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América Latina

Fronteira com Venezuela é reaberta após 15 horas fechada

Desembargador e vice-presidente do TRF1 suspendeu liminar de juiz federal de Roraima, que havia suspendido a entrada de venezuelanos desde as 17 horas desta segunda, 6

7 ago 2018 - 10h20
(atualizado às 12h30)
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Foto: Edmar Barros / Futura Press

A fronteira do Brasil com a Venezuela foi reaberta a pedido do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A informação foi confirmada pela 1ª Vara Federal de Roraima. Segundo a delegacia da Polícia Federal em Pacaraima, a determinação começou a ser cumprida por volta das 10 horas desta terça-feira, 7.

Os veículos e as pessoas que estavam no bloqueio montado no Marco Zero pela Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) começam a ser liberadas aos poucos até as dependências do posto de triagem montado pelo Exército. A fronteira estava fechada desde às 17 horas desta segunda-feira, 6, após decisão liminar do juiz federal Helder Girão Barreto, da 1.ª Vara da Federal de Roraima.

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) havia impedido a suspensão da entrada dos venezuelanos, negando o pedido do governo de Roraima para suspensão da entrada dos venezuelanos. O Estado apurou que na manhã desta terça-feira, 7, agentes do Exército Brasileiro, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal ainda aguardavam a notificação da decisão da ministra Rosa Weber para liberar a passagem.

O vice-presidente do TRF-1, desembargador federal Kassio Nunes Marques, suspendeu liminar do juiz de Roraima argumentando que o impedimento do ingresso de venezuelanos no País violaria obrigações internacionais pactuadas pelo Brasil. Segundo justificativa de Marques, o governo federal estaria adotando há meses medidas de garantia das condições de vida da população imigrante em Roraima.

"Daí porque a medida judicial ora impugnada, além de indevida, colocaria em risco o princípio da separação dos poderes, bem como vulneraria gravemente a ordem pública e administrativa, que seria precocemente desarticulada, concorrendo para o mal aproveitamento dos recursos públicos investidos nos correspondentes programas", diz o desembargador.

Marques destacou que o objetivo do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU) - autores da ação civil pública - era ampliar o acesso dos imigrantes venezuelanos aos serviços públicos, "o que, por óbvio, não é compatível com a ideia de lhes impedir até mesmo o ingresso no território nacional".

ONU

A ONU elogiou a decisão do STF de não permitir o fechamento de fronteiras no Brasil. "Aplaudimos a decisão do Tribunal", diz William Spindler, porta-voz da agência da ONU. "O governo brasileiro, até agora, assegurou o acesso a seu território aos refugiados venezuelanos e imigrantes que necessitam proteção e lhes deu serviços básicos", afirma Spindler.

A ministra também negou a solicitação de que fosse imposto um limite para o ingresso de refugiados venezuelanos no País. Com a decisão, Rosa nega os pedidos cautelares (aqueles tidos como urgentes) feitos pelo Estado de Roraima à Corte. A decisão de Rosa não anulou a decisão liminar do juiz de Roraima, mas determinou que a negativa seja comunicada ao magistrado, para que ele, ao ter conhecimento da decisão, possa avaliar.

Segundo Rosa, a competência para tomar decisões sobre o conflito é do Supremo Tribunal Federal. "Assento, inicialmente, a competência originária desta Suprema Corte para o julgamento do feito, uma vez que veicula situação de típico conflito federativo", afirma a ministra.

Por que Roraima pediu o fechamento da fronteira?

Na ação civil apresentada em abril, o governo de Roraima critica a atuação do governo federal na crise migratória de venezuelanos e cobra medidas de controle. O presidente Michel Temer já se posicionou contra a proposta do governo.

Na decisão, Rosa afirmou que o fechamento de fronteira internacional é de natureza tipicamente executiva, "como traduz verdadeiro exercício da própria soberania do Estado brasileiro, consubstanciando, como tal, ato reservado ao Chefe de Estado". Rosa também citou acordo entre Brasil e Venezuela em que os países se comprometeram a não adotar medidas de profilaxia internacional que impliquem o fechamento total de suas respectivas fronteiras.

A governadora de Roraima, Suely Campos, disse que a decisão do juiz federal que mandou fechar a fronteira respeita o sentimento de todo o Estado. "Somos nós que estamos lidando com as consequências de uma tragédia social em nossas fronteiras com a total omissão do governo federal."

Ela havia pedido o fechamento da fronteira ao governo federal e editado um decreto regulamentando a oferta de serviços a imigrantes além de fazer a solicitação de deportação de todos os estrangeiros envolvidos em crimes.

"Estamos desde maio pedindo o fechamento da fronteira no STF e o auxílio financeiro para minimizar o impacto em nossos serviços públicos. Não vamos mais aceitar que Brasília trate esta crise migratória por procuração, porque ela bate à nossa porta, não a deles."

A ONU, porém, explicou que o fechamento da fronteira levou 210 pessoas a não conseguir concluir seus procedimentos migratórios. Mas indicou que não houve nenhuma expulsão.

Spindler também deixou claro que a ONU tem ajudado o Brasil, inclusive para levar venezuelanos a outros estados do Brasil. Até agora, o serviço já transportou para outras regiões cerca de 800 pessoas.

Tensão

A ONU admitiu a existência de uma tensão entre os estrangeiros e a população local, mas insistiu que a situação estaria sendo tratada. Apenas no estado de Roraima, mais de 50 mil venezuelanos encontraram refúgio, levando os serviços básicos a uma situação crítica.

"Houve uma certa tensão. Entendemos que houve um grande fluxo e por isso estamos ajudando. As coisas estão melhorando e estamos ajudando venezuelanos para que a responsabilidade seja compartilhada e que o peso não fique com apenas um local", disse o porta-voz da agência da ONU.

De acordo com os dados de Spindler, cerca de 200 venezuelanos continuam a entrar a cada dia em Roraima. Nos quatro primeiros meses do ano, 32 mil venezuelanos pediram asilo no Brasil.

Mas outros 25 mil vivem no País com outro tipo de documento migratório, seja residência, vistos de estudantes ou outras formas legais.

Em 2018, um total de 117 mil venezuelanos já pediram asilo em todo o mundo, um número que já superou toda a marca dos doze meses de 2017. A ONU, porém, não soube informar qual havia sido o número do ano passado.

Reações

Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcelo Figueiredo disse que a decisão do fechamento da fronteira causa "perplexidade". "Do ponto de vista formal, não compete ao Judiciário regular essa matéria de entrada e saída de estrangeiros. Isso é da competência do Executivo. A decisão não tem princípio e não é um juiz que deveria fazer essa interpretação."

Em nota, a organização de direitos humanos Human Rights Watch disse que a decisão "é uma violação direta das obrigações legais internacionais do Brasil".

"É ainda mais perverso - para não dizer discriminatório - aplicá-lo (o fechamento da fronteira) exclusivamente a venezuelanos sobre quem a UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) já disse que 'tem ficando cada vez mais claro que um número significativo está de fato necessitando proteção internacional'."

Estadão
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