PUBLICIDADE

Sá Leitão: "Doria quer Cultura de SP como referência"

Secretário da área defende governador e fala sobre criação do Conselho de Cultura, mudanças no Proac e da paralisia nos Pontos de Cultura

23 abr 2019 - 05h11
(atualizado às 11h29)
Compartilhar
Exibir comentários
Sérgio Sá Leitão
Sérgio Sá Leitão
Foto: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA / Estadão Conteúdo

Sérgio Sá Leitão não havia se pronunciado ainda como secretário de Cultura do Estado quando o ambiente esquentou. A notícia de que o projeto Guri iria demitir e fechar polos, entre outros cortes, provocou uma mobilização nas redes e nas ruas. Logo depois, o governador João Doria retrocedeu na decisão. Agora, Sá Leitão fala. Sua pasta parece ter vencido uma batalha, contendo os cortes. Mas, ainda que seja assim, a realidade é desafiadora. Afinal, o orçamento da Cultura vem sendo reduzido há anos, contra todos os estudos e experiências de impacto social e econômico em comunidades como a cidade de Medellín, na Colômbia, e o bairro Linha do Tiro, no Recife, que souberam enxergá-la como viabilidade humana. Se em 2011 contava com 0.64% do orçamento geral, em 2019 é de 0.32%. E o que um Estado do tamanho de São Paulo faz com isso?

Ao falar de Cultura a uma emissora de TV, o governador Doria disse que governar é eleger prioridades, e que as suas eram segurança, saúde, educação e transporte. O que acha da declaração?

Desde a primeira conversa que eu tive com ele, Doria falou que gostaria que a cultura se tornasse uma das políticas chave de sua gestão. Ao aceitar o convite, trabalhei com esse cenário. Ele elencou quatro áreas que considera as mais agudas da população.

Não faltaria o entendimento de que cultura não se trata de entretenimento? Estudos e práticas mostram que investimentos nesse setor têm impactos justamente na base das áreas que escolhe como prioridades.

Pelas conversas que já tive com o governador, pelos pronunciamentos, vejo que Doria tem a percepção da grande importância estratégica da cultura, semelhante ao que penso.

A notícia de cortes no projeto Guri despertaram uma grande reação popular, e então o governador anunciou que não iria mais cortar nada. O que está acontecendo de fato?

O governo constatou que havia um déficit de R$ 10,5 bilhões no orçamento feito pela gestão anterior. Houve então como medida preventiva um contingenciamento geral, que não levou em consideração estudos de situações específicas por causa da urgência de se tomar uma decisão. Fizemos então um diagnóstico sobre isso.

Na mesma entrevista, Doria diz que preservaria do contingenciamento as outras áreas que citou, mas não a Cultura.

Elas foram preservadas, podemos dizer, mas o contingenciamento acontece em todas as demais áreas. Bem, fizemos o diagnóstico ao longo de fevereiro sobre o efeito do contingenciamento, e o que concluímos? Primeiro, que o ajuste no orçamento da secretaria já havia sido feito. A secretaria anterior já havia chegado ao limite. Entre 2012 e 2018, o orçamento caiu 50%. O contingenciamento iria sim implicar em fechamento e cortes. Projeto Guri, oficinas, fábricas de cultura, bibliotecas. Diante desse diagnóstico, o governador tomou a decisão de excluir a Secretaria do contingenciamento.

Houve uma pressão popular forte antes de o governo voltar atrás. Ele cedeu?

Quando o caso do Guri veio à tona, esse processo já estava em andamento. Acho que houve uma sincronicidade.

Doria se alinhou a Bolsonaro durante as eleições. Esse alinhamento vale para a Cultura?

Não, estamos falando de visões diferentes. O governador tem uma visão mais clara. É uma área que ele entende. É um colecionador de arte, frequentador de museus, teatros, cinema, tem uma visão contemporânea e disse que gostaria de fazer uma gestão referência. Algo bem diferente do que vemos com relação ao governo federal, onde acho que há um desconhecimento e um distanciamento da área.

