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Na pandemia, ONGs enfrentam queda de arrecadação e adaptam atividades

Organizações perdem patrocínios e têm eventos cancelados desde março; impacto pode ser ainda maior para entidades voltadas a pacientes com câncer que tem ações do Outubro Rosa como maior fonte de arrecadação

31 jul 2020 - 14h10
(atualizado em 1/8/2020 às 12h37)
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Com lojinha virtual, participação em lives beneficentes e até desconto no aluguel, Organizações Não Governamentais (ONGs) precisaram encontrar alternativas para manter as contas em dia durante a pandemia. As atividades também foram adaptadas, especialmente entre aquelas voltadas a pessoas dos grupos de risco da covid-19, caso das pessoas em tratamento oncológico, por exemplo.

Quando o primeiro caso da covid-19 foi confirmado no País, a ONG Cabelegria havia acabado de estrear o banco móvel que entrega perucas para crianças e mulheres com câncer em hospitais. O caminhãozinho teve de ir para a garagem, outros bancos de perucas fixos fecharam e todos os eventos presenciais de arrecadação de doações foram cancelados desde então.

A produção de perucas mudou para a casa da costureira da instituição, onde foi instalada a máquina de costura. Junto ao acessório, também se começou a postar uma carta com informações de higiene e prevenção ao novo coronavírus.

Com os bancos de perucas fechados, a ONG viu essa demanda quadruplicar, chegando a cerca de 100 envios por mês. Fundadora-presidente da instituição, de 2013, Mariana Robrahn conta que o maior impacto foi a perda de um patrocinador. "A gente precisou se reinventar, criando a lojinha online", conta. O maior temor é com a proximidade do Outubro Rosa, que garante cerca de 60% da arrecadação anual com ações em empresas, shoppings e outros locais.

"A gente acaba segurando as contas porque não sabe o que será para os eventos", lamenta Mariana. "A gente está estruturando ações para acontecerem de forma online no Outubro Rosa. Mesmo assim, não tem tanta facilidade de fechar (patrocínio) quanto evento físico."

Receio semelhante tem o Instituto Quimioterapia e Beleza, também de São Paulo, que realiza oficinas, dá apoio psicológico, envia lenços e promove outras atividades para melhorar a autoestima de mulheres em tratamento ou que tiveram câncer. O principal evento anual é em outubro, a Pedalada Rosa, que reúne centenas de mulheres anualmente na Avenida Paulista, mas que deve ocorrer de forma virtual neste ano.

"Mandei uma proposta para empresa parceira de fazer tudo em ambiente digital. Não quero deixar passar porque é um marco, importante para despertar a atenção da comunidade. Algumas mulheres só lembram de fazer os exames e o autocuidado no Outubro Rosa", argumenta Deborah Duarte, diretora do instituto.

A ONG também enfrentou queda na arrecadação com o cancelamento de ações presenciais e teve até de pedir desconto no aluguel da sede, fechada desde março. Sem o patrocínio para a ação desde junho, terá de custear os cerca de R$ 5 mil mensais dos envios de lenços.

Como a maioria das voluntárias é formada por pacientes, as atividades passaram a ocorrer de forma virtual, como a realização de lives com convidadas para falar de assuntos variados, como nutrição, automaquiagem e sexualidade. "É um público de alto risco. A sede está praticamente fechada. Só uma voluntária vai para organizar os lenços", conta Deborah.

Impacto generalizado. Segundo dados de 2016 publicado no ano passado pelo IBGE, o País tem 237 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos, das quais 26 mil prestam assistência social e serviços de saúde. Um estudo das consultorias Mobiliza e Reos Partners consultou 1.760 representantes de organizações em maio, dos quais 87% afirmaram ter interrompido parte ou todas as atividades, 73% constatou redução na captação de recursos, 44% tiveram diminuição no número de voluntários ativos e 40% enfrentam estresse e sobrecarga das equipes.

Situação semelhante foi apontada por levantamento de abril da Rede de Organizações do Bem, que entrevistou 231 diretores de ONGs de assistência e educação. Do total, 67% tiveram queda de mais da metade da arrecadação, 83% afirmaram sofrer risco concreto de fechar as portas em curto prazo e 72% paralisaram completamente as atividades presencias.

"Essa reinvenção, a gente teve que fazer e aprender do dia para a outro", resume Celso Rodrigues, presidente da Associação Helena Piccardi de Andrade Silva (AHPAS). Fundada em 1999, a ONG teve de dispensar os motoristas voluntários por serem grupo de risco e adotou outros protocolos para os profissionais que já mantinha contratados para o transporte de crianças e adolescentes com câncer para hospitais.

"O nosso trabalho se tornou mais fundamental. Em uma crise dessas, como uma mãe vai pegar condução para levar uma criança com baixa mobilidade? Pegando um, dois, ônibus, com risco de contaminação. A chance de desistir é muito grande. E a única chance de cura é continuar no tratamento", ressalta.

Com a pandemia, a ONG chegou a fechar temporariamente o bazar que mantém na zona sul de São Paulo, que corresponde a cerca de 30% da renda. Nesse meio tempo, eventos também foram cancelados e a doação de pessoa física se tornou um dos sustentos, assim como a venda de vouchers de pizza e a participação em algumas lives de artistas - além das parcerias que persistiram.

O volume de doações de itens para venda continuou forte. "Com a pandemia, começaram a arrumar gaveta, armário e acabou sobrando coisas que nem sabiam que tinham", explica. Assim como a procura de novos atendidos, com a média de 15 viagens por dia.

"A gente está sentindo que começou a diminuir a doação direta. Aquele doador que se sensibilizou no início da pandemia não está doando mais tanto", afirma. Por isso, a entidade resolveu reabrir o bazar, com normas de segurança, horário reduzido e até cinco clientes por vez.

Mais informações:

Instituto Quimioterapia e Beleza: quimioterapiaebeleza.com.br

Estadão
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