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Cidades

Arquidiocese do Rio manda que missa do Dia da Consciência Negra de 2020 seja cancelada

Evento ocorria havia 16 anos na data; em 2019, tradicionalistas atrapalharam celebração, que usava elementos afro e terminou na delegacia

20 nov 2020 - 16h36
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RIO - Frequentadores da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, na Glória, na zona sul do Rio, denunciaram que uma missa em homenagem ao Dia da Consciência Negra, comemorado nesta sexta-feira, 20, foi cancelada. Realizada anualmente na data, que é feriado estadual no Rio, a celebração foi alvo de intolerância religiosa no ano passado. Na ocasião, um grupo de católicos tradicionalistas tentou impedir a celebração. O ritual usaria elementos de culturas africanas, como atabaques, o que os adeptos da tradição consideram profanação.

O cancelamento da missa de 2020, anunciado via redes sociais na quinta-feira, 19, teria atendido a uma ordem da Arquidiocese do Rio, segundo paroquianos que frequentam a igreja. Procurada, a Arquidiocese não respondeu ao pedido de confirmação da decisão. Mas fez, na tarde desta sexta-feira, 20, uma postagem em sua página no Facebook sobre o Dia da Consciência Negra. Defende nela a necessidade de as missas seguirem a liturgia católica estabelecida.

No texto, a Arquidiocese "anima" as suas paróquias para que, "em todas as missas celebradas" neste "dia tão importante", a intenção de recordar a "dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua origem, cor ou religião, e a lei suprema do amor fraterno", esteja presente. Frisa, porém, que "é oportuno recordar que toda missa celebrada em nosso território arquidiocesano, deve sempre seguir as orientações dadas pela Congregação para o Culto Divino da Santa Sé, a Comissão para a Liturgia da CNBB e o diretório litúrgico de nossa Arquidiocese, publicado em nosso anuário".

Segundo o jornalista e produtor de vídeos Maurício Rodrigues dos Santos, os fiéis já trabalhavam na organização da missa. Na quarta-feira, 18, foram avisados pelo pároco, padre Wanderson Guedes, do pedido da Arquidiocese para que a celebração fosse cancelada. Maurício é da Pastoral da Comunicação da Paróquia Sagrado Coração de Jesus e cresceu frequentando a igreja. Sua família, moradora da Glória, também é frequentadora do templo há gerações.

"O padre obedece, pelo voto de obediência, e se resguardou, mas a comunidade não teve satisfação nenhuma. Ficamos sem poder fazer a missa que fazemos há 16 anos", afirmou Santos ao Estadão.

Na quinta-feira, 19, o paroquiano publicou em sua página pessoal no Facebook um vídeo anunciando o cancelamento da missa. Também externou sua indignação com a decisão. Outro grupo de paroquianos assinou uma carta e a mandou ao arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta, disse Santos. Segundo ele, a missa em homenagem ao Dia da Consciência Negra surgiu como uma ideia dos próprios frequentadores da igreja, há 16 anos. Isso ocorreu antes da chegada do atual pároco. A celebração era realizada anualmente, sem problemas.

Santos descreveu a celebração como uma "missa aculturada", de uma "igreja de bairro". O templo é frequentado tanto por famílias de classe média como de duas comunidades localizadas nos morros do entorno. Conforme o fiel, a missa sempre seguiu a liturgia católica normal. Usava, porém, referências à cultura africana na decoração, com panos de chita, e na música, com o uso de um atabaque.

O Estadão não localizou o padre, para que se pronunciasse sobre o cancelamento.

No ano passado, a missa em homenagem ao Dia da Consciência Negra terminou na delegacia. Um grupo de religiosos católicos tentou impedir a celebração, atacou fiéis da igreja da Glória com frases racistas. Até o padre foi acusado de ser um pecador por permitir a realização da missa. Houve tumulto, uma pessoa disse ter sido agredida e a PM foi chamada. Por coincidência, o caso foi concluído na quinta-feira, 19, com o pedido de indiciamento de cinco pessoas pela Polícia Civil.

Estadão
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