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Brasil avançou na legislação de combate à pedofilia na internet, avalia ONG

7 fev 2010 - 13h02
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Há cinco anos uma organização não governamental (ONG) trabalhaem favor da proteção aos direitos humanos na chamada sociedade dainformação. ASaferNet surgiu a partir de uma série de pesquisas realizadas em2004 que mostraram como a

internet

era utilizada para oaliciamento, a produção e a difusão de mensagens racistas,homofóbicas, de intolerância religiosa, e de apologia e incitaçãoa crimes.

Além doscrimes virtuais na rede, os pesquisadores verificaram no mundo realas dificuldades da polícia e da própria sociedade civil em coibir ouso da rede para a circulação de imagens de abuso sexual decrianças e adolescentes.

"Vimosum retrato de que o Brasil não fazia nada a respeito disso. Haviauma omissão generalizada de ONG, das empresas e do Estado a respeitodisso", conta Thiago Tavares Nunes de Oliveira, presidente daSaferNet.

A partirde então, os cientistas da computação, professores e advogados queparticiparam da pesquisa criaram um sistema online pararecebimento, tratamento e processamento de denúncias. Essainiciativa foi o embrião da SaferNet, que se tornou parceira daPolícia Federal, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e doMinistério Público Federal para rastrear pornografia infantil,mensagens e imagens que estimulem o abuso sexual de meninos emeninas.

Leia aseguir trechos da entrevista concedida por Thiago de Oliveira àAgência Brasil.

AgênciaBrasil: Nos últimos anos, o Brasil aprovou uma série de leisque aperfeiçoaram o combate e a punição a crimes cometidos contracrianças e adolescentes. A Lei 11.829/2008, que alterou o Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA), é um instrumento importantecontra a pedofilia na rede?

Thiagode Oliveira: A lei avançou na tipificação de novas condutasque não estavam previstas na legislação brasileira. A exemplo daposse, do armazenamento de fotografias e imagens de pornografiainfantojuvenil, do assédio online, aliciamento, da compra,aquisição, exposição à venda. Antes dessa lei, a alteraçãofeita em 2003 regularizava apenas a venda. Então era necessário comprovar a existência da transação financeira de compra e venda.A mera exposição à venda, o anúncio não era criminalizado noBrasil. O Brasil é o terceiro país do mundo a criminalizar afotomontagem, que é usar fotos de criança e fazer montagens emcenários e contextos de pornografia de sexo explícito.

ABr: Equanto ao combate ao assédio de crianças e adolescentes, houveavanço?

Oliveira:O assédio e oaliciamento online não eram tipificados no Brasil, passaram aser. Além dessas novas condutas que foram criminalizadas, essa novalei seguiu uma sistemática que nós propusemos no relatório dapesquisa, que é classificar as condutas de acordo com o seupotencial ofensivo em tipos penais autônomos e independentes. O quenós sugerimos ao Senado, no âmbito da CPI Comissão Parlamentarde Inquérito , foi acatado integralmente e acabou virando lei.Classificar essas medidas de acordo com seu potencial lesivo e com osestágios do crime no modus operandi tradicional, como ocorrena internet. Por exemplo, um usuário entrou na rede, acessouuma sala de bate-papo e iniciou um contato com uma criança ou comadolescente. A partir daí, ele iniciou um processo de assédio, dealiciamento com o objetivo de produzir imagens. Se ele incorreuapenas nessas condutas, de assediar e aliciar, já responde por umtipo penal específico, previsto no ECA Estatuto da Criança e doAdolescente . Se ele, ao aliciar, conseguiu convencer essacriança ou adolescente a se expor na webcam ou a produziralgum tipo de foto de cunho pornográfico ou de sexo explícito, jáincorreu em um outro tipo de crime penal. Se ele acabou dandoprintscreen na tela e salvou aquelas imagens em forma de foto,de vídeo, ao armazenar no computador, ele incorreu em um terceirocrime, que é o de armazenar ou possuir. Se, além de armazenar, elecolocou isso na internet, incorreu em mais um crime, que é ode divulgar, distribuir e publicar imagens de pornografia infantil.Ou seja, ele pode ter incorrido em quatro crimes: assédio; produção;posse e armazenamento e publicação. São crimes autônomos deacordo com a norma sistemática do ECA e as penas, portanto, podemser somadas dando mais de 20 anos de reclusão. Toda a cadeia decondutas que pode vir a ser praticada por meio da internet como objetivo de cometer um crime sexual contra uma criança ou umadolescente passou a ser prevista na legislação brasileira.

