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'Armamento é privilégio para elites': a nova estratégia de Eduardo Bolsonaro para baratear armas no Brasil

Segundo o deputado federal, entrada de empresas estrangeiras vai aumentar a concorrência no setor, hoje dominado pela brasilera CBC/Taurus, e gerar empregos no país.

26 jan 2020 - 13h27
(atualizado às 13h52)
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Eduardo Bolsonaro participa de jantar oferecido pelo presidente indiano, Nath Kovind, em visita oficial do pai à Índia
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Foto: Alan Santos/PR / BBC News Brasil

Originário da "bancada da bala", Eduardo Bolsonaro aproveitou a eleição do pai como presidente da República para mudar o rumo da carreira de deputado federal e mergulhar em temas ligados a relações internacionais.

A partir de 2019, depois de quatro anos como titular em comissões "domésticas" ligadas a segurança, direitos humanos e educação, o deputado estreou como titular na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (Credn) da Câmara já como presidente. Também assumiu posto na subcomissão que debate a crise na Venezuela.

O objetivo da virada ficou mais claro com o tempo: Eduardo queria ser embaixador do Brasil nos EUA, tinha o aval do pai e do chanceler Ernesto Araújo.

Mas, depois enfrentar dura resistência no Senado e ter o currículo questionado dentro e fora do Itamaraty, o filho do presidente parece agora estar voltando às origens.

Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, em Nova Déli, onde acompanha o pai em viagem oficial à Índia, Eduardo conta que vai deixar a comissão dedicada a temas estrangeiros para se dedicar à democratização do acesso às armas no Brasil — um dos temas mais seminais da bancada da bala.

O parlamentar tem conversado com gigantes estrangeiras do mundo dos armamentos e munições, como a alemã SIG Sauer e a italiana Beretta, e quer ajudá-las a abrirem filiais no Brasil. Outras empresas do setor, como a austríaca Glock e a americana Smith & Wesson também estariam interessadas em investir no país.

O objetivo, diz, é "gerar empregos no Brasil, abrindo finalmente uma concorrência nesse setor, que hoje é dominado pela CBC/Taurus" — empresa privada que é alvo de críticas por dominar o setor e ter forte lobby junto a parlamentares, militares e forças de segurança.

Eduardo também quer tentar simplificar o acesso a licenças para atiradores e caçadores. "Tudo hoje está caminhando para ser feito através de aplicativo e internet."

Bolsonaro e primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, fecharam 15 acordos de cooperação durante visita oficial
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Foto: Alan Santos/PR / BBC News Brasil

A reportagem lembra o deputado do enorme volume de assassinatos com armas de fogo no Brasil. Segundo o Atlas da Violência 2019, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país tem mais de 65 mil homicídios por ano. Pessoas negras são vítimas de 75,5% dos crimes.

"Essa ideia de quanto mais armas, mais mortes, é totalmente falida. Quanto mais armas nas mãos dos criminosos, aí sim eu tenho certeza de que são mais mortos", afirma.

O parlamentar também comenta a polêmica envolvendo uma possível divisão do ministério da Segurança Pública e Justiça, comandado por Sergio Moro: "Foi sepultado".

Leia a entrevista na íntegra.

BBC News Brasil - O senhor me disse há pouco que tem como prioridade em 2020 se dedicar ao setor de defesa e armamentos. Como pretende atuar?

Eduardo Bolsonaro - Nesse ano, eu pretendo não continuar na presidência da Credn (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional). Também não pretendo ocupar uma cadeira na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), uma comissão importantíssima mas que ocupa praticamente toda a semana do deputado. Então vou ter espaço para trabalhar principalmente voltado para o Brasil, e uma das bandeiras que pretendo colocar adiante é essa das armas.

BBC News Brasil - Qual é o panorama do setor hoje no Brasil e o que o senhor pretende mudar?

Eduardo Bolsonaro - Existem dois fatores que podem ser tocados adiante. A implementação de fábricas de armas estrangeiras que pretendem abrir e gerar empregos no Brasil, abrindo finalmente uma concorrência nesse setor, que hoje é dominado pela CBC Taurus.

E também uma facilitação com relação à burocracia de atiradores, colecionadores e caçadores para a retirada dos seus registros. A informatização… tudo hoje no país está caminhando para que seja feito através de aplicativo e internet, e não tem motivo para que a parte dos atiradores se mantenha no modelo arcaico, na base do papel e da caneta.

BBC News Brasil - O objetivo ao trazer empresas estrangeiras é baixar o preço, aumentar o acesso?

Eduardo Bolsonaro - Tem um conteúdo teórico, da economia liberal: você abrindo a concorrência, melhora a qualidade e baixa o preço.

E a crítica que eu tenho é que hoje em dia, em que pese as flexibilizações que o presidente Bolsonaro tem feito, a compra de um armamento segue quase um privilégio para as elites. O armamento é muito caro, muito tributado, e a lei hoje praticamente exige que você seja filiado a um clube de tiro, tenha um despachante, para conseguir importar ou comprar uma arma nacional.

Essa é a realidade que eu quero mudar. E trazendo empresas estrangeiras para o Brasil e abrindo concorrência, a tendência do preço certamente é reduzir.