Ainda parece tudo muito conservador quando se fala em política cultural, enquanto vemos exemplos arrojados como no caso Medellín (redução drástica da criminalidade com investimento em cultura) e no complexo cultural Compaz, no Recife. São Paulo não precisa de mais ousadia?

Eu deixei um estudo de impacto em nosso programa de construção de centros culturais no MinC. Fizemos avaliação de cerca de 200 centros em cidades pequenas, médias e em algumas capitais. Indicadores de educação, segurança pública e saúde melhoraram. E impressiona o impacto quando observamos a redução de todos os indicadores de criminalidade, homicídios, furtos, roubo, desempenho escolar e até em saúde.

Mas o governador não a cita como prioridade.

Mas ele compreende isso.

Os senhores criaram um Conselho de Cultura com 30 integrantes de renome, como Danilo Miranda, do Sesc, e o ex-secretário de Cultura André Sturm. Não faltam representantes da periferia?

A gente tem o Eduardo Lyra, que não estava presente na primeira reunião mas está no grupo. É um empreendedor cultural de periferia.

Havia um edital aberto para a criação de um conselho popular de cultura. O que aconteceu com esse conselho?

Foi feito um decreto pelo ex governador Marcio França, que previa esse conselho com mais de 300 membros. Esses membros seriam eleitos. Na minha visão, isso aí é uma espécie de Soviete de Petrogrado da Cultura. E o governador atribuía a esse conselho um caráter deliberativo. Ou seja, o conselho popular valeria mais do que os votos dos milhões de eleitores paulistas que elegeram o governador.

Não seria mais democrático do que ter um conselho escolhido pelo governador?

Olha só, tanto não era factível que a gestão anterior não conseguiu botar de pé esse modelo. Um decreto foi editado em maio do ano passado e o próprio governador não conseguiu constituir esse conselho.

E o que o senhor vai dizer para o conselho quando ele trouxer as ideias? Afinal, não há dinheiro.

Isso é algo que está colocado na mesa, e foi colocado ao longo desse processo de discussão interna. O que propus ao governador é que a gente estabeleça ao longo dos quatro anos uma progressiva recomposição do orçamento para que possamos ter recursos para aumentar o alcance do que fazemos.

O que houve com categorias do Proac destinadas a comunidades indígenas, LGBT e negras?

Foi uma questão de custeio. Para a gente poder aumentar o valor dos prêmios e dos apoios, e para desburocratizar, agrupamos vários editais. Racionalizamos o processo, mas as premiações estão mantidas, teremos mais recursos.

Não teme ser acusado de fazer uma política cultural ideológica juntando movimentos que pareciam melhor representados separadamente?

A questão é que acho que há em alguns segmentos, aí sim, ideologizados, uma prevenção contra as mudanças. Essa é uma postura reacionária. Você é contra uma mudança que nem viu.

O que houve com os Pontos de Cultura? Muitos não receberam ainda o valor de 2019.

A gestão passada concluiu o processo de seleção no final de dezembro e coube a nós fazermos o processo subsequente. Quando isso estava 100% concluído, fomos surpreendidos por um comunicado do Ministério Público informando que o edital se encontrava sob investigação. Tomamos a única medida possível que foi suspender o processo. Está paralisado.

Um secretário entra na sala do governador e diz o seguinte: "Só preciso de um bairro, uma cidade, uma região carente de São Paulo. Triplicamos o investimento em Cultura naquela região, chamamos a população para participar, instalamos os projetos e começamos a reduzir os problemas sociais. No final, eu e você entramos para a história". Muita ingenuidade imaginar essa cena?

É viável, é uma das maneiras que temos de construir paradigmas. Muitas vezes há um risco de ficarmos circunscritos àquela região, mas, por outro lado, já temos programas e ações que são transformadores. O problema é que esses resultados não são mensurados. Vamos passar a mensurar isso. A Fábrica de Cultura de Diadema, por exemplo, acaba de ser inaugurada. Tenho absoluta certeza de que vai haver esse impacto por lá. Assim como acho que existe esse impacto com o Projeto Guri. Não é nada ingênuo.

Veja também:

O edifício de madeira mais alto do mundo:
Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade