PUBLICIDADE

Cidades

Tragédia de Brumadinho espalha medo ao redor de outras barragens

Na cidade histórica de Congonhas, 10 mil pessoas vivem em área de risco em caso de problema na estrutura da CSN; segundo agência federal, 73 barragens têm risco médio ou alto de rompimento no País

3 fev 2019 - 03h10
Compartilhar
Exibir comentários

CONGONHAS E NOVA LIMA - A ameaça potencial às comunidades localizadas ao redor de barragens de mineração se tornou palpável após a tragédia de Brumadinho mostrar que a lama dos rejeitos de minério de ferro tem força para varrer bairros inteiros, deixando um rastro de morte. Na cidade histórica mineira de Congonhas, a comunidade Gualter Monteiro - residencial formado há três décadas, com 2 mil habitantes - é vista pela prefeitura como um risco iminente. Considerando bairros vizinhos, o total de vulneráveis a uma das maiores barragens da América Latina seria de 10 mil pessoas.

Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que a situação de comunidades próximas à mina Casa de Pedra, da CSN Mineração, está longe de ser caso isolado. O relatório mais recente do órgão aponta que 73 barragens do País são de risco médio ou alto - ou seja, exigem atenção maior do que a Casa de Pedra, classificada como de baixo risco pela agência reguladora, a exemplo do que ocorria com a da Vale em Brumadinho.

Uma pergunta que costuma surgir quando bairros inteiros ficam à mercê de um desastre é: será que essas pessoas não tinham noção do perigo? Embora a mina da CSN exista há bastante tempo, moradores de Gualter Monteiro dizem que, na época em que receberam a doação de terrenos da Prefeitura, no fim dos anos 1980, a operação era bem menor. Os lotes no "baixadão" eram apenas uma chance de ter casa própria.

'Piscina'. Pioneiros do bairro, como a faxineira Vânia da Silva Costa, de 50 anos, dizem que o tamanho da barragem se multiplicou. Por vários anos, a água que escorria da mineração era opção de lazer. "Era uma piscina que batia aqui na cintura. A gente levava os meninos lá para tomar banho", diz Vânia, que vive na área há mais de 20 anos.

Embora a tensão tenha crescido desde a tragédia de Brumadinho, reuniões comunitárias visando à desativação da barragem da CSN ocorrem desde o ano passado. A Prefeitura de Congonhas afirma que o esvaziamento do depósito de rejeitos é uma bandeira da administração. E diz ter exigido que a CSN instalasse sirenes e placas de sinalização na região.

As placas verdes fixadas nos postes de luz, porém, recomendam algo que intuitivamente a população já faria: procurar um lugar mais alto caso o lamaçal desça o morro. Moradores das partes mais baixas teriam de correr quatro quadras ladeira acima para chegar ao terreno baldio sugerido como ponto de encontro. Idosos e deficientes, que não têm como fugir em disparada, estão se apegando à oração. "Minha mãe chora de noite e só reza", diz Maria de Lourdes Oliveira, de 56 anos, que cuida da pensionista Elza, de 82 anos.

O temor de uma eventual tragédia fez a família mudar de bairro em 2018. Porém, desde o acidente de Mariana, o valor das casas em áreas de risco começou a despencar. Hoje, uma residência em Gualter Monteiro vale cerca de R$ 40 mil. Elza e Maria de Lourdes arrecadavam R$ 600 com a locação do imóvel próprio, mas tinham de pagar R$ 900 em outro lugar. "O dinheiro fazia falta", conta a filha. "O jeito foi voltar."

Embora a comunidade busque a desativação da barragem da Casa de Pedra, até esse tema virou fonte de temores. "A barragem de Brumadinho rompeu quando eles estavam fazendo a desativação - e se a mesma coisa acontecer aqui?", questiona Antônio Maia, de 57 anos.

Procurada, a CSN não comentou. Uma fonte do setor lembrou que a companhia quer migrar para a mineração a seco - que dispensa água e, por consequência, barragens. Há expectativa de a companhia acelerar o processo após Brumadinho.

Sair ou ficar. O dilema de Congonhas é replicado em outras regiões de Minas Gerais. Um dos principais municípios da Grande BH, Nova Lima tem 90 mil habitantes e concentra 26 barragens. Nas últimas duas semanas, a tensão em bairros da cidade que são considerados áreas de risco também aumentou - a comunidade do Galo Velho, formada em parte por áreas de invasão, está localizada nas proximidades de uma planta de processamento de ouro da multinacional Anglo Gold Ashanti.

Não muito longe da casa de Olga Pires dos Reis, de 77 anos, a mineradora instalou em 2018 sirenes destinadas a alertar moradores sobre eventuais incidentes - a empresa explica que se trata de uma medida para cumprir uma recente mudança na legislação. A Anglo Gold também está rodando as residências da comunidade para realizar um cadastro dos moradores, mas nega a informação que circula no bairro de que planeje remover parte das famílias que vivem perto de suas barragens.

Depois da tragédia do último dia 25, Olga diz que voltou a se preocupar sobre a posição vulnerável da casa em que vive há 60 anos - e onde deu à luz seis de seus dez filhos. "Tenho muito medo. Se alguma coisa acontecer aqui, seríamos os primeiros a ser atingidos."

Porém, como boa parte da família se instalou em terrenos próximos, a dona de casa acabou por desistir da mudança para continuar perto de quatro de seus irmãos, dos filhos e dos netos que moram no bairro do Galo. Na dúvida entre sair e ficar, a família aprofundou raízes: no momento Cátia, uma das filhas de Olga, constrói sua casa própria atrás da residência da mãe.

Mineradoras pautam fiscalização

Embora existam órgãos estaduais e federais para controlar os impactos ambientais da mineração, o setor vive uma espécie de autorregulação. "O governo divulga dados fornecidos pelas empresas. Não há gente suficiente para fiscalizar", diz Marcelino Edwirges, presidente do Sindicato na Indústria da Extração do Ouro de Nova Lima e região.

Procurada para comentar as barragens de maior risco em Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente destacou que a responsabilidade pela fiscalização é da Agência Nacional de Mineração (ANM). A secretaria lembrou que os próprios empreendedores têm de monitorar e garantir a segurança das barragens.

Procurada diversas vezes ao longo da semana por telefone e e-mail, a ANM não respondeu os contatos da reportagem.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade