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Brumadinho: famílias de funcionários da Vale desaparecidos vivem agonia com falta de notícias

Mais do que o acolhimento de pessoas na mesma situação, famílias encontraram na Estação Conhecimento, espaço da Vale em Brumadinho (MG), uma longa espera entremeada por choro e abraços de solidariedade.

26 jan 2019 - 17h08
(atualizado às 18h10)
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Desde o início deste sábado, dezenas de pessoas se reuniram na Estação Conhecimento, um espaço da mineradora Vale na cidade de Brumadinho (MG), que está sendo usado para receber familiares e amigos de pessoas desaparecidas após o rompimento de barragens da mina do córrego do Feijão.

Foto: BBC News Brasil

Ao menos onze pessoas morreram e 299 estão desaparecidas, segundo o Corpo de Bombeiros. O último corpo estava embaixo de escombros e foi encontrado por um cão farejador.

Mas mais do que o acolhimento de pessoas na mesma situação, essas famílias encontraram na Estação Conhecimento uma longa espera, entremeada por choro e abraços de solidariedade.

A principal resposta que todos queriam, ninguém conseguia dar: a pessoa que busco está em que lista? Na de pessoas encontradas? Desaparecidas? Mortas?

Uma primeira lista de desaparecidos havia sido divulgada no site da Vale pela manhã. Havia a promessa de um novo documento, atualizado, às 12h, mas ela foi divulgada com atrasado, às 13h30. Na Estação Conhecimento, as informações eram desencontradas, para desespero de quem estava em busca de alguém.

Espalhados pelo local havia guichês, com filas, onde as famílias podiam fornecer informações sobre seus desaparecidos e telefones de contato. Uma após a outra, as famílias eram atendidas no guichês, deixavam seus dados e saiam sem respostas.

A família de Rangel do Carmo Januário, 23 anos, funcionário administrativo da Vale, aguardava no local desde a noite de sexta-feira.

"Disseram que ia sair a lista as 21h de sexta-feira. Não saiu. Nós acabamos dormindo aqui, em um colchão cedido pela empresa, apenas buscando informações", diz Alexia Jennifer, cunhada de Rangel. A área administrativa onde Rangel trabalhava foi uma das principais atingidas pela lama.

No sábado de manhã, circulou na Estação Conhecimento uma primeira lista em papel. A família diz que a identificação dessa lista não estava clara e achou que ela citava as pessoas encontradas - tanto que ver o nome de Rangel ali deixou seus parentes aliviados. Mas, horas depois, ao sentar-se no guichê, a mãe do rapaz, Sirlene do Carmo Januário, de 43 anos, ouviu que, na verdade, ele estava entre os desaparecidos.

"Estou aqui desde o meio dia de ontem, quando a barragem se rompeu, e até agora não sei [o que aconteceu com Rangel, não fiz mais nada, dormi aqui a noite toda esperando notícias. Primeiro, falaram que meu filho estava na lista de resgatados. Agora, veio outra lista em que meu filho está entre os desaparecidos", diz.

"Eu quero saber a verdade. Está havendo um descaso com todo mundo aqui, não só comigo."

Ao contestar o desencontro de informações, Sirlene ouviu apenas que deveria esperar que saísse a nova lista oficial, às 12h. Essa informação era repetida para diversas famílias, aumentando a ansiedade à medida que a manhã avançava.

Desencontro de informações

"A maior reclamação que estamos ouvindo das famílias é de desencontro de informações. O caso dela (Sirlene) não é o único, várias pessoas estão passando por isso", disse a defensora pública Erika Almeida Gomes, que veio de Belo Horizonte para participar do plantão da Defensoria no local.

No primeiro momento, o objetivo da Defensoria era dar um primeiro acolhimento as famílias. A tarefa principal virá depois: reunir informações para montar um processo coletivo contra a Vale.

Procurada pela BBC News Brasil, a Vale disse que não comentará as críticas feitas por familiares das vítimas e ressaltou que eles devem recorrer à lista oficial divulgada em seu site.

O calor era intenso e voluntários passavam distribuindo águas em copos plásticos. Uma unidade móvel dos bombeiros atendia pessoas que passavam mal.

Às 12h, horário previsto para a divulgação da nova lista, uma mulher jovem se desesperou e começou a gritar em frente as mesas de atendimento: "Eu quero saber do meu marido. Onde está o meu marido!"

"Ela está certa, não falam coisa com coisa", comentou uma senhora que observava a cena. A jovem saiu do local aos prantos, amparada por um parente, sem conseguir informações.

Logo depois houve um momento de silêncio na Estação Conhecimento. Todos formaram uma roda no pátio central para uma oração. Em coro, repetiram Pais Nossos e Aves Marias. Muitas pessoas choraram, apoiando-se em familiares ou amigos.

Fernanda Alves de Oliveira, de 30 anos, estava apoiada no pai, que segurava sua mão com força. Ela procura o marido Alex Rafael Piedade, de 36 anos, que trabalha na Vale como eletromecânico.

"Só falam que a lista vai sair. Até agora, o nome dele não está em nenhuma delas", disse.

O pai de Fernanda, João Martins de Oliveira, contou como a família tomou conhecimento da tragédia: "A gente soube pelo zap. Até esse momento, ninguém da empresa nos comunicou de nada".

"Nem sequer ligaram para a gente", emendou Fernanda. Alex trabalha na Vale, com carteira assinada, há 10 anos. A empresa tem todos os dados da família.

"É muita falta de informação. Acredita que uma pessoa chegou a dizer para a gente ir para o IML? Lá tem 5 corpos. Gente, são 300 pessoas desaparecidas. Se 300 famílias forem lá reconhecer 5 corpos, como vai fazer? E quando chegar um corpo novo, teremos que ir lá tudo de novo?", pergunta o irmão de Alex, Carlos Antonio Piedade.

Alex e Fernanda têm dois filhos, um de 10 e outro de 2 anos. "O mais velho percebeu a movimentação e viu as notícias. Ele está esperançoso e me falou: o papai está vivo. E ele está lá salvando todo mundo. Ele é muito forte", conta Fernanda.

Uma tia de Fernanda não acreditava que Alex seria encontrado com vida. "Acho difícil, mas que pelo menos encontrem o corpo. Aí, sabe onde está. Quando não acha, é muito difícil", disse.

Com o relógio se aproximando de 13h - e sem nenhuma nova lista -, o almoço foi servido.

Atendimento

Além da Defensoria, Bombeiros, Cruz Vermelha, Defesa Civil e Serviço Social da Prefeitura de Brumadinho estavam no local atendendo as famílias. Todos estavam vestidos com roupas que os identificavam.

Havia poucos representantes da Vale no lugar. Um porta-voz da mineradora garantiu, no entanto, que dezenas de membros da empresa na estavam na Estação Conhecimento - eles só não estavam vestindo uniforme, ao contrário dos outros grupos.

Ali também há uma pequena sala de controle da Vale. Por volta das 13h, representantes da empresa estavam decidindo como fariam a divulgação da lista: por megafone, chamada nominal ou lista colada na parede?

"Estamos no momento mais sensível do dia: a logística da lista", disse o Leonel Lisboa, da área de direitos humanos da Vale.

Finalmente, às 13h10, um homem anunciou ao megafone que as novas listas seriam anunciadas em breve. Eram três: quem foi encontrado com vida, quem não foi contatado e famílias resgatadas e enviadas para hotel.

Por volta de 13h30, as famílias puderam se dirigir aos guichês para ver os nomes. Houve comoção e até desmaios.

Entre as pessoas com as quais não foi possível estabelecer contato, estava o primo de Glaucineia Golçalves, também funcionário da Vale.

"Estamos fazendo o trajeto para cá (Estação de Conhecimento) o tempo todo, desde ontem à noite. A mulher do meu primo, Amanda, não consegue ficar em casa. Ela acha que aqui vai conseguir algo mais. Mas aqui é só expectativa, você sai pior do que chegou."

Eram 15h. Subitamente, uma forte chuva começou a cair em Brumadinho, varrendo o forte calor que dominava a Estação Conhecimento.

No megafone, uma voz voltava a prometer a divulgação de outra lista, em um ciclo angustiante. As famílias, por sua vez, voltavam a se enfileirar nos guichês.

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