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Tragédia em Santa Maria

RS: testemunha diz que não estava na Boate Kiss e é dispensada de júri

Declaração contraria depoimento da mulher à polícia; juiz manda apurar se houve erro ou mentira

23 jul 2013 - 15h05
(atualizado às 15h05)
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Um dos depoimentos mais esperados para esta terça-feira no processo criminal da tragédia da Boate Kiss, no Fórum de Santa Maria (RS), acabou frustrado. Isso porque uma mulher que trabalhava na casa noturna, que seria ouvida na condição de vítima (sem o compromisso de falar a verdade) disse que não estava no estabelecimento na madrugada de 27 de janeiro, quando aconteceu o incêndio que causou a morte de 242 pessoas. Por isso, ela acabou dispensada.

<p><strong>19 de abril - </strong>Pais se encontraram com promotores para se informar sobre detalhes do processo</p>
19 de abril - Pais se encontraram com promotores para se informar sobre detalhes do processo
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

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O primeiro depoimento do dia foi o do personal trainer Ezequiel Lovato Corte Real, que salvou "de 20 a 30 pessoas" da Boate Kiss. Ele disse que chegou a ver o início do fogo, quando o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos - que é um dos réus - começou a pular no palco, cantando e segurando um artefato pirotécnico.

Ezequiel afirmou que viu o músico tentando usar um extintor de incêndio, mas que saiu só "um bafo de pó branco". "O pessoal vaiou. O fogo era pequeno, mas se espalhou muito rápido. Em 20, 40 segundos, já tinha uns cinco metros de fogo", disse Ezequiel.

O jovem, que já havia trabalhado como barman na Kiss em uma festa, ajudou a retirar várias pessoas de dentro da boate. No início, antes de os bombeiros chegarem, ele e outros jovens montaram uma equipe para resgatar pessoas e até ligaram para um amigo que não estava na casa noturna para pedir ajuda.

Depois que os bombeiros chegaram, Ezequiel disse que, inicialmente, havia "cerca de cinco" homens para o resgate e o combate ao fogo, e que apenas um deles entrava dentro da boate. Ele afirmou que pediu uma máscara de respiração que estava dentro do caminhão, mas um bombeiro lhe disse que não poderia emprestá-la porque o equipamento estava estragado.

O grupo de Ezequiel não chegou a ser impedido pelos bombeiros de retirar pessoas da boate. "Já estávamos mobilizados. Eles (os bombeiros) só se uniram com a gente. A gente era maior, tinha mais força para tirar as pessoas", disse.

Depois da luta para quebrar uma parede externa da boate e arrancar uma grade, Ezequiel conseguiu entrar novamente, como já havia feito outras vezes. Até então, ele não tinha a percepção exata da tragédia. "Não tinha visto que as pessoas estava morrendo. Eu só tirava para fora as pessoas e entregava para alguém", disse. Dessa vez, ao retirar uma pessoa e ver um bombeiro lhe dizer que ela estava morta, o rapaz desanimou.

Depois, Ezequiel ainda entrou na área VIP da boate, onde viu uma pessoa morta sobre uma grade. "Não tive nem forças para tirar o corpo", disse. Ele tentou resgatar mais pessoas, até que ouviu uma conversa entre um homem - que seria do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) - e uma policial militar: segundo eles, as pessoas que eram retiradas naquele momento já estavam mortas.

Depois de Ezequiel, era a vez de Márcia Helena Costa da Silva, que trabalhava na Kiss, prestar depoimento. Ela seria ouvida na condição de vítima, mas, ao responder à primeira pergunta feita pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada, disse que não estava na boate na madrugada da tragédia. O fato já havia sido motivo de contestação do advogado Bruno Seligman de Menezes, e deu início a uma discussão com o promotor Joel Oliveira Dutra.

O juiz, então, repassou com Márcia Helena o depoimento dado por ela à Polícia Civil, em março, quando a funcionária da Kiss teria sido uma das primeiras pessoas a sair, no dia 27 de janeiro deste ano, porque estava na cozinha da boate. A mulher negou ter afirmado aquilo.

O advogado Bruno Seligman de Menezes formalizou uma notícia-crime para apurar o que aconteceu no caso de Márcia Helena. O promotor Joel Oliveira Dutra também pediu que seja apurado se houve irregularidade nos procedimentos da Polícia Civil ou se a testemunha faltou com a verdade.

À tarde, há previsão de ouvir mais três vítimas. Quando terminarem os depoimentos, pode ser que o Ministério Público (MP) se manifeste a respeito de pedidos feitos pelo advogado Omar Obregon, que defende o vocalista da Gurizada Fandangueira. Ele quer que sejam ouvidos o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), o deputado estadual Jorge Pozzobom (PSDB) e o promotor Ricardo Lozza. Depois que o MP se manifestar, o juiz dará uma resposta para as solicitações. 

Além de Marcelo Jesus dos Santos, respondem ao processo pelo incêndio os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o produtor de palco Luciano Bonilha Leão e os sócios da Kiss, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko. Os quatro estão em liberdade. Mais uma vez, somente Marcelo e Luciano foram acompanhar a audiências no Salão do Tribunal do Júri, no Fórum de Santa Maria, na manhã desta terça-feira. Os quatro são acusados por homicídios qualificados com dolo eventual e tentativas de homicídio qualificado.

Outros sobreviventes, mais de 50, já foram listados pelas defesas para depor. O juiz Ulysses Fonseca Louzada, titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, deve marcar essas audiências nos próximos dias para agosto e setembro.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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