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Reforma revela tesouro artístico escondido em paredes do Instituto Butantan

Retirada de forros e camadas de tinta traz à tona pinturas do início do século passado; autor ainda não foi identificado

24 nov 2021 - 22h07
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As obras de reforma do prédio central do Instituto Butantan, na zona oeste de São Paulo, que se tornou conhecido mundialmente por produzir a primeira vacina contra a covid-19 aplicada no Brasil, estão trazendo à mostra um verdadeiro tesouro escondido em suas paredes. A retirada de forros e a remoção das camadas de tinta revelaram pinturas originais que ornavam as instalações internas do edifício quando ele foi inaugurado, em 1914.

O autor das pinturas, ainda não identificado, usou as tintas para homenagear sanitaristas célebres, pintando seus retratos na parte mais alta das paredes. A arte foi escondida quando o prédio, construído na gestão de Vital Brazil, ganhou novos usos nas décadas seguintes.

De acordo com a arquiteta do Butantan, Caroline Tonacci Costa, as pinturas apareceram quando foram retiradas as madeiras do forro de um dos ambientes da biblioteca para as obras de restauro. "Foi uma surpresa encontrar as pinturas originais, que ninguém imaginava que ainda existissem", disse.

Prospecções feitas em seguida nos dois saguões de entrada revelaram que todo o conjunto ainda tinha a pintura original escondida por sucessivas camadas de tinta. "Sabemos que era a pintura original porque temos uma revista de medicina que publicou fotos da inauguração do prédio", explicou.

A tinta usada pelo artista há mais de 100 anos ainda será analisada em laboratório. Caroline acredita que se trata de material orgânico, de grande durabilidade, pois resistiu às intervenções posteriores. "Havia quatro camadas ou mais de tinta sobre a pintura original. Estamos fazendo o restauro das partes danificadas, que é um trabalho meticuloso. A gente aplica uma camada de resina sobre a pintura e faz a intervenção em cima da resina", detalhou.

A extensão das pinturas ainda não foi medida, mas elas recobrem todas as paredes dos saguões e a sala da biblioteca.

Nesse local, além de gravuras e ilustrações, foram pintados os bustos de Minerva, a deusa da sabedoria, e de grandes epidemiologistas, como Robert Kock, descobridor do bacilo da tuberculose, Louis Pasteur, criador da vacina antirrábica, e Edward Jenner, que desenvolveu a vacina contra a varíola. Conforme a diretora da biblioteca, Joanita Lopes, mesmo os funcionários mais antigos, com 50 anos de instituto, desconheciam a existência desses tesouros escondidos nas paredes.

O parque do Butantan foi fechado durante a pandemia de covid-19 para evitar aglomerações e proteger o público. Durante esse tempo, o instituto aproveitou para modernizar algumas áreas e prédios.

Nesta fase, as obras envolvem o prédio central. Por ser bem tombado, o projeto do restauro foi aprovado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (Condephaat), do governo estadual, e pelo Conpresp, órgão municipal do patrimônio histórico. Conforme as obras avançam, vão surgindo achados que ajudam a contar a história dos 120 anos do instituto.

Do lado externo, foram encontrados alguns objetos centenários, como um tijolo de basalto, uma antiga ampola, um vidro de creolina e uma garrafa de vidro grosso, provavelmente de vinho. Esses objetos apareceram durante a escavação do futuro Boulevard, um espaço de convivência. Segundo a arquiteta Caroline, cada peça tem sua própria história.

A creolina foi um produto químico muito usado durante a peste bubônica no Brasil, por volta de 1899, como desinfetante para afastar ratos, hospedeiros da bactéria Yersinia pestis, causadora da doença. A peste bubônica, também conhecida como peste negra, é até hoje a pior pandemia da história.

A garrafa de vinho estava sob o assoalho do antigo laboratório usado por Vital Brazil e foi achado durante a remoção das tábuas. A ampola, encontrada nos arredores da casa onde morou o pesquisador, pode ter sido usada pelos primeiros cientistas do instituto.

Já o tijolo de basalto, uma rocha vulcânica, tem uma história ainda mais curiosa. A peça traz inscrições da família Lavaud, de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. O primeiro morador de Osasco com esse sobrenome foi o espanhol Dimitri Sensaud de Lavaud, que chegou à cidade por volta de 1898.

A família era dona da Grande Olaria Francesa de Sensaud de Lavaud, vendida em 1912. Os tijolos provavelmente foram usados no prédio do instituto. Dimitri entrou para a história ao construir "São Paulo", primeiro avião fabricado no Brasil, com o qual fez o primeiro voo registrado na América Latina, em janeiro de 1910.

Caroline e sua equipe conversaram com o setor cultural do Butantan e houve interesse em expor as relíquias futuramente. "Também queremos que o público tenha acesso à imponência das pinturas que estamos recuperando e possa entender um pouco mais a história desse patrimônio brasileiro que é o Instituto Butantan", disse.

Prédio foi construído entre 1910 e 1913 e faz homenagem ao primeiro diretor

Principal referência do Butantan, o prédio que leva o nome de Edifício Vital Brazil foi construído entre 1910 e 1913. Ali funcionou um dos primeiros laboratórios do instituto para o desenvolvimento de soros e vacinas. Atualmente é conhecido como Prédio Central ou Prédio da Biblioteca, por abrigar o acervo especializado do instituto, com mais de 15 mil obras, o Centro de Memória e alguns laboratórios de pesquisa. O prédio foi também a "casa" de Vital Brazil, um dos fundadores e primeiro diretor do Butantan.

Nascido em Campanha (MG), em 1865, Vital Brazil foi pioneiro no estudo e tratamento de acidentes com cobras no país. Foi também um dos maiores sanitaristas brasileiros. Em 1902, o instituto que ajudou a fundar e dirigiu durante duas décadas já fornecia soros para picadas de animais peçonhentos ao Serviço Sanitário Paulista, bem como a clínicas da capital e do interior. Em 1917, ele recebeu a patente do soro antiofídico e doou-a ao governo brasileiro.

Estadão
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