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Bastidores: Julgamento do STF teve 'Armageddon', voto perdido e 'briga de trânsito'

Nem tudo foi transmitido ao vivo pela 'TV Justiça' na sessão que derrubou a prisão após segunda instância

8 nov 2019 - 10h04
(atualizado às 10h07)
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BRASÍLIA - O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) mais aguardado do ano, que abriu caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi marcado por momentos inusitados, descontraídos e também muita tensão, em que os ministros revelaram, digamos assim, "seu lado humano". Quando "Vossas Excelências" se colocaram no patamar de "vocês".

Ao todo foram quatro dias e cinco sessões no plenário da Corte para decidir que um condenado só poderá começar a cumprir sua pena após o esgotamento de todos os recursos (o famoso "trânsito em julgado", em juridiquês).

Em uma das sessões, ainda no mês passado, houve raios e trovões no céu de Brasília, enquanto o ministro Alexandre de Moraes criticava o clima de "Armageddon" (a batalha final das forças entre o bem e o mal) em torno da decisão do STF sobre a execução antecipada de pena.

Na quinta, teve a ministra Cármen Lúcia perdendo o próprio voto no computador. E quando tudo caminhava para o desfecho, os ministros Ricardo Lewandowski e o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, se desentenderam por causa de uma determinação do Palácio do Planalto para interditar o trânsito nas imediações do tribunal na próxima semana, em virtude da Cúpula do Brics. Nem tudo foi transmitido ao vivo pela "TV Justiça".

No início do julgamento, em outubro, Moraes abriu a corrente a favor da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Na ocasião, criticou o clima de "radicalismo político" e as ofensas disparadas contra integrantes da Corte - que são investigadas em inquérito sigiloso do qual Moraes é relator.

"O salutar debate vem sendo substituído por uma falsa pregação fundamentalista da chegada do Armageddon, após cada decisão judicial, do resultado de uma pseudo luta do bem contra o mal", criticou Moraes.

Nessa hora, houve um "pico de luz" (uma queda momentânea de energia) dentro do próprio tribunal. Cármen Lúcia (que perderia o voto depois) chegou a brincar nesse momento, dizendo que o ministro traria "luz" para o Supremo.

Nessa quinta-feira, foi a vez de Cármen ser a vítima da escuridão. Ao iniciar a leitura do voto, a ministra desabafou. "Não farei a leitura integral do meu voto que até hoje se perdeu num acidente de computador", contou. Questionada pelo Estado no intervalo da sessão sobre o episódio, a ministra respondeu: "Morar em lugar que cai a luz quando chove…". Horas antes, Brasília havia enfrentado um forte temporal, alagando ruas da cidade.

Cármen aproveitou o intervalo e a tietagem do público para posar em fotos ao lado de estudantes de Direito - algo que não costuma fazer.

A ministra não foi a única que, diante do plenário lotado, acenou para a plateia. Luís Roberto Barroso aproveitou o fim de uma das sessões para fazer uma "minipalestra". Ao ser abordado por alunos de Direito de Minas Gerais e do Distrito Federal, Barroso conversou com o grupo, deu recados sobre ética e patriotismo e defendeu o surgimento de uma geração de jovens idealistas para mudar os rumos do País.

Para o ministro, apesar da crise política, econômica e ética que abala o País, "nós vamos sair disso melhores do que entramos". Parecia um recado de otimismo diante da iminente derrota da Lava Jato.

'Estado de guerra'

O momento mais inusitado de todo o julgamento coincidiu justamente com o esperado clímax - quando Toffoli se preparava para iniciar a leitura do voto que desempataria o placar e definiria o resultado, na noite de quinta.

Antes de se posicionar sobre a controversa questão, Toffoli comunicou os colegas que, por causa da Cúpula do Brics, marcada para a semana que vem, o acesso à Esplanada dos Ministérios e às vias secundárias que circundam o STF estará bloqueado, o que poderá causar transtornos para servidores chegarem ao tribunal.

A restrição no trânsito está prevista em decreto editado pelo governo Jair Bolsonaro, informou Toffoli. "É um Estado de guerra", exagerou Marco Aurélio.

O ministro Ricardo Lewandowski também protestou contra o fechamento das vias. "Quero manifestar minha estranheza e minha perplexidade", disse o ministro, enquanto o País inteiro aguardava o voto de Toffoli que derrubaria a prisão após condenação em segunda instância.

"Não me parece que o Poder Executivo possa impor condições de funcionamento ao Poder Judiciário. A Constituição não garante o livre exercício dos Poderes? Espero que os servidores do meu gabinete não passem por nenhum constrangimento."

Ao final da discussão, Toffoli decidiu acabar com a polêmica, dando folga para todos. O presidente prometeu editar uma portaria decretando pontos facultativos no tribunal nos dois dias de evento - 13 e 14 de novembro - e suspendendo o prazo de contagem dos processos. A sessão chegou a ser interrompida por dez minutos para esfriar os ânimos, e só depois disso a atual jurisprudência do STF (que permite a execução antecipada de pena) foi derrubada.

Encerrado o trabalho do Supremo, as atenções se voltam agora para os juízes que atuam nas varas de execução penal, que decidirão sobre a soltura ou não de réus que já foram condenados pela Justiça. Enquanto isso, a maioria dos ministros do STF não estará em seus gabinetes para acompanhar de perto o resultado. Com a semana que vem "enforcada" do feriado da Proclamação da República, os magistrados só voltam a se reunir no plenário no dia 20.

Mais raios e trovões prometem atingir o céu de Brasília até lá.

Estadão
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