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Oito policiais são presos após gravação mostrar agressões

Agentes foram flagrados espancando vítima durante abordagem no Jaçanã, em São Paulo, no sábado passado

15 jun 2020 - 22h12
(atualizado em 16/6/2020 às 08h07)
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Oito policiais militares foram presos nesta segunda-feira, 15, após uma gravação mostrar agressões contra uma vítima durante uma abordagem na madrugada do sábado, 13, em São Paulo. De acordo com a corporação, a prisão é preventiva, quando não há prazo para ser encerrada, e os agentes serão levados para o Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte da capital.

O pedido de prisão, informou a Secretaria da Segurança Pública, partiu da própria Polícia Militar e foi deferido pela Justiça Militar. Os mandados foram cumpridos pela Corregedoria da corporação contra seis soldados, um sargento e um 1º tenente. "A Polícia Militar, reafirmando seu compromisso com a legalidade e a transparência, pediu nesta segunda-feira a prisão preventiva dos oito policiais militares envolvidos na ocorrência do Jaçanã no último sábado", disse em vídeo divulgado à imprensa o porta-voz da PM, tenente-coronal Emerson Massera.

Agressões foram filmadas por testemunhas
Agressões foram filmadas por testemunhas
Foto: Divulgação / Estadão Conteúdo

Na decisão que ordenou as prisões, o juiz Marcos Fernando Theodoro Pinheiro escreveu que a medida era necessária para assegurar a instrução do processo e pela manutenção dos princípios de hierarquia e disciplina. "Há, ainda, o modo violento que tudo foi conduzido: espancamento, chute no portão e outros. Fica demonstrado que todos os investigados podem influir - como já influíram - na apuração da verdade, principalmente em face das testemunhas e vítima civis."

O magistrado ressalta que a prisão deve "chegar ao seio da tropa de forma a desestimular que condutas como esta não se repitam". "Ainda que o policiamento seja recebido a tiros e pedradas, uma vez contido o agressor, não pode ser espancado", sustenta Pinheiro. "De tudo o que foi apurado até aqui, observa-se que - nem de longe - os investigados agiram sob o manto das excludentes da legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever."

O juiz diz ainda que a liberdade dos policiais "abala credibilidade da instituição policial militar e gera sentimento de impunidade perante as dezenas de milhares de homens e mulheres fardados, armados e treinados pelo Estado."

Policiais disseram para a vítima 'facilitar as coisas' na delegacia

Os policiais haviam sido afastados após a divulgação do vídeo que mostra as agressões. Gravações de testemunhas mostraram quando policiais desferiram chutes, socos e tapas em um jovem, que também é agredido com golpes de cassetete. O homem não apresenta reação ao espancamento sofrido, mas continua a receber os golpes enquanto diz ser "trabalhador".

Em uma primeira versão, os policiais relataram que, durante deslocamento para atendimento de uma ocorrência, se depararam com uma perturbação de sossego público, com interdição de via e grande aglomeração de pessoas. Ao pedir apoio, as viaturas teriam sido alvos de rojões, pedradas e garrafas.

Para "repelir a agressão", os agentes disseram ter identificado uma pessoa que estava arremessando pedras. "Na tentativa de abordagem, ao acessar uma escadaria, o soldado entrou em luta corporal com o mesmo quando tentou arrebatar o armamento das mãos do militar, sendo necessário força policial para contê-lo, fato que fez restar lesões corporais em ambos". As informações constam da portaria de inquérito policial militar instaurado pela PM.

As imagens gravadas, no entanto, não mostram a luta entre o jovem e o policial, mas, sim, o cerco feito pelos agentes ao homem, que já estava caído, e os golpes sequenciais desferidos contra ele. Com a divulgação das imagens, a corporação decidiu abrir investigação para apurar crimes de lesão corporal e abuso de autoridade. No 73.º Distrito Policial, onde o caso foi registrado na Polícia Civil, o delegado responsável destacou que houve "considerável lapso entre o ocorrido e a apresentação a esta autoridade".

A vítima prestou depoimento já pela manhã no DP e foi questionada sobre os ferimentos, mas reforçou a versão policial de que teria caído da escada. "Disse que as lesões na região de seu olho direito teriam ocorrido com a queda ao chão, pois teria batido a cabeça na escada", registra o boletim de ocorrência do caso.

Em um segundo depoimento, a vítima disse que falou isso porque "os policiais lhe disseram para facilitar as coisas". "Os policiais construíram uma história para alegarem legítima defesa, disseram que a vítima estava arremessando pedras e entrou em luta corporal. Mas as imagens desmentem a versão deles", disse neste domingo ao Estadão o advogado Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe).

O que disseram os policiais no inquérito

O soldado Maycon se identificou como o policial que arrastou a vítima escadaria acima e assumiu que deu um tapa nela. O tenente Wagner disse que viu o soldado Xavier desferir dois golpes de tonfa (cassetete) no homem, "e de imediato determinou que cessasse a ação". Interrogado, Xavier disse que entrou em luta corporal com a vítima.

O soldado Bruno disse que "se exaltou e desferiu dois golpes de cassetete". Sobre o tenente Wagner, o soldado Lopes e o soldado Quizzepi, a Justiça disse que eles estavam no local dos fatos e tinham o dever de tomar providências. "Ao invés disso, 'liberam' o civil e nada foi feito contra os autores diretos das agressões; conclui-se, por ora, que somente após a repercussão dos fatos é que voltaram a abordar [suprimido] para conduzi-lo para atendimento médico e para forjar uma versão de resistência", escreve o magistrado.

O soldado Neto, diz o juiz, foi o policial que inicialmente abordou a vítima e foi quem apresentou a ocorrência na delegacia. "A versão de que o vítima fugira e somente depois foi localizada não me convence; depreende-se que tinha conhecimento das agressões e

ao se omitir, aderiu à conduta dos demais", escreveu Pinheiro. O sargento Busnardo teria, segundo testemunhas, invadido uma casa e aderido à conduta daqueles que agrediram fisicamente a vítima.

O advogado Fernando Capano, que é responsável pela defesa de quatro dos oito policiais, classificou as prisões como "açodadas". "A prisão preventiva é desnecessária porque não há, segundo penso, nenhum requisito para autorizá-la. São policiais sem qualquer tipo de histórico ou prática contumaz dessa natureza. A prisão devia ser uma exceção e não estamos diante de uma. Vamos avaliar se entraremos com um pedido de liberdade provisória ou habeas corpus", disse ao Estadão na noite desta segunda.

Estadão
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