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Cidades

Diário de Brumadinho: a maior operação de busca e salvamento

'Estado' voltou à cidade um ano depois da tragédia que deixou mais de 200 mortos e encontrou um cenário diferente

16 jan 2020 - 10h10
(atualizado em 23/1/2020 às 12h04)
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BRUMADINHO, dia 357 - O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais tem o simpático comportamento em relação à imprensa de anunciar todas as suas atividades em grupos de WhatsApp de jornalistas. No dia 25 de janeiro do ano passado, foi por uma mensagem dessas que soubemos na redação que "uma barragem tinha se rompido" em Brumadinho.

Foi a colega Júlia Marques, mineira, que participava do grupo, quem viu a mensagem e deu o alerta. Foram necessários alguns minutos para entender a gravidade do desastre, iniciar a cobertura a partir da redação, acionar frilas, enviar correspondentes a campo. Nas horas e dias seguintes, praticamente toda a equipe da editoria Metrópole, e também das sucursais de Brasília e Rio, os plantonistas do portal e até mesmo o pessoal do Broadcast passou a acompanhar as notificações do "zap" dos bombeiros, que tiveram de abrir um segundo grupo para comportar não só a gente, mas tantos novos jornalistas de todo o Brasil.

Por ali, o tenente Pedro Aihara, porta-voz da corporação, mandava áudios em que tentava explicar o caos. As mensagens do grupo logo se mostraram a forma mais rápida de saber quantas pessoas haviam sido resgatadas, quantos corpos haviam sido encontrados, quantos ainda estavam desaparecidos. Por ali soubemos de sirenes acionadas, dos novos riscos. De que a busca não iria terminar tão cedo.

Diariamente, desde então, chega um informe sobre como será a operação naquele dia: quantos militares em ação, quantos cães, helicópteros, drones, quantas máquinas, quantas frentes de trabalho.

Na quarta-feira, 14, 356º dia da Operação Brumadinho, ainda estavam em campo 77 bombeiros. Ao todo, mais de 3.214 bombeiros mineiros e de outros Estados passaram pela operação, numa média de 130 por dia.

No início, a busca só podia ser feita por ar. No auge, chegaram a ocorrer 299 voos pousos e decolagens por dia, mais do que a movimentação diária do aeroporto de Confins. Numa etapa posterior, cães passaram a ser elementos fundamentais, encontrando os corpos pelo odor.

Agora, segundo o tenente-coronel Alysson Malta, coordenador da operação, o foco maior está nos maquinários. Nos últimos dias, cerca de 150 máquinas atuam na região, além de drones e equipamentos que conseguem identificar a presença de metal sob a lama, que podem representar algum equipamento que possa ter algum corpo.

Cartinhas e incentivo

No que é considerada a maior operação de busca e salvamento do Brasil, os bombeiros contam com alguns incentivos para seguir em frente. Prestes a completar um ano, ainda não foram encontradas ou identificadas 11 pessoas que foram atingidas pelos rejeitos da barragem da Vale no dia 25 de janeiro do ano passado. Ao todo, 270 morreram na tragédia.

Alguns dias depois da tragédia, crianças das regiões afetadas pelo desastre, principalmente da comunidade do Córrego do Feijão, a que ficava mais perto da mina, começaram a enviar cartinhas para os bombeiros em agradecimento aos esforços deles em buscar seus pais, mães, familiares, amigos, conhecidos.

Desenhos deixavam claro como as crianças estavam vendo a tragédia: pessoas e animais em meio à lama gritando socorro, bombeiros descendo de helicóptero para retirá-las daquele cenário.

No início os militares ficavam ao lado da igreja do Córrego do Feijão, a principal comunidade atingida. Era no jardim em frente à igreja onde pousavam helicópteros, os sacos com corpos eram colocados para serem levados ao IML. A população, já fragilizada, acompanhava a movimentação de perto.

Alguns meses depois, a operação foi movida para o outro lado do vale por onde o tsunami de lama se esparramou, mas as cartinhas continuaram chegando - e se multiplicaram. Hoje estão às centenas na Base Bravo, onde os bombeiros agora se concentram para as operações diárias.

Na sala principal da operação, uma bandeira do Brasil retirada do meio da lama inspira os profissionais para uma busca que parece não ter fim. Não tem pessoa em Brumadinho que não conheça alguém que tenha morrido naquele dia.

Uma semana após o rompimento da barragem, no ano passado, ouvi de Aihara que seu maior objetivo naquele momento, passada já a chance de encontrar pessoas com vida, era devolver às famílias um corpo para enterrar, para fechar um ciclo. Fornecer acolhimento, conforto.

Na terça-feira, 14, ao fazer um balanço para a imprensa deste quase um ano da operação, o tenente-coronel Malta repetiu essa expressão que virou quase um mantra, assim como algumas palavras-chave, quase gritos de guerra que os militares usam para manter a luta. "Fomos os primeiros a chegar e seremos os últimos a sair"; "Desistir não é uma opção"; "Enquanto houver possibilidade, haverá empenho"; "Enquanto uma família chorar, estaremos aqui."

Da etapa mais recente da operação, cerca de 95% de toda a área já contou com análise em uma faixa de três metros de profundidade, onde a maioria dos corpos foi encontrada. Faltam apenas 5% para completar esta fase, onde está a esperança de encontrar todo mundo que falta.

Desde o início do ano, as chuvas atingem a região quase todos os dias. Para continuar os trabalhos nessas condições, duas enormes tendas foram montadas em meio à chamada zona quente, para receber os rejeitos, onde os bombeiros fazem uma vistoria atrás de segmentos de corpos. Com 150 x 50 metros cada uma, elas ocupam uma área de 15 mil metros quadrados.

Mesmo quase um ano após a tragédia, em quase todos os dias, segundo Malta, ainda são encontrados segmentos de corpos. Nem sempre humanos, nem sempre de pessoas que ainda não foram localizadas.

Estadão
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