas no Ministério Público. Ele não estava na lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Embora o presidente não seja obrigado a seguir a lista por lei, desde 2003 ela era usada por presidentes para a escolha do novo procurador-geral.

"Minha candidatura não é fora da lista, é dentro da Constituição", se defendeu Aras em maio, em declaração ao jornal o Estado de S.Paulo.

"Mancha no mandato de Bolsonaro"

Críticos veem a indicação de Aras com desconfiança, considerando que o cargo de procurador-geral da República exige neutralidade e certa distância de outras instituições, principalmente, do presidente.

Praça prevê que, internamente, Aras enfrente uma situação difícil. "Seria muito desejável que fosse alguém da lista tríplice, porque não teria essa conexão pessoal com o presidente", opina o cientista político.

Os dois últimos procuradores-gerais, Rodrigo Janot e Raquel Dodge, gostavam de mostrar sua independência. Bolsonaro não tem boas lembranças de ambos. O primeiro encaminhou ao STF uma denúncia contra ele por incitação ao crime de estupro, e a segunda, uma acusação de racismo contra comunidades quilombolas.

Agora, o presidente deseja neste cargo alguém que o entenda. "É uma mancha no mandato de Bolsonaro, porque o Ministério Público, nos últimos dez ou 15 anos, se tornou mais autônomo em relação aos políticos. Isso é um revés, um passo para trás", avaliou Praça.

A Associação Nacional dos Procuradores da República também criticou a escolha de Aras. "A escolha significa, para o Ministério Público Federal (MPF), um retrocesso institucional e democrático. O indicado não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira", afirmou num comunicado divulgado na quinta-feira.

"Não possui, ademais, qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF. Sua indicação é, conforme expresso pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, uma escolha pessoal, decorrente de posição de afinidade de pensamento", concluiu o texto.

Ao mesmo tempo, segundo a Folha de S.Paulo, a indicação de Aras para a Procuradoria-Geral da República foi recebida com alívio no STF e no Congresso, pois outros nomes cogitados para o cargo eram considerados um desastre.

Impacto sobre a Lava Jato

A nomeação de Aras também deve trazer mudanças para a força-tarefa da Lava Jato. O procurador já criticou várias vezes o trabalho da operação e, especialmente, o furor midiático construído em torno dela.

"Parece-me que haverá uma reformulação completa da força-tarefa. A Lava Jato como conhecemos acabou", afirma Praça, acrescentando, porém, que a culpa por isso não é exclusiva de Bolsonaro ou de Aras.

"Os diálogos revelados pelo portal The Intercept mostram que os procuradores se acham acima de qualquer outra instituição, e acima de qualquer outro cidadão neste país. Moro e os procuradores fizeram coisas que, se não são ilegais, são completamente imorais e contra o que se espera de funcionários públicos. Por isso, esta escolha também é uma maneira de dar um recado anticorporativista", acrescentou o cientista político.

Praça também avalia que a nomeação de Aras é uma clara mensagem de Bolsonaro para a cena política em Brasília: "Só vai ter cargo importante no Brasil para quem ele confia."

A indicação de Aras ainda precisará passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e depois ser aprovada pelo plenário da Casa. O mandato é de dois anos.

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