PUBLICIDADE

Bolsonaro cria cadastro que interliga dados de brasileiros e inclui informações biométricas

Decreto estabelece normas para o compartilhamento de informações entre órgãos públicos; especialistas temem riscos à proteção de dados pessoais

10 out 2019 - 20h59
Compartilhar
Exibir comentários

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro instituiu nesta quinta-feira, 10, por meio de decreto, o Cadastro Base do Cidadão, que irá integrar em uma mesma plataforma os dados pessoais de todos os brasileiros. O texto, publicado no Diário Oficial da União, também cria o Comitê Central de Governança de Dados.

O decreto estabelece normas e diretrizes para o compartilhamento de dados entre órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e demais poderes da União. Isso significa que o cadastro base será interoperável e diferentes órgãos públicos poderão compartilhar as informações.

Inicialmente, a base de dados será composta de dados biográficos como o CPF, nome, data de nascimento, sexo, filiação, endereço, vínculos empregatícios entre outros, e dados biométricos, características biológicas e comportamentais mensuráveis da pessoa natural que podem ser coletadas para reconhecimento automatizado, como a palma da mão, as digitais dos dedos, a retina ou a íris dos olhos, o formato da face, a voz e a maneira de andar. Já o Comitê Central de Governança de Dados será o responsável por definir regras, orientações e diretrizes sobre compartilhamento e aprovação da inserção de novas informações na base.

O objetivo, segundo o decreto, é simplificar a oferta de serviços públicos, orientar e otimizar a formulação, a implementação, a avaliação e o monitoramento de políticas públicas, possibilitar a análise das condições de acesso e manutenção de benefícios sociais e fiscais, promover a melhoria da qualidade e da fidedignidade dos dados custodiados pela administração pública federal, e aumentar a qualidade e a eficiência das operações internas da administração pública federal.

Ainda conforme o texto, as regras não se aplicam ao compartilhamento de dados com conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas e com o setor privado. Dados protegidos por sigilo fiscal que estejam sob gestão da Receita Federal também não poderão ser compartilhados.

Um comitê de governança, formado por sete representantes apenas do governo, irá gerenciar o acesso aos dados. Especialistas poderão ser ouvidos, mas sem poder de veto.

O decreto estabelece que as informações serão compartilhadas da forma mais ampla possível, observadas as restrições legais, os requisitos de segurança da informação e comunicações e o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Especialistas temem perda de proteção a dados pessoais

O advogado Juliano Maranhão, sócio de Sampaio Ferraz Advogados e fundador do grupo Lawgorithm, de pesquisa sobre inteligência artificial, afirmou ver a edição do decreto com preocupação em relação à proteção de dados pessoais. "A grande preocupação está no fato de o Estado construir uma unidade informacional em que podem integrar, cruzar e processar dados de tal forma que o cidadão perde o da finalidade pela qual o dado está sendo processado pelo Estado", disse.

Ele explica que o decreto não estabelece os motivos e as finalidades de compartilhamento das informações pessoais. "É uma previsão geral de compartilhamento total dos dados para prestação de serviços públicos ou execução de políticas públicas que não estão esclarecidas. O importante é ter transparência para o cidadão." Para ele, o decreto deveria ter excluído os dados pessoais das regras sobre circulação de informação entre os órgãos públicos.

Já o advogado Igor Baden Rosa, da equipe de Proteção de Dados, Direito Digital e Propriedade Intelectual do ASBZ Advogados, afirma que os benefícios do decreto são inegáveis porque "melhora a forma como a comunicação e o compartilhamento de dados e informações no setor público é feita, resulta numa maior qualidade da prestação dos serviços públicos e, sob a lógica do princípio da eficiência constante na nossa Constituição, poderia trazer benefícios até mesmo ao erário". Rosa destaca, porém, que é preciso "investir pesado em segurança e buscar sua conformidade com os dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados".

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que foi relator da Lei Geral de Proteção de Dados na Câmara, afirmou que a edição do decreto neste momento causa estranheza. "O governo é detentor de informações das pessoas para finalidades definidas que não podem ser usadas para outros fins sem autorização. Me causa estranheza essa centralização dos dados pessoais feita pelo governo, porque pode facilitar o vazamento de dados que podem produzir danos às pessoas", disse.

Para ele, a centralização das informações também pode significar um maior risco de segurança. "O governo vai comprar um risco elevado de vazamentos que podem provocar riscos aos cidadãos", acrescentar.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade