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Tragédia em Santa Maria

RS: último laudo chega e conclusão do inquérito da tragédia fica perto

Delegados já estão revisando o relatório final da investigação e analisando os últimos documentos

19 mar 2013 - 21h39
(atualizado às 21h47)
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<p>Os delegados Marcelo Arigony (ao fundo) e Sandro Meinerz (centro) se reuniram com a equipe para analisar o relatório final do inquérito</p>
Os delegados Marcelo Arigony (ao fundo) e Sandro Meinerz (centro) se reuniram com a equipe para analisar o relatório final do inquérito
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A conclusão do inquérito que investiga a tragédia na Boate Kiss está bem perto do fim. Nesta terça-feira, o último laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) que faltava chegou para a Polícia Civil por e-mail. Esses dados técnicos sobre a análise da espuma do revestimento acústico da casa noturna já começaram a ser analisados pelos delegados responsáveis pelo caso e incluídos no relatório final da investigação, que está praticamente concluído, mas passa por uma revisão minuciosa.

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A previsão é que o inquérito seja concluído até sexta-feira. Havia um planejamento inicial de que as conclusões sobre a investigação fossem apresentadas na quinta-feira pela manhã, em um evento no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mas isso não se confirmou. O término deve ficar para sexta-feira, podendo ainda ocorrer no sábado.

A apresentação da conclusão do inquérito deve ser mesmo na UFSM. A Polícia Civil já andou pelo campus analisando três possíveis locais. O escolhido ainda não foi anunciado. A Reitoria da UFSM só aguarda um aviso do delegado regional de Polícia Civil, Marcelo Arigony, que deve confirmar a data com 24 horas de antecedência.

O laudo recebido nesta terça-feira pela Polícia Civil era só uma confirmação do que já se sabia: que a espuma de isolamento acústica da Kiss liberou gases tóxicos como cianeto e monóxido de carbono ao pegar fogo. Depois dos 234 laudos de necropsia que apontaram que as vítimas morreram por asfixia, muitas delas pela ingestão de um dos gases ou pelos dois, a convicção já estava formada na cabeça dos delegados.

"O laudo, de oito páginas, constata que a queima da espuma produz gás cianídrico, dióxido de carbono e monóxido de carbono. Nos exames nas vítimas se identificou a presença de cianeto com a caboxihemoglobina, que é a hemoglobina (presente no sangue) com o monóxido de carbono", disse o delegado Arigony.

Assim como os outros laudos entregues na última sexta-feira pela Instituto Geral de Perícias (IGP) – do incêndio e dos extintores –, a perícia da espuma comprovou, mais uma vez, o que vinha sendo apontado pelas investigações.

"Todas as perícias vêm paulatinamente coroando o trabalho investigatório, confirmando todas aquelas circunstâncias com as quais estamos trabalhando desde o início. Nessa caso, a espuma foi o componente inflamável que não deveria estar no local, foi colocada indevidamente. Ela foi uma das circunstâncias determinantes desse alto número de vítimas. Junto com a espuma, temos diversas outras circunstâncias, diversas outras irregularidades. Mas a espuma foi protagonista, em razão de que foi ela que primeiro pegou fogo", comentou Arigony.

Desde o início da manhã até o início da noite, o delegado regional de Polícia Civil, Marcelo Mendes Arigony – que aniversaria nesta terça-feira – ficou reunido com os colegas diretamente envolvidos com o caso, Sandro Meinerz, Marcos Vianna, Gabriel Zanella e Luiza Santos Sousa. Em um encontro fechado na Delegacia Regional de Polícia Civil – batizado de "conclave", em uma alusão à reunião fechada em que os cardeais escolhem o Papa –, os delegados ficaram debruçados sobre o relatório final de investigação, que já tem 141 páginas. É nesse texto que são apontadas as conclusões do inquérito, com os indiciamentos e as indicações para investigações e apontamentos em outras esferas que não a criminal.

"Já estamos com a prova toda colhida, ainda existem algumas testemunhas a serem ouvidas. Agora chegou o o último laudo pericial. Estamos trabalhando agora na parte mais importante, na análise documental  e na revisão de um pré-relatório que já foi feito, para que a gente possa concluir com responsabilidade sobre o que realmente ocorreu, especialmente apontar indiciamentos e outras circunstâncias que possam gerar responsabilidade em outras esferas que não a criminal", disse Arigony.

Namorada de dono da Kiss depõe

Na 1ª Delegacia de Polícia Civil (1ª DP), os depoimentos seguiram sendo tomados. Um deles foi de Nathália Daronch, namorada de Elissandro Spohr, o Kiko, um dos sócios da Boate Kiss. Quando chegou à 1ª DP, ela deu uma declaração forte: "Estou grávida. Minha filha se chama Maria Luíza. E o pai dela não é um assassino". Por mais de duas horas e meia, Nathália falou sobre o dia do incêndio e sobre o que Kiko fez na ocasião, ressaltando o quanto ele estava preocupado com a mulher e futura filha, pois não sabia que ela havia conseguido sair da boate.

Outros depoimentos relacionados ao resgate das vítimas também foram ouvidos. Um deles  foi o do superintendente da Guarda Municipal, Luiz Oneide Martins Gonzatto. A pedido da Polícia Civil, ele entregou uma lista de todos os servidores do efetivo que atuaram na operação e imagens das câmeras de vigilância da prefeitura que tenham alguma relação com a tragédia.

Polícia não acha nada anormal em imagens fornecidas pela prefeitura

A Polícia Civil recebeu uma denúncia de que alguém teria entrado no prédio da Sociedade União de Caixeiros Viajantes (SUCV), onde fica o gabinete do prefeito Cezar Schirmer (PMDB), para apagar arquivos de computador e retirar documentos no dia seguinte à tragédia. Imagens das câmeras de vigilância do prédio foram encaminhadas pela prefeitura aos investigadores, mas, em uma primeira análise, não foi constatada qualquer anormalidade.

Um funcionário de uma empresa de manutenção de computadores foi apontado como a pessoa que teria feito uma "limpa" nos computadores, mas ele foi ouvido e negou o fato. Por enquanto, o caso foi desconsiderado pela Polícia Civil, que pode voltar a analisá-lo depois da conclusão do inquérito da tragédia.

Contradições do comandante dos bombeiros são investigadas

A Polícia Civil está investigando as contradições entre o que disseram, em depoimento, o comandante regional dos bombeiros, Moisés Fuchs, e os homens do efetivo que trabalharam na operação de resgate às vítimas da Boate Kiss, no dia 27 de janeiro.

Fuchs declarou que todos os bombeiros tinham equipamentos funcionando e disponíveis no local da tragédia e que a corporação tem 19 respiradores artificiais em perfeito funcionamento. Outros depoimentos de pessoas que atuaram no resgate, porém,  indicaram que havia falta de equipamentos e de efetivo. Além disso, testemunhas constataram que os bombeiros estariam despreparados e usando equipamentos com problemas.

O inquérito tem ainda fotos e vídeos que mostram apenas oito respiradores artificiais usados no incêndio. Um bombeiro chegou a dizer que o oxigênio durava menos de 20 minutos. Como os homens estavam tensos, a respiração ofegante fazia com o que o tempo disponível do oxigênio diminuísse, o que pode indicar um despreparo.

O comandante Fuchs também informou que haveria "um ou dois" compressores no quartel dos bombeiros para recarregar o oxigênio dos respiradores, sem saber dizer se eles foram usados no dia da tragédia. O que a Polícia Civil quer saber é por que os bombeiros foram buscar um compressor em um quartel do Exército, que chegou tarde demais para ser usado no salvamento.

No seu depoimento, Fuchs não soube dizer o número exato de bombeiros que participaram da operação de resgate às vítimas, pois muitos homens que estavam de folga foram até a boate para ajudar, assim como militares da reserva. Pela escala de serviço, ele disse acreditar que 10 bombeiros e 10 alunos estavam de serviço. 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou mais de 240 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas. 

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A intenção é oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Fonte: Especial para Terra
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