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Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao associar atos dos EUA à eleição em 2022?

Especialistas divergem sobre as consequências da fala do presidente, como por exemplo a perda do mandato

7 jan 2021 - 21h59
(atualizado em 8/1/2021 às 14h45)
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Ao levantar dúvidas nesta quinta-feira, 7, sobre confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro associou a invasão do Capitólio por extremistas pró-Donald Trump à eleição presidencial no Brasil em 2022.

Sem citar diretamente o ataque, Bolsonaro afirmou que o voto eletrônico pode levar o Brasil a ter um problema pior que os EUA. "E aqui no Brasil, se tivermos o voto eletrônico em 2022, vai ser a mesma coisa. A fraude existe", disse a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. A declaração foi tratada como "ameaça" pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A afirmação pode ser enquadrada como crime de responsabilidade e levar o presidente ao impeachment? Especialistas ouvidos pelo Estadão divergem.

Para a criminalista Marina Coelho Araújo, diretora-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a declaração pode ser enquadrada na Lei do Impeachment (lei nº 1.079, de 1950).

"Em relação ao crime de responsabilidade, a fala dele pode ser considerada grave", afirmou Marina. "São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem especialmente contra o exercício dos direitos políticos individuais e sociais, a segurança interna do País, o livre exercício do Poder Legislativo", afirmou, citando o artigo 4º da lei.

"Essa conduta (do presidente) está indo de encontro ao exercício dos direitos políticos (dos cidadãos. Ele está dizendo que, se não houver voto impresso como ele quer, a gente vai ter uma situação de anomia (anarquia) no País. E, na minha visão, ele está dizendo que vai copiar o que o Trump fez", afirmou a criminalista. Ela acrescentou ainda que o Estado brasileiro tem uma estrutura para decidir como é realizada a eleição e que não é o presidente quem decide se haverá voto impresso.

Os crimes de responsabilidade podem levar à perda do mandato, mas isso depende do seguimento de um pedido de impeachment no Congresso Nacional. Para um processo de impeachment ter início, ele precisa ser aceito pelo presidente da Câmara. Maia já disse que não iria pautar a discussão. Ele deixa o comando da Casa no início de fevereiro.

Para o também criminalista Fábio Tofic Simantob, também é possível enquadrar a fala de Bolsonaro no artigo 6º da lei. "À rigor, praticar violência ou ameaça contra juiz ou tribunal para que ele decida de alguma forma poderia caracterizar (crime de responsabilidade)", disse. Simantob, no entanto, faz a ressalva de que está falando em tese.

"Por que, no fundo, ele está dizendo ao Tribunal Superior Eleitoral que se deve mudar a forma de realizar as eleições, caso contrário ele vai patrocinar um motim", afirmou.

Já para o constitucionalista Roberto Dias, coordenador da graduação em Direito da FGV-SP, a declaração de Bolsonaro desta quinta-feira não pode ser enquadrada como crime de responsabilidade. "Na minha visão, é uma fala que desmerece o sistema eleitoral, que é seguro. É uma prática recorrente do presidente, que ataca a democracia constantemente. Mas nessa fala específica, não me parece que se enquadraria em algum tipo de crime de responsabilidade por si só", afirmou Dias. Sobre posturas anteriores do presidente, ele disse: "Não tenho dúvida alguma que ele (Bolsonaro) praticou inúmeros atos que caracterizam crime de responsabilidade".

Os advogados ouvidos pelo Estadão também descartam que na fala do mandatário possa ser enquadrado no Código Penal. De acordo com a criminalista Marina Coelho Araújo, as atitudes que são assim enquadradas cumprem alguns requisitos legais que, na opinião dela, não estão presentes na atitude de Bolsonaro.

Nota de repúdio da OAB-SP

Em resposta à fala de Bolsonaro, as comissões de Direito Eleitoral e de Direitos Humanos da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil emitiram uma nota de repúdio. O texto classifica a postura do mandatário como uma investida contra o sistema de votação eletrônica brasileiro que tenta "justificar a inaceitável invasão de extremistas ao Congresso Americano" em busca de proveito político.

O texto afirma que a OAB "expressa a absoluta confiança no sistema de votação eletrônica implantado no Brasil desde 1996 e que vem garantindo eleições legítimas que asseguram a soberania do voto dos cidadãos".

Estadão
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