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Cidades

Rio: confrontos armados deixaram 19 mortos e 26 feridos nas favelas da Maré em 2020

Número caiu em relação ao ano anterior, segundo levantamento; quantidade de registros do tipo, porém, é alta em relação a outras regiões

25 fev 2021 - 22h41
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RIO - O número de mortes de pessoas durante operações policiais ou confrontos entre grupos armados no complexo de favelas da Maré, na zona norte do Rio, caiu em 2020, em comparação com o ano anterior, segundo levantamento feito pela Redes de Desenvolvimento da Maré, instituição da sociedade civil. Apesar disso, o número de ocorrências desse tipo continua alto em comparação com outras regiões da cidade. No conjunto de 16 favelas moram cerca de 140 mil pessoas. O complexo foi a região de favelas no município do Rio que registrou mais casos e mortes pela covid-19 em 2020: 1.264 casos e 140 mortes.

Segundo o boletim Direito à Segurança Pública na Maré 2020, levantamento realizado pela Redes da Maré pelo quinto ano consecutivo e divulgado nesta quinta-feira (25), ao longo do ano foram realizadas 16 operações policiais - redução de 59% em relação ao ano de 2019, quando ocorreram 39 operações. Em 2019, o número de operações havia crescido 144% em relação a 2018 - portanto, apesar da queda, a quantidade de 2020 seguiu alta em comparação com dois anos antes. Durante as operações policiais e os confrontos entre grupos armados, 19 pessoas foram mortas por arma de fogo (redução de 61% do total em comparação a 2019) e 26 pessoas foram feridas por arma de fogo, sendo 17 atingidas durante operações policiais e 9 durante confrontos entre grupos armados.

A redução das mortes é atribuída principalmente a dois fatores: a ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) de restrição às operações policiais em favelas, fruto da reivindicação histórica de movimentos e organizações populares, e a queda no número de operações realizadas pela polícia nas favelas do complexo.

Apesar da ordem judicial de restrição às operações policiais, elas continuaram acontecendo, e com letalidade, ao longo de 2020 - inclusive durante a pandemia. Entre março e abril, período em que a contaminação pelo novo coronavírus estava se agravando, foram realizadas cinco operações policiais nas favelas da Maré - frequência superior ao registrado no mesmo período em 2018 e 2019. Mas nos meses seguintes o número de operações foi menor do que em 2019, gerando uma quantidade total de operações também menor (16). Foram oito operações planejadas e oito emergenciais. Das oito planejadas, quatro registraram detenções, cinco tiveram apreensão de armas e/ou drogas, três tiveram apreensões de veículos roubados e uma teve apreensão de carga roubada. Dentre as oito operações emergenciais, apenas uma teve detenção, uma apreensão de armas e uma apreensão de carga roubada. Em contrapartida, denúncias de moradores indicam que essas operações deixaram dez pessoas feridas, um dano ao patrimônio, uma invasão a domicílio e uma subtração de pertences.

A violência na Maré também afeta a rotina de moradores, que sofrem diretamente as consequências das operações policiais com aulas e atividades de unidades de saúde suspensas durante essas operações. Em 2020, enquanto as aulas ainda eram presenciais (até março), houve três dias de atividades suspensas nas escolas em decorrência de ações policiais. E mesmo a rotina de aulas remotas por conta da pandemia também é afetada por operações policiais. Em relação ao atendimento das unidades de saúde, foram oito dias de atividades suspensas ao longo do ano.

As suspensões de atividades prejudicaram também os esforços de contenção da pandemia. No Centro de Testagem da Maré, no Galpão Ritma, 110 testes deixaram de ser realizados e 100 cestas básicas deixaram de ser entregues na campanha "Maré Diz NÃO ao Coronavírus".

Casos de abuso de autoridade e violações de direitos, como invasões de domicílio, danos ao patrimônio, violência verbal, ameaças, violência psicológica, violência física, subtração de pertences, assédio sexual, cárcere privado e tortura também estão entre os dados levantados pelo boletim.

"Os dados mostram que há um outro caminho, que considera as cerca 140 mil pessoas que vivem, estudam, trabalham e criam seus filhos na Maré. Um caminho que considere a segurança pública como um direito, não como uma ameaça à população da Maré", avalia Eliana Sousa Silva, pesquisadora em segurança pública e diretora da Redes da Maré. "Nossos esforços para fazer valer a ADPF das Favelas mostraram que é possível suspender a política do confronto".

O boletim monitora e divulga dados sobre operações policiais, mortes, confrontos entre grupos civis armados e violação de direito de moradores, entre outros indicadores de violência, nas 16 favelas da Maré. Os dados são levantados e compilados pela equipe da Redes da Maré, por cinco meios: 1) atuação direta de pesquisadores e profissionais que acompanham os confrontos armados, com registro de casos, recebimento de denúncias e acompanhamento de seus desdobramentos; 2) articulação de rede de colaboradores com 197 moradores e 21 organizações atuantes nas favelas da Maré, que contribuem reportando e validando evidências sobre as violências ocorridas; 3) coleta de dados oficiais junto às secretarias de governo municipal e estadual, além das polícias e institutos de pesquisa, como é o caso do Instituto de Segurança Pública (ISP), assessorias das Polícias Militar e Civil e secretarias municipais de Saúde e Educação do Rio de Janeiro; 4) levantamento em meios de comunicação e redes sociais; 5) ida da equipe do "De Olho na Maré" a campo, até 48 horas após as situações de confronto armado, para confirmar a veracidade das informações recebidas.

Resposta

Consultada sobre os dados apresentados nesta quinta-feira pela Redes da Maré, a secretaria estadual de Polícia Militar afirmou em nota que "a atuação da corporação obedece a critérios técnicos e à estratégia baseada nas análises das manchas criminais das regiões". A nota diz ainda que "o efetivo policial militar é capacitado e formado para atuar contra a prática de crimes e ilícitos diversos e em cordialidade com os cidadãos" e ressalta que "a corporação não compactua com possíveis abusos de autoridade cometidos por seus membros, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos".

A Corregedoria recebe denúncias a respeito de supostos abusos policiais pelo telefone (0xx21) 2725-9098 e pelo e-mail denuncia@cintpm.rj.gov.br, sendo o anonimato do autor da denúncia garantido pela PM.

Estadão
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