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Uma saudade doce de Paulo Bomfim

Há uma incontável coleção de figuras e histórias, tão típicas da São Paulo antiga, que percorrem seus poemas e crônicas

9 jul 2019 - 03h11
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Eu tenho por certo que a língua é uma das principais forças na construção de uma cultura, e que a cultura é a base de constituição de uma sociedade. O passado comum, a memória, a tradição, a história são os laços que formam e mantêm um povo e lhe dão identidade. Os que fazem da língua o seu instrumento de trabalho - jornalistas, cronistas, ficcionistas, poetas - são fundamentais para a própria vida de uma comunidade e para a sua permanência como tal ao longo do tempo. Digo isto para lembrar um amigo, o poeta, jornalista e cronista Paulo Bomfim, morto no último domingo, aos 92 anos de idade. Escreveu poemas e crônicas, e narrou memórias num programa da Rádio Cultura, praticamente até o os últimos dias de sua vida. A contar de seu primeiro livro, publicado em 1946, foram 73 anos de intensa atividade cultural. Poucos podem contar tanto tempo de serviço, e tanto trabalho feito: foram 37 livros publicados, muitos traduzidos para várias línguas, além de um sem-número de poemas que ele costumava levar no bolso do paletó e que ocasionalmente lia para os conhecidos.

A substância de sua literatura, o tema praticamente invariável, era a cidade de São Paulo. Tinha um amor quase obsessivo pela cidade, pelas suas ruas, seus boêmios, seus antigos bares, cafés e pontos de encontro, pelos seus grandes personagens e também pelas pequenas criaturas. O paulistano anônimo, aliás, foi o personagem de seu primeiro livro, Antônio Triste, que publicou aos 20 anos de idade e que lhe rendeu um prêmio da Academia Brasileira de Letras. Mas há uma incontável coleção de figuras e histórias, tão típicas da São Paulo antiga, que percorrem seus poemas e crônicas. Em seu conjunto eles formam um repositório, um patrimônio valioso para qualquer um que queira conhecer um pouco mais sobre o passado humano - digamos assim, o passado íntimo, lírico - desta grande cidade.

Paulo Bomfim cresceu em meio aos jovens modernistas de 1922, foi amigo íntimo de muitos deles. Era descendente de bandeirantes, e talvez venha daí o seu grande conhecimento histórico sobre São Paulo. Tal como muitos dos modernistas, como Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Antônio de Alcântara Machado, transformou-se numa referência da crônica paulistana. Certamente, sua literatura é um marco específico na cultura brasileira. Mas quero lembrar também o grande amigo, que promovia serões em sua casa que iam até tarde e encantavam a todos. Em seu salão - praticamente uma extensão da Academia Paulista de Letras -, ele nos entretinha com sua conversa calma, carinhosa, erudita. E esta é a imagem que eu guardarei desse homem extraordinário.

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO

Estadão
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