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Papa Bento XVI se omitiu sobre casos de pedofilia na Igreja Católica, diz relatório alemão

Abusos ocorreram quando ele era arcebispo em Munique; pontífice emérito nega acusações

20 jan 2022 - 13h48
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ROMA - Uma investigação alemã encomendada pela Igreja acusou nesta quinta-feira, 20, o papa Bento XVI de "irregularidade" ao lidar com casos de abuso sexual durante seu mandato na arquidiocese de Munique entre 1977 e 1982.

O escritório de advocacia que realizou a investigação disse que as alegações de Bento XVI de não ter conhecimento direto dos casos não eram críveis. E suas descobertas resultaram em um julgamento agudo sobre uma das figuras católicas mais influentes do século passado.

Em uma entrevista coletiva para divulgar o relatório, os advogados disseram que Bento XVI pode ser acusado de irregularidades em quatro casos, incluindo um em que ele conscientemente aceitou um padre em sua arquidiocese, mesmo depois que o clérigo havia sido condenado por abuso sexual em um tribunal criminal.

"As descobertas atuais indicam que o cardeal Ratzinger tinha conhecimento da história do padre", disse Martin Pusch, um dos advogados envolvidos no relatório.

O relatório, encomendado pela arquidiocese de Munique e compilado pelo escritório de advocacia alemão Westpfahl Spilker Wastl, fornece uma visão extremamente rara de como alguém que se tornou papa agiu nos bastidores em uma das crises definidoras da Igreja moderna. Os casos referem-se a um período muito anterior à escala de abuso clerical que hoje é de conhecimento público.

O relatório, divulgado após uma entrevista coletiva ao meio-dia, analisa décadas de casos na arquidiocese.

Parte do relatório se concentra em um padre pedófilo em particular, o Rev. Peter Hullermann. Alegações surgiram contra Hullermann no final da década de 1970, e em 1980 - quando Ratzinger era arcebispo - ele foi transferido de sua diocese de Essen para Munique para se submeter a "terapia".

As reportagens da imprensa alemã há muito tempo levantaram questões sobre a cumplicidade do papa aposentado em permitir que o padre permanecesse no trabalho da igreja envolvendo crianças e continuasse a cometer abusos.

Em 1986, Hullermann teve uma sentença de prisão suspensa por abusar de crianças, mas ainda foi autorizado a permanecer na igreja. Ele só foi removido em 2010, quando se descobriu que ainda trabalhava próximo a crianças.

O ex-papa forneceu 82 páginas de respostas escritas e informações, disse o escritório de advocacia.

O Vaticano disse em um comunicado que prestará "atenção apropriada" ao relatório e reiterou a "vergonha e remorso da Igreja pelos abusos cometidos por clérigos contra menores".

O secretário pessoal de Bento XVI, o arcebispo Georg Gänswein, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

Mesmo antes da divulgação da investigação de quinta-feira, o escândalo de abuso multicontinental perdurou como parte sensível do legado de Bento XVI. Durante seu mandato como pontífice, ele lidou com uma explosão de casos em toda a Igreja global, no que representou a maior crise do catolicismo em décadas.

Ele foi mais longe do que seu antecessor, João Paulo II, na abordagem dos problemas, destituindo centenas de padres e se encontrando com vítimas de abuso clerical nos Estados Unidos - a primeira reunião desse tipo para um papa. Mas os advogados viram seus passos como insuficientes, observando que ele demorou a entender a natureza sistêmica dos crimes dos clérigos e seu encobrimento.

Mais significativamente, ele não puniu os bispos que enterraram casos ou transferiram abusadores conhecidos para novas paróquias. E ele promulgou poucas reformas significativas para proteger a igreja antes de deixar o cargo em 2013, citando o que descreveu como sua "idade avançada".

Alguns observadores da igreja dizem que Bento XVI, que passou sua carreira defendendo a Igreja contra forças externas como o secularismo, ajudou a fomentar a propensão do Vaticano ao sigilo em casos de abuso. Bento XVI talvez tenha mais conhecimento direto da crise do que qualquer figura católica moderna, porque presidiu o poderoso departamento doutrinário do Vaticano - que supervisiona casos de abuso e punição - antes de se tornar papa.

O atual arcebispo de Munique e Freising é o cardeal Reinhard Marx, um aliado próximo de Francisco e um dos membros do conselho consultivo do papa. No ano passado, Marx quis renunciar, dizendo que achava necessário "compartilhar a responsabilidade pela catástrofe do abuso sexual cometido por autoridades da Igreja nas últimas décadas", que incluiu falhas institucionais e sistêmicas. Mas Francisco rejeitou o pedido de renúncia de Marx, dizendo que ele deveria continuar como "pastor" e realizar reformas.

Marx iria dar uma breve declaração na tarde de quinta-feira, mas seu escritório disse que ele dará uma resposta mais completa na próxima semana.

"Devido ao escopo esperado do relatório, que abrange o período de 1945 a 2019, levará tempo para lidar com o conteúdo", afirmou. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Estadão
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