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Tragédia em Santa Maria

RS: música e culto encerram dia de homenagens às vítimas da Kiss

Em Santa Maria, vários eventos lembraram os seis meses da tragédia que causou a morte de 242 pessoas

28 jul 2013 - 00h11
(atualizado às 00h15)
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Com uma apresentação musical, uma caminhada curta, um "minuto de barulho" e um culto ecumênico com igreja lotada, encerraram-se as homenagens em Santa Maria (RS) às vítimas da Boate Kiss neste sábado, no dia em que a tragédia completou seis meses. Para familiares das pessoas que morreram por causa do incêndio na casa noturna, no dia 27 de janeiro, foi uma data de muita emoção, sofrimento e, acima de tudo, saudade.

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Pela manhã, familiares de vítimas doaram roupas de seus entes queridos que se foram, arrecadaram alimentos para repassá-los a quem está passando por dificuldades e fizeram uma caminhada no Calçadão de Santa Maria. No final da tarde deste sábado, amigos e parentes se reuniram novamente na Praça Saldanha Marinho, no Centro.

Os familiares de vítimas usavam uma túnica preta. Cada uma levava um número, de 1 a 242. Coube a Homero Bairro usar a que levava o algarismo que representava o total de pessoas que morreram por causa do incêndio na Kiss. Ele perdeu as filhas Patrícia, 26 anos, e Greicy, 18, além do genro, Vandelcork Marques Lara Junior, 30.

Músico Atila Lopes tocou quatro canções no clarinete para os familiares e amigos que homenageavam as vítimas do incêndio na boate Kiss, há exatos seis meses, em 27 de janeiro
Músico Atila Lopes tocou quatro canções no clarinete para os familiares e amigos que homenageavam as vítimas do incêndio na boate Kiss, há exatos seis meses, em 27 de janeiro
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Ainda na praça, o músico Atila Lopes, 48 anos, da Igreja Batista Nacional, tocou quatro músicas na clarineta para amigos e familiares das vítimas, levando muitos às lágrimas. Ele interpretou Silêncio, Além do Arco-íris, Amigos para Sempre e Como É Grande o Meu Amor por Você.

Depois do momento musical, o grupo, de aproximadamente 700 pessoas, saiu em caminhada até a Catedral Metropolitana, na avenida Rio Branco, que fica a cerca de 100 metros da praça. No trajeto, vários familiares e amigos de vítimas seguravam faixas e cartazes.

Quando a caminhada se aproximava da Catedral, os sinos do templo começaram a badalar, às 18h45. Foi a senha para que os participantes começassem a bater palmas em homenagem às vítimas, no "minuto de barulho", que já se tornou tradicional no dia 27 de cada mês. Nesse momento, veículos que trafegavam pela avenida Rio Branco buzinaram em sinal de apoio.

O pequeno Victor é sobrinho de Silvio Beuren Júnior, que morreu na tragédia aos 31 anos
O pequeno Victor é sobrinho de Silvio Beuren Júnior, que morreu na tragédia aos 31 anos
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Antes do começo do culto, uma pomba branca foi solta pelo pequeno Victor, de três anos. O menino, que usava asas de anjo, é sobrinho de Silvio Beuren Júnior, que morreu na tragédia aos 31 anos.

Praticamente todo o templo ficou tomado. Entre o público, estava um jovem que foi até o culto ecumênico para agradecer por ter sobrevivido ao incêndio na Kiss. Delvani Brondani Rosso, 21 anos, que ficou quase dois meses internado no Hospital de Pronto-Socorro (HPS), em Porto Alegre, estava lá também por outro motivo. "Vim rezar por três amigos bem próximos que perdi na tragédia", diz Delvani.

O culto teve a participação de representantes de diferentes religiões. Na frente, familiares seguraram faixas e cartazes com a foto das vítimas.

O pároco da Catedral, Celito Moro, relatou que conversou por telefone neste sábado com o bispo de Santa Maria, dom Hélio Adelar Rubert, que está no Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude. Moro comentou que o bispo teve a oportunidade de conversar com o Papa Francisco sobre a tragédia da Kiss e que o Pontífice deixou uma mensagem para ser transmitida aos santa-marienses. "O Papa disse que reza por cada família, mandou um abraço especial, pediu que elas não percam a esperança, continuem unidas, rezando, e tenham a coragem de abraçar a cruz que representa toda essa dor", repassou o padre.

Durante o culto, que teve uma duração de aproximadamente 45 minutos, houve um momento em que todos foram convidados a se abraçar. Com uma salva de palmas, terminou a última homenagem de um sábado que trouxe muitas lembranças a quem perdeu alguém na tragédia. "Depois de seis meses, a saudade aumentou mais ainda. Não que tivesse sido esquecida, mas agora aflorou mais e aumentou a nossa energia para lutar por justiça e realizar ações sociais", diz Flávio José da Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, que morreu na tragédia aos 22 anos.

Flávio, que faz parte do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, adianta que, no dia 27 de cada mês, será realizado um evento social em uma comunidade pobre de Santa Maria. A intenção é fazer um debate com as pessoas que vivem nesse local sobre as carências que elas enfrentam. O ponto alto do evento será proporcionar diversão e lazer para crianças que não estão acostumadas com isso. "Queremos levar palhaço, pipoca, algodão doce e fazer a alegria dessa gurizada. Essa alegria ajuda a aliviar nossa dor", comenta Flávio.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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