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As ruas, a democracia e o 7 de Setembro

Nossa democracia vibrante, batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais

4 set 2021 - 03h11
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O batismo de nossa democracia se deu nas ruas, com a campanha das Diretas-Já. De lá para cá, as manifestações se incorporaram ao cotidiano de nossa vida política. Manifestações que costumam ser civilizadas na forma - até para o padrão de regimes de liberdade mais maduros, como França e Estados Unidos - e democráticas no conteúdo. Protestamos contra a inflação, por sistemas de saúde e educação "padrão Fifa" e por leis mais duras de combate à corrupção - ou seja, pelo aprofundamento dos aspectos sociais e éticos de nossa democracia.

Se as ruas foram a pia batismal do nosso regime de liberdade, a certidão de nascimento foi a Constituição de 1988. Mesmo com algumas contradições, ela nos desafia a implantar um Estado de bem-estar social. Além disso, ao passar o poder para as mãos dos civis, nossa Constituição estabelece de forma clara o papel dos militares. Em seu livro Dano Colateral, a jornalista Natalia Viana lembra como foi redigido o artigo sobre a "Garantia da Lei e da Ordem". No texto fica claro que o Exército não é um "poder moderador", podendo atuar apenas quando convocado por poderes civis.

Nos últimos anos, o Brasil colecionou notas altas nos rankings internacionais de democracia liberal, como Freedom House e V-Dem. "Democracia" significa implementar a "vontade do povo" por meio de eleições. O termo "liberal", em sua acepção política, se refere à garantia dos direitos e ao primado das leis. Nenhum governante eleito, em nome da "vontade do povo", pode agir contra as leis e os direitos estabelecidos na Constituição.

Infelizmente, há quem pense de forma bem diversa. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destacada em manchete