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Covid-19: por que médicos recomendam atendimento precoce e não 'tratamento precoce'

Não há tratamento farmacológico que impeça o contágio ou a evolução da covid-19. Mas médicos recomendam que um diagnóstico e acompanhamento sejam feitos imediatamente para que pacientes com covid-19 tenham orientação médica e monitoramento de sintomas.

14 mai 2021 - 15h25
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Sintomas comuns da covid-19 são: febre, tosse, dor de garganta e/ou coriza, perda de olfato ou paladar, dor de cabeça, cansaço e falta de ar
Sintomas comuns da covid-19 são: febre, tosse, dor de garganta e/ou coriza, perda de olfato ou paladar, dor de cabeça, cansaço e falta de ar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Houve uma época em que o termo "tratamento precoce" era corriqueiro na medicina. Podia se referir à intervenção depressa em um caso de câncer, por exemplo, ou à medicação para um transtorno mental após uma pronta identificação.

Durante a pandemia de covid-19 no Brasil, no entanto, a expressão foi politizada. Virou outra coisa. E também se tornou um elemento central na CPI da Covid, com dois ex-ministros da Saúde relatando terem sofrido pressão do presidente Jair Bolsonaro para que o Ministério da Saúde defendesse o "tratamento precoce".

Alguns médicos e o próprio presidente adotaram o termo para definir um protocolo com medicamentos ineficazes ou sem eficácia comprovada para a covid-19, fazendo crer que existe um tratamento farmacológico para casos leves da doença. Se usados antes mesmo da doença ou no seu início, dizem seus defensores, esses medicamentos poderiam impedir o contágio ou formas graves da covid-19.

Mas médicos, cientistas e entidades sanitárias como a Organização Mundial da Saúde, amparados em estudos robustos, esclarecem que por ora não há opções para tratamentos profiláticos ou que, se aplicados no início dos sintomas, possam impedir o desenvolvimento de formas graves da covid-19.

Ou seja, não há "tratamento precoce" para a covid-19, embora o termo continue a ser utilizado.

Atendimento precoce

Por enquanto, nenhum tratamento farmacológico se mostrou eficaz em casos leves de coronavírus. "Não existe tratamento precoce, nem tratamento preventivo. O que existe é o acompanhamento ou o atendimento precoce", diz Patrícia Canto Ribeiro, pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

"O termo 'tratamento precoce' foi estigmatizado", opina o pneumologista Mauro Gomes, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe de equipe de pneumologia do Hospital Samaritano.

"Eu até entendo que no início do ano passado se tinha a perspectiva de que houvesse algum tratamento precoce que pudesse trazer benefício para a covid-19. Como já se mostrou que não é viável, não vejo como utilizar esse termo."

Mas então, o que um paciente com suspeita de covid-19 deve fazer?

Em primeiro lugar, dizem os especialistas, é preciso fazer o diagnóstico. Teve sintomas? Procure o posto de saúde mais próximo para receber um diagnóstico e confirmar que se trata de covid-19. É preciso sempre usar máscara e manter distância de outras pessoas. Adotar o isolamento, mesmo enquanto não sai o diagnóstico, é importante para não contaminar outras pessoas.

Sintomas comuns da covid-19 são: febre, tosse, dor de garganta e/ou coriza, perda de olfato ou paladar, dor de cabeça, cansaço e falta de ar.

A partir do diagnóstico precoce, o paciente poderá ter também uma avaliação e acompanhamento precoces.

Esse monitoramento desde o início dos sintomas é importante para ter um acompanhamento especializado da evolução dos sintomas, com consultas e exames.

Além disso, diz Ribeiro, a avaliação logo no diagnóstico permitirá que o profissional de saúde avalie se o paciente tem fatores de risco, se não precisa de alguma intervenção médica farmacológica por conta de alguma comorbidade, por exemplo.

Por fim, o acompanhamento médico é fundamental até mesmo para casos mais leves porque o paciente pode evoluir com gravidade, diz Ribeiro. O profissional da saúde vai avaliar a evolução dos sintomas e dar orientações adequadas.

"A partir do momento do diagnóstico, passa-se a acompanhar aquela pessoa diariamente para verificar elementos como a saturação, a frequência cardíaca", diz ela. "Assim a gente consegue intervir precocemente se houver qualquer alteração."

O profissional de saúde acompanhando o caso pode verificar, por exemplo, se há febre persistente ou mudança no padrão de febre, dor no peito, dificuldade para respirar, capacidade física afetada, sintomas como tontura ou pré-desmaio, entre outros. Também pode monitorar, em alguns casos, se houve queda no nível de oxigênio no sangue por meio do uso de um oxímetro. São sinais de que a doença está progredindo e que pode ficar mais grave, então é importante ter uma avaliação médica.

"A covid-19 evolui distintamente em casa pessoa", diz Gomes, emendando: "80% dos infectados terão evolução benigna, sem complicações. 20% precisarão de auxílio hospitalar principalmente por comprometimento de pulmão."

Medicamentos, como aqueles do chamado "kit covid", não devem ser usados por conta própria. "Nada disso tem efeito comprovado contra a doença. Então toda vez que as pessoas tomam esse tipo de atitude, elas podem estar retardando o tratamento adequado de que precisariam", diz Ribeiro.

Quando a pessoa acha que está tratando alguma coisa, diz a pneumologista, ela tende a relaxar. "Não é raro que a gente receba pacientes graves dizendo 'mas já tomei tudo', ou seja, vários remédios por conta própria", afirma. "O termo 'tratamento precoce' é muito prejudicial. As pessoas já se sentem tratadas, e isso é muito preocupante porque elas perdem o momento de buscar ajuda quando o quadro se altera. Elas poderiam ter sido atendidas com o tratamento devido na hora necessária por um profissional que avaliasse a necessidade de intervenção no momento adequado."

Os medicamentos que podem ser tomados em casa são dados para tratar sintomas - aqueles a que estamos acostumados quando estamos em casa com náusea, dor de cabeça, febre etc. Aliviam os sintomas, mas não interferem na evolução da doença. Boa hidratação e boa alimentação também são recomendadas.

Politização do termo 'tratamento precoce'

Na semana passada, no dia em que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta falou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, o presidente Jair Bolsonaro disse que o antigo titular da pasta "quer que fique em casa quando estiver sem ar".

Sua fala refletiu uma das estratégias usadas por governistas na CPI, que é focar as orientações a respeito do momento em que é preciso procurar assistência médica.

Mandetta disse que há 'guerra de narrativas', com governistas sugerindo que, por ser contrário ao 'tratamento precoce', ele era também contrário ao atendimento precoce
Mandetta disse que há 'guerra de narrativas', com governistas sugerindo que, por ser contrário ao 'tratamento precoce', ele era também contrário ao atendimento precoce
Foto: Agência Senado / BBC News Brasil

Como Bolsonaro e seus apoiadores defendem o "tratamento precoce", a ideia é fazer parecer que sempre defenderam, também, o atendimento precoce. As pessoas contrárias ao "tratamento precoce", portanto, seriam também contrárias ao atendimento precoce - o que não é verdade.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) questionou Mandetta sobre a orientação do ex-ministro de evitar buscar hospitais nos primeiros sintomas e a recomendação de "chá, canja de galinha e reza contra o novo coronavírus". Mandetta classificou rebateu dizendo que aquilo se tratava de uma "guerra de narrativas" e defendeu as decisões durante sua gestão no ministério.

No início da pandemia, a recomendação era que o paciente ficasse em casa, em casos leves, para não contaminar outras pessoas, e buscasse atendimento por telemedicina. A orientação para procurar imediatamente um médico começou em julho do ano passado na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello - mas não sem polêmica.

Na época, a mudança foi vista como um possível aceno ao "tratamento precoce" disfarçada de defesa ao atendimento precoce.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em agosto de 2020, o general Pazuello negou que a mudança tivesse a ver com a cloroquina - medicamento do "tratamento precoce" comprovadamente ineficaz para a covid-19 que foi incensado pelo governo federal e que teve investimento público. Também ao jornal, Mandetta afirmou que o ministério passou a "a acreditar que as pessoas têm que ir [mais cedo], porque acham que existe o uso precoce da cloroquina". "Politizaram isso."

Por outro lado, com um número maior de jovens infectados e evoluindo com gravidade na segunda onda da pandemia no Brasil, especialistas passaram a defender que todos procurassem ajuda médica imediatamente.

A cidade de São Paulo, por exemplo, mudou a orientação para que pacientes buscassem unidades de saúde assim que surgirem os sintomas do vírus. Um dos motivos é que os mais jovens tendem a procurar atendimento mais tardiamente, quando a doença está bastante agravada, muitas vezes de forma silenciosa.

Houve outras polêmicas em relação ao termo "tratamento precoce". Em janeiro de 2021, o Ministério da Saúde, sob gestão de Pazuello, lançou um aplicativo chamado TrateCov. A ideia era que a plataforma fosse usada por profissionais de saúde para orientá-los sobre as melhores condutas para pacientes com covid-19.

O aplicativo, no entanto, indicava medicamentos do "kit covid". O aplicativo recomendava cloroquina, ivermectina e outros fármacos até quando o paciente era um bebê. Foi logo tirado do ar.

A pasta também chegou a defender textualmente o "tratamento precoce", em um texto que foi marcado como "informação duvidosa" pelo Twitter também em janeiro deste ano.

Em uma coletiva sobre o assunto, Pazuello disse que era preciso diferenciar o tratamento precoce do atendimento precoce.

"Nós defendemos, incentivamos e orientamos que a pessoa doente procure imediatamente o posto de saúde. Que procure o médico e ele faça o atendimento clínico e o diagnóstico precoce dos pacientes. Tratamento é uma coisa, atendimento é outra", respondeu o general.

Agora, o "atendimento precoce" virou "atendimento imediato". Em abril deste ano, o Ministério da Saúde publicou um vídeo usando o novo termo.

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