BBC News Brasil - O senhor já falou com alguma empresa estrangeira? Que empresas seriam essas?

Eduardo Bolsonaro - Já fui procurado por empresas, entre elas a [alemã] SIG Sauer. Acredito que outras empresas também estão quase certas desse interesse de abrir no Brasil, muito provavelmente [a italiana] Beretta, [a checa] CZ. Inclusive, rumores há pouco tempo atrás, de a empresa do Oriente Médio Caracal abrir uma fábrica em Goiás.

Quem é do mundo das armas sabe que esses boatos sempre existem, mas na ponta acabam nunca se concretizando. O caso mais notório é o da europeia Ruag, uma fábrica de munições, que depois de 7 anos tentando abrir a sua fábrica, desistiu de fazê-lo.

O Brasil tem que ser um país aberto ao mercado, aberto à livre iniciativa, e isso também compreende o setor das armas.

Para Eduardo Bolsonaro, Brasil tem que ser um país aberto ao mercado também compreende no setor de armas
Para Eduardo Bolsonaro, Brasil tem que ser um país aberto ao mercado também compreende no setor de armas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Brasil - O Brasil, como o senhor sabe, é um país com uma taxa de homicídios muito alta por conta de armas de fogo. São mais de 60 mil homicídios por ano — em 1980 eram em torno de 8 mil. Trazer mais armas e baratear o armamento não é uma jogada arriscada em um país ainda tão violento?

Eduardo Bolsonaro - De maneira nenhuma. Nós experimentamos uma política desarmamentista. O Brasil, de 2003 em diante, quando os mensaleiros aprovaram o Estatuto do Desarmamento, tornou dificílimo comprar uma arma de fogo, e a gente segue aí com taxas altíssimas.

É a primeira vez em que temos uma quebra brutal de 22% nos homicídios, isso no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro junto com o ministro da Justiça, Sergio Moro.

Ou seja, em 2019 flexibilizou-se o acesso às armas de fogo e os homicídios reduziram. Essa ideia de quanto mais armas, mais mortes, é totalmente falida. Quanto mais armas nas mãos dos criminosos, aí sim eu tenho certeza de que são mais mortos.

BBC News Brasil - Muitos especialistas discordam do senhor. Há a experiência da Austrália que flexibilizou e teve alta em homicídios, há o caso norte-americano, que tem uma epidemia de atiradores, apesar de ter um índice de homicídios muito diferente do brasileiro. Isso é levado em consideração?

Eduardo Bolsonaro - Com certeza, os EUA são um bom exemplo. E não vou negar o exemplo do Japão, que os desarmamentistas usam muito. Mas é uma ilha que há séculos usa o desarmamento, desde o tempo dos samurais, para se conseguir uma espada, então é um caso excepcional.

Os EUA, há décadas, vêm mudando sua legislação, principalmente estadual, e permitindo acesso às armas de fogo. Dos anos 1980 para cá, quando os EUA tinham mais ou menos a mesma taxa de homicídios do Brasil, o Brasil só viu a taxa de homicídios subir e os EUA só viram a taxa de homicídios descer.

O que é melhor? O Brasil desarmado ou os EUA armados? Então acho que podemos aplicar essa medida no Brasil, lembrando que há pouco tempo, antes do desarmamento, as pessoas não se matavam no trânsito e não havia um número grandioso de mortes. Pelo contrário. Havia mais armas e menos mortes.

Deputado diz que controvérsia sobre separação entre os ministérios da Justiça e da Segurança Pública, comandados por Sergio Moro, foi 'sepultada'
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Foto: Adriano Machado/Reuters / BBC News Brasil

BBC News Brasil - O senhor falou em queda de 22% nos homicídios como resultado das políticas de Bolsonaro e Moro. Acaba de acontecer a controvérsia sobre uma possível separação entre o ministério da Justiça e o ministério da Segurança Pública. Como viu o episódio?

Eduardo Bolsonaro - Vi uma polêmica desnecessária. O presidente, pousando aqui na Índia, já descartou essa possibilidade. Agora, quando o presidente recebe uma demanda de 20 secretários de segurança pública, o mínimo que ele tem que fazer em respeito a essas autoridades é analisar e fazer os estudos. Consultados os ministros e amadurecida a ideia, foi sepultado. Então, não corre esse risco.

BBC News Brasil - A base do senhor e do presidente ficou muito preocupada durante as 48h de dúvida em relação a esse caso. Muita gente questionando como o governo ficaria em uma eventual saída do ministro. O governo sobrevive sem Sergio Moro?

Eduardo Bolsonaro - Eu acredito que não tem nem que se cogitar esse tipo de coisa. Quando eu saí de férias, no final do ano, muita gente dizia que o ministro [da Educação] Abraham Weintraub estaria saindo de férias para não retornar mais. Que seria demitido. Agora a história parece que se repete com Moro. Não vi risco nenhum disso acontecer. O que existiu foram 20 secretários de segurança pública trazendo uma demanda ao presidente que estudou e em 48h acabou sendo sepultada.

Os secretários de Segurança Pública não se sentiram desrespeitados e o presidente já avisou que mais cedo ou mais tarde vai se encontrar com o ministro Sergio Moro, assim como vai se encontrar com outros ministros, como Paulo Guedes [da Economia]. Vida normal.

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