ABr:Uma coisa que é sempre mencionada é que não há meios decoibir crimes como esses na internet porque os servidores(local de armazenamento dos dados) estão no exterior. Nesse caso, hácomo ter controle?

Oliveira:Essa palavra controle, em se tratando da internet, tem umaconcepção que, quando colocada em um contexto libertário, assumeuma acepção bastante distante daquilo que se pretende efetivamente,que é identificar criminosos que pretendem utilizar a internetcomo um meio para a prática do crime. A rede é inimputável, nósnão podemos criminalizar o acesso à rede, o uso ou a rede em si. OBrasil não é dono na internet, faz parte da rede. Mais 213países acessam a rede e, desses, nem todos tem uma legislaçãoespecífica e menos de 10% deles assinaram um tratado internacionalcontra o cyber crime,que foi adotado em uma convenção em Budapeste em 2001. A internetnão respeita um mapa político e não está restrita aos limitesgeográficos dos estados nacionais. O modelo jurídico foi pensado deacordo com as jurisdições nacionais e, portanto, tem validadedentro do território brasileiro. Mas isso não significa dizer queum usuário brasileiro que cometeu um crime no país contra umbrasileiro usando um serviço como o Orkut prestado por umaempresa que tem sede na Califórnia e cujo datacenter estálocalizado nos Estados Unidos, e, portanto, lá estão as provas não vá responder à Justiça brasileira, embora tenha utilizado umserviço prestado remotamente por uma empresa que tem sede em outropaís para praticar esse delito. Foi o caso do Orkut, que também foiobjeto de atuação da CPI da Pedofilia. A empresa se recusava afornecer esses dados, alegando que seus servidores estavam nosEstados Unidos e que, portanto, a legislação americana seriaaplicada. E essa tese acabou caindo com a assinatura do termo deajustamento de conduta entre o Google e o Mistério Público Federal.

ABr:A adesão das operadoras de cartões de crédito foi outra vitória?

Oliveira:No caso dos cartões decrédito, de 2006 pra cá, mapeamos aproximadamente 2,5 mil portaiscomerciais que realizam transações financeiras de compra e venda depornografia infantojuvenil pela internet. Esses portais, namaioria dos casos, são mantidos por organizações criminosas,principalmente do Leste Europeu e esse é um negócio dessasorganizações mafiosas. Elas normalmente hospedam esses portais noschamados paraísos cibernéticos, que são países onde não háqualquer tipo de repressão contra a utilização da rede para aprática de crimes. Brasileiros entram nesses portais para comprarmaterial de pornografia infantil e utilizam cartões de créditos.Não há outro mecanismo de investigação que não seja orastreamento financeiro. Os sites são conhecidos, nós temosa lista, mas não são sites hospedados no Brasil e não sãomantidos por organizações brasileiras. Nós queremos saber quem sãoos brasileiros envolvidos, porque basta comprar, pois de acordo com anova lei a compra já é crime.

ABr:Você diria que, com essas recentes alterações na lei, o Brasilhoje já está em um patamar de primeiro mundo em relação a coibiresses crimes na internet?

Oliveira:Do ponto de vista legislativo, sim, tanto é que o presidente LuizInácio Lula da Silva recebeu um prêmio da ONU Organizaçãodas Nações Unidas por conta dessa lei. No dia 18 de maio, aOrganização Internacional de Telecomunicações, no seu encontroanual, conferiu a ele um prêmio em reconhecimento pelo avançoviabilizado a partir dessa nova legislação. Isso não significadizer que somos um exemplo de combate.

ABr:O presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Criança e doAdolescente no Congresso Nacional, deputado Paulo Lustosa (PMDB-CE),disse à Agência Brasil que um levantamento sobre os casosinvestigados por uma CPI mista que, em 2004 e 2005, tambéminvestigou abuso sexual mostra que até hoje apenas três acusadostiveram condenação, de 80 casos identificados pela comissão. Issopode estar acontecendo também com a internet?

Oliveira:Com certeza está acontecendo, talvez de uma forma até maisdramática, porque, no caso do crime cibernético, a volatilidade dasprovas é muito grande. A atuação tem que ser praticamenteimediata. A investigação tem que acontecer de forma muito rápida.

ABr:Daqui a cinco anos serápreciso uma nova CPI da pedofilia?

Oliveira:As CPIs têm o mérito de dar visibilidade ao problema, de mobilizara sociedade. É inegável que a CPI coloca o assunto na pauta e faz apopulação se sentir encorajada a denunciar. Esse é um crime que,historicamente, não só no Brasil, mas no mundo, sempre foi pouconotificado. O que a gente conhece desse fenômeno é só a ponta doiceberg. Existe uma realidade enorme que não aparece nasnotícias, que não aparece nas denúncias e nas estatísticas, principalmente, quando é um abuso intrafamiliar. Associada a isso,há uma impunidade muito grande e isso vai se refletir tanto noaspecto da denúncia quanto no aspecto do agressor. A pessoa pensa,eu vou denunciar pra quê? Se for preso a Justiça vai mandar soltar.São essas peças que vão compondo esse quebra-cabeça. A CPI mistanão culpou a internet porque o foco era o abuso sexual decrianças fora da rede. Nesse aspecto, foram apresentados quatroprojetos de lei e desses, apenas um foi aprovado, que é a Lei nº12015. Ainda assim, essa lei foi aprovada cinco anos depois de serapresentado o projeto. É uma lei que apresenta defeitos e é objetode uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo TribunalFederal.

ABr:Vocês têm algum levantamento sobre o volume de denúncias relativoa esses crimes sexuais contra crianças e adolescentes na internet?

Oliveira:No site tem uma evolução desde janeiro de 2006 até dezembrode 2008, do número de páginas únicas. Uma URL página nainternet geralmente é denunciada várias vezes, por váriosusuários, e o sistema filtra automaticamente essa duplicidade. Eainda tem o número de páginas novas criadas por mês que foramobjetos de denúncia. Em junho de 2008, por exemplo, foram mais de 6mil páginas novas que foram denunciadas.

ABr:Tem alguma razão especial para esse pico em junho de 2008?

Oliveira:Estava no calor da CPI que começou no final de março .Há uma influência grande do Orkut nesses indicadores, 90% dasdenúncias eram do Orkut em junho de 2008 , que estava noolho do furacão. E havia a mídia em cima, muitas matérias deimprensa, de TV falando disso, o que acaba estimulando o usuário adenunciar.

ABr: Éuma escala totalmente crescente nos últimos três anos.

Oliveira:Em 2006 foram 31 mil denúncias, em 2007, 63 mil e em 2008, 94 mil.

ABr:Fazendo uma comparação entre o mundo real e o mundo virtual, opedófilo da internet é o mesmo pedófilo abusador no espaçoreal?

Oliveira:Não, porque no espaço real o abuso sexual normalmente acontecedentro de casa, 57% dos abusos sexuais do mundo, segundo estatísticasda ONU, são interfamiliares, acontecem dentro da própria casa. É opai, ou o padrasto, ou é o primo, ou o tio, alguém da família quetem ascendência sobre a criança. E a exploração sexual vitimizaas crianças das classes D e E. São as crianças que estão nasestradas, que andam na boleia de caminhão, na periferia das cidades,nos destinos turísticos, nas praias de Salvador, de Fortaleza, deNatal, na região do Marajó, no Pará. São essas redes deexploração sexual que têm a pobreza como um facilitador. Aspessoas acabam até vendendo os seus filhos, colocando-os nessasredes de exploração sexual em troca de dinheiro. A exploraçãosexual no Brasil vitimiza as crianças das classes D e E enquanto nainternet as vítimas são das classes A e B e agora, maisfrequentemente, também da classe C, com a entrada dela na internetna medida em que ocomputador vai se popularizando. Então, o perfil é diferente. Opedófilo que atua na internet normalmente é aquele sujeitoque não quer correr o risco de ser pego na rua assediando umacriança. Ele está usando uma sala de bate-papo, MSN, site derelacionamento para fazer um primeiro contato com o objetivo detentar alguma aproximação com a criança, fazer com que ela seexiba na webcam, aceite um diálogo privado. Isso tudo deixarastros e faz da internet uma grande aliada nesses casos,porque, se não fosse a rede, nós não conseguiríamos descobriressas pessoas.

ABr:Que conselho você dá aos pais quanto ao acesso dos filhos àinternet?

Oliveira:Conversem abertamente com seus filhos, expliquem que a interneté uma ferramenta fantástica de comunicação, de entretenimento, deinformação, de acesso ao conhecimento, de estudo, de lazer, mas elaé um espaço de socialização. E, como espaço de socialização,ela é o reflexo da sociedade, naquilo que ela tem de bom e de ruim.A internet nada mais é do que um reflexo da sociedadebrasileira em um primeiro momento e ainda um reflexo da sociedademundial, em todas as suas virtudes e em todos os seus defeitos.Então, assim como você vai encontrar conteúdos fantásticos efabulosos na rede, você vai encontrar pornografia infantil, crimesde ódio, discriminação, violência, imagens de violência extrema.E são esses espaços da rede que os pais devem ensinar as criançasa reconhecer e evitar.

Agência Brasil Agência Brasil
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