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Fundo bilionário para a segurança enfrenta entraves e deverá ter repasse menor

Nenhuma transferência direta de recurso foi feita aos Estados até o fim de novembro. Fundo foi reestruturado em 2018 e, com verba de loteria, previa fomentar políticas de combate à criminalidade. Ministério diz que governos estavam se adaptando

10 dez 2019 - 05h10
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SÃO PAULO - Prometido como um fundo bilionário para investimento em planos de combate à violência, o Fundo Nacional de Segurança Pública chegou ao fim de novembro sem ter feito nenhuma transferência direta de recursos para os Estados. O Ministério da Justiça, que gere o fundo, diz que os Estados estavam se adequando para receber a verba, transferência que deve ocorrer em dezembro. O valor, no entanto, está aquém do que os governadores esperavam.

O entrave ocorre em meio à celebração do governo federal pela redução de estatísticas de criminalidade registradas nos Estados. O dinheiro que vem das loterias da Caixa Econômica pode ser aplicado em uma miríade de ações, desde a compra de viaturas, armas e coletes balísticos, passando pela reforma de delegacias até a criação de sistemas de inteligência e mesmo programas de melhoria da qualidade de vida para os policiais.

O orçamento de 2019 definiu uma previsão de gastos na monta de R$ 1,74 bilhão, mas R$ 1,14 foram alocados como reserva de contingência, que o ministério classifica como não disponível para uso. Sobraram então R$ 495 milhões disponíveis, dos quais 50% devem ser transferidos para os Estados, como prevê uma lei de 2018 que repaginou o fundo com objetivo de tornar sua execução orçamentária mais efetiva.

A expectativa com a nova lei aprovada no ano passado era abastecer o fundo com recursos de uma fonte previsível, como as loterias, e facilitar a transferência para os Estados, que historicamente apresentaram dificuldades em executar recursos por meio de convênios com o governo federal. A chamada transferência fundo a fundo, então, previa tornar mais ágil e eficiente o uso do recurso público, o que não ocorreu até o último mês de 2019.

Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que, de janeiro a outubro, apenas 13,4% de todos os recursos previstos foram empenhados - R$ 233,8 milhões ante o R$ 1,7 bilhão previsto. O Ministério da Justiça pondera que os repasses estão condicionados ao cumprimento de critérios por parte dos Estados, como a criação de um fundo estadual e de um conselho para acompanhar a implementação das políticas na área.

Para o Sou da Paz, o Ministério da Justiça poderia estar executando melhor o seu papel de indutor de políticas sustentáveis. "Os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública representam a capacidade do governo federal de induzir políticas de segurança pública: por meio do repasse de recursos respeitando o modelo federativo brasileiro. Ainda que tradicionalmente o montante de recursos federais na área seja muito inferior ao dos Estados em um momento como o atual, de grave crise fiscal, os recursos federais para muitos entes são uma das poucas, senão a única possibilidade de realizar investimentos. Daí decorre a sua importância estratégica", escreveram os pesquisadores na análise.

Estados preparam ações para aplicar verba do fundo

Os R$ 10 milhões que chegarão a Roraima terão de ser divididos entre as diversas ações que o governo considera essenciais. "Nossa prioridade é a capacitação de pessoal e melhores condições de trabalho para os agentes da segurança e intensificar o combate aos crimes violentos, policiamento comunitário e investimento em tecnologia e combate à corrupção. Com o fundo, vamos melhorar os investimentos", disse o secretário de Segurança, Olivan Junior.

Em meio a uma queda nacional de homicídios, Roraima viu esse tipo de crime crescer em 2018, o que levou o Estado a ser considerado o mais violento do País, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A piora nos dados é consequência de uma estrutura deficiente, diz o presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Leandro Almeida. "Não temos infraestrutura nem mesmo identidade. Perdemos delegacias que passaram por reformas e, em seguida, foram demolidas."

O Rio Grande do Norte divulgou em novembro que esperava a liberação de R$ 7,7 milhões que serão usados para enfrentamento à criminalidade violenta e valorização dos profissionais de segurança pública.

O Pará, que receberá R$ 7,5 milhões, prevê usar R$ 6 milhões em ações de enfrentamento à criminalidade e R$ 1,5 milhão para valorização dos profissionais da área. "Já estamos com planos de criar um novo Centro Integrado de Operações (CIOp) metropolitano que aglomerará aproximadamente 15 órgãos Municipais, do Estado e Federais para que tenhamos um melhor monitoramento de toda a Região Metropolitana de Belém", declarou em nota pública o secretário da Segurança do Pará, Ualame Machado.

Ao Estado, a diretora executiva do instituto, Carolina Ricardo, vê a capacidade de o governo federal orientar linhas básicas das políticas estaduais de segurança. "O investimento pode ser importante para orientar o básico a ser seguido pelos Estados, induzindo um conjunto de ações para serem apoiadas. Pode ser um recurso voltado a aprimorar sistemas de informação, para ser aplicado em políticas de prevenção ou em mecanismos para esclarecimento de homicídios, sistema de metas. É mais do que um dinheiro somente para viatura, colete e arma", disse.

Desde julho, a pasta vem dando coordenadas para que os Estados se adequem à previsão legal e se credenciem ao recebimento da verba. Os governos estaduais tinham até 29 de novembro para cumprir as exigências e, segundo o ministério, todos os 26 Estados e o Distrito Federal conseguiram aprovar seus Fundos e os Conselhos Estaduais de Segurança Pública, "atendendo, em princípio, os principais requisitos para recebimento dos recursos". Assim, R$ 247 milhões deverão ser repartidos em dezembro.

As primeiras transferências deverão ocorrer para o Ceará e o Paraná, os primeiros a apresentarem um plano de ação. "O próximo passo é assinar os termos de adesão entre a Senasp e fundo estaduais - o que permitirá o envio dos recursos financeiros para os dois estados", informou a pasta em nota. "A expectativa é enviar aos estados e ao Distrito Federal, todo o recurso existente para as transferências Fundo a Fundo ainda neste ano de 2019. Depois do repasse, os estados têm até 24 meses para utilizar os recursos, de acordo com o plano de ação aprovado e termo de adesão firmado", acrescentou.

Gastos com a tropa da Força Nacional consomem maior parte do fundo

Apesar de a transferência ainda não ter se concretizado, o governo federal tem reforçado o seu papel como indutor da redução nas estatísticas de criminalidade que o País continua a registrar em 2019, queda que foi iniciada em 2018. As declarações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Sérgio Moro veem efeitos em ações como a transferência de lideranças de facções para presídios federais, operações da Polícia Federal contra o crime organizado, além da atuação da Força Nacional de Segurança.

O estudo do Sou da Paz mostra que, enquanto os recursos para os Estados estão parados, as verbas aplicadas na Força Nacional de Segurança já se aproximam do limite. A Força é uma tropa composta por policiais cedidos pelos Estados e usados em operações delimitadas, com pagamento a cargo do governo federal.

Em dez meses, mais de R$ 141 milhões já foram gastos com diárias pagas a policiais e logística dessa tropa, que foi acionada, por exemplo, para atuar no início do ano no Ceará, diante de ataques promovidos por facções, e para combater o desmatamento no Pará e em Rondônia, em agosto. A previsão orçamentária para a Força é de R$ 170 milhões.

A atuação da Força Nacional está no centro do programa Em Frente, Brasil, do ministro Sérgio Moro para combater a criminalidade violenta em cinco cidades do País. Desde o fim de agosto, um piloto é desenvolvido em Cariacica (ES), Paulista (PE), Ananindeua (PA), São José dos Pinhais (PR) e Goiânia (GO). O investimento previsto é de R$ 20 milhões.

Para 2020, a expectativa do ministério é que os recursos do fundo sejam executados de maneira "mais ágil e segura, empregando mais qualidade no direcionamento dos recursos e eficácia às políticas públicas". "Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 22/2019 que propõe um orçamento de R$ 1.285.097.670,00 para o Fundo Nacional de Segurança Pública em 2020, o que equivale a um aumento de 145% se comparado com o orçamento deste ano. Portanto, as expectativas com a modalidade de transferência fundo a fundo são no sentido de trazerem um maior dinamismo e agilidade ao processo de execução."

'Prioridade para a segurança tem de se traduzir em recursos', diz secretário da Bahia

Maurício Teles Barbosa é secretário de Segurança da Bahia e presidente do Colégio Nacional de Secretários de Segurança

O dinheiro do fundo até novembro não havia chegado aos Estados. Como o senhor enxerga essa execução orçamentária?

É importante dizer que os critérios para o rateio do recursos foram estabelecidos em julho, mas há outras normas que foram sendo definidas até novembro. Os Estados tiveram a necessidade de se adequar e muitos tiveram dificuldade. Os Estados evitaram mandar essas propostas para suas assembleias antes que o governo federal avaliasse e dissesse que estava tudo ok, para evitar ter de refazer o trabalho. Sabíamos que 2019 seria um ano para se adequar às exigências.

O que é possível fazer com o valor que será repassado aos Estados?

A maior dificuldade não está no cumprimento dessas exigências, está no contingenciamento de recursos do governo federal, que alega não ter espaço orçamentário para cumprir com o que está sendo arrecadado pelas loterias. Onde está o restante dos recursos? O recurso está com o governo federal e pertence aos Estados. Pensamos na proposta de judicializar, pois é um recurso que pertence aos Estados. Isso está sendo discutido pelo fórum de governadores.

Se comparado com o fundo para a saúde e educação, o valor é risível. Estamos discutindo um fundo de R$ 1 bilhão, que é contingenciado para R$ 500 milhões a ser dividido por 27 Estados. Assim, não tem como inovar na segurança pública.

Para os Estados grandes o valor não representa muita coisa. Para a Bahia virá cerca de R$ 9 milhões, o que não paga um mês de locação de viatura. Temos a expectativa que novas formas de obtenção de recursos sejam capazes de fazer a diferença. Por outro lado, para alguns Estados essa verba representa o único investimento. Tudo que vier é importante para os gestores. O fundo é uma ferramenta extremamente importante para a polícia nacional de segurança.

O governo federal tem celebrado a queda de indicadores estaduais de violência. Qual tem sido o papel da gestão Bolsonaro nessa redução?

Não existe política nacional de combate a homicídios. A redução notada é fruto do trabalho dos Estados. Sabemos da importância das operações da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal no combate a grandes organizações, mas quem no dia a dia combate os homicídios são os Estados. Não tem como levantar a bandeira e dizer que é consequência de uma política nacional, sendo que não vimos nada ser implementado, a exceção de um programa em cinco cidades. Isso não é política nacional. A importância que a segurança pública tem no discurso tem de ser transformada em recursos.

Em 2020, os recursos deverão chegar mais rapidamente?

A expectativa é que não haja contingenciamento e que ocorra aumento de recursos para que se consiga mudar o panorama da segurança pública nos próximos anos. Não há plano tático-operacional que não passe pelos Estados. Então, para se ter uma boa política de segurança nacional há de se contar com as polícias locais.

Para lembrar - Fundo pode ser atingido por proposta de Guedes

O Fundo Nacional de Segurança Pública está entre os 281 fundos públicos que poderão ter o funcionamento alterado ou ser extintos por uma proposta de emenda à constituição feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo o Ministério da Economia, o Brasil tem hoje 281 fundos públicos, onde estão depositados quase R$ 220 bilhões. A proposta é alterar a Constituição para que esses recursos possam ser usados para pagar parte da dívida pública. A proposta do governo é extinguir todos os fundos orçamentários infraconstitucionais que, no prazo de dois anos, não forem convalidados por meio de lei complementar específica. /COLABOROU CYNEIDA CORREIA, ESPECIAL PARA O ESTADO

Estadão
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