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Tragédia em Santa Maria

Para vítima da Kiss, dor pela perda das amigas é maior que marcas no corpo

26 abr 2013 - 11h05
(atualizado às 11h13)
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Depois de ficar 53 dias internada no hospital, Gabriele Stringari se recupera em casa dos ferimentos sofridos no incêndio na Kiss
Depois de ficar 53 dias internada no hospital, Gabriele Stringari se recupera em casa dos ferimentos sofridos no incêndio na Kiss
Foto: Arquivo pessoal / Divulgação

Três vezes por semana, Gabriele Stringari, 20 anos, se dedica durante uma hora e meia nas sessões de fisioterapia para amenizar os danos causados em seu corpo na madrugada do dia 27 de janeiro deste ano. Sobrevivente do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), a jovem ficou 53 dias internadas no hospital – 22 deles em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) – devido à inalação da fumaça tóxica e às queimaduras graves sofridas, principalmente, nos membros superiores, que ainda comprometem alguns movimentos das mãos. Mas as sequelas físicas da tragédia que ganhou destaque no mundo inteiro não são a parte mais difícil nessa luta diária. Gabi perdeu três amigas naquela noite que enlutou o País. 

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“O que ficou no meu corpo não é nada perto da dor de ter perdido elas. Ainda penso muito na perda das minhas três amigonas e dos conhecidos e sinto muita tristeza, pois sei que quando retornar a Santa Maria elas não vão estar lá me esperando”, confessou. 

Do grupo inseparável formado por oito amigos - sete meninas e um menino -, cinco estavam na Kiss quando começou o fogo. Gabriele e Kelen Giovana Ferreira conseguiram se salvar. Laureane Salapata, Cristiane Rosa e Juliana Santos, não. “A amizade delas sempre foi algo que valorizei, sempre estiveram comigo e quando perdi minha mãe, há um ano e meio, foram elas que me ajudaram a superar, que me tiravam de casa, não deixavam eu ficar triste. Ter que passar por isso de novo tem sido muito doloroso”, contou. 

Desde o dia 22 de março, quando recebeu alta do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, a estudante de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) está em Alegrete, sua cidade natal. É ao lado da família e dos amigos de infância que Gabriele busca forças para se recuperar e voltar a fazer as atividades que tanto gostava, como ir à universidade, assistir um filme com as amigas, ir a alguma festa ou simplesmente tomar chimarrão no calçadão de Santa Maria. Como ela mesma lamenta, são pequenas coisas que agora fazem muita falta. 

"Por trás de um sorriso de alívio por estar viva ao lado de quem ela ama, existe uma Gabi que carrega o sofrimento de lembrar de tudo o que aconteceu. Sabemos que jamais ela irá esquecer daqueles momentos tão dolorosos, mas com o tempo a dor irá amenizar. A sua vida e rotina mudaram drasticamente, e ela sabe que precisa se ajudar muito para seguir em frente", considerou a irmã Sabrina. 

<p>Gabi com o grupo de amigos (esq para dir): Juliana Santos, Cristiane Rosa, Gabriele Stringari, Cristhian Schieck, Liege Alflen, Kelen Ferreira, Laureana Salapata e Natália Ody</p>
Gabi com o grupo de amigos (esq para dir): Juliana Santos, Cristiane Rosa, Gabriele Stringari, Cristhian Schieck, Liege Alflen, Kelen Ferreira, Laureana Salapata e Natália Ody
Foto: Arquivo pessoal / Divulgação
Aulas à distância

Enquanto tenta, no máximo possível, retomar a vida de antes, a jovem vítima da Kiss cursa as aulas de Terapia Ocupacional à distância para dar sequência ao curso de graduação. O retorno ao campus deve ocorrer somente no próximo semestre. Sem poder sair muito de casa porque precisa evitar o sol devido às queimaduras, a alegretense tem enfrentado uma rotina bastante limitada para uma garota de 20 anos: assistindo televisão, navegando na internet ou lendo um livro. 

As visitas de amigos e a companhia da família têm sido importantes para afastar o tédio, a tristeza pelas perdas das pessoas próximas e as lembranças da noite trágica. "Quando a Gabi saiu do hospital e passou a ver a realidade de outra maneira, sabíamos que seria bem difícil devido à recuperação física por causa das queimaduras, dos enxertos de pele e da recuperação do movimento das mãos, e também pelo lado psicológico, devido as perdas que ela teve. Mas, graças a Deus, nossa família é muito unida e temos grandes amigos, que estão sempre juntos com a gente dando força e fazendo ela sorrir", contou Sabrina. 

Por opção própria, Gabriele tem encarado sem medicação as noites de insônia e de um sono ainda intranquilo. E, mesmo que contrariada, tem recebido apoio psicológico uma vez por semana.  As notícias sobre a tragédia da Kiss têm sido evitadas. "Aprendi a valorizar cada momento ao lado de quem a gente ama, a tentar não brigar por besteiras e saber aproveitar cada oportunidade, pois a vida é muito frágil e não sabemos o dia de amanhã”, destacou. 

Retorno para casa

A volta para casa foi marcada pela emoção. Gabi foi recebida com uma festa surpresa com direito a bolo e Parabéns a Você. “Por eu ter nascido de novo”, explicou. Um a um, a jovem retribuiu o carinho e o apoio recebidos enquanto estava internada na capital gaúcha. Sem poder visitar a universitária em Porto Alegre, os amigos encontraram uma forma de dar força à distância: montaram um álbum com mais de 50 fotos e mensagens. E pediram para os ídolos de Gabriele - o ator Wagner Moura e os músicos gaúchos Thedy Corrêa e Humberto Gessinger - mandarem recados para ela, o que foi prontamente atendido. 

O músico Humberto Gessinger e o ator Wagner Moura enviaram mensagens de apoio a Gabriele Stringari, 20 anos
O músico Humberto Gessinger e o ator Wagner Moura enviaram mensagens de apoio a Gabriele Stringari, 20 anos
Foto: Reprodução

Ainda sem condições de ir a um show de uma de suas bandas favoritas, como prometido a amiga Danieli Tonin, que teve a iniciativa de colher as mensagens com os ídolos, Gabriele tem se rendido aos mimos da avó Arlete e das quatro irmãs – Sabrina, Lilian, Natália e Sofia -, principalmente no quesito gastronomia. Lasanha, batata frita, suflê de carne e bolo de chocolate são algumas das delícias preparadas para ela. A intenção, segundo Gabi, é fazer com que recupere os 10 quilos perdidos durante o período em que esteve hospitalizada. “Tudo que a minha família faz por mim me deixa muito feliz e à vontade. As palavras de conforto e motivação para eu não desistir têm sido muito importante.” 

E se as mensagens dos ídolos deverão acabar sendo emolduradas na parede do quarto de Gabi, esse apoio recebido de amigos e familiares nessa fase difícil estará sempre no coração e na memória da alegretense. "Tenho só a agradecer por cada oração feita, pensamentos positivos que me enviavam, e pela minha família e amigos por nunca terem desistido de mim, por sempre terem mantido a fé de que tudo ia ficar bem novamente", enfatizou.  

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

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Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

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Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Terra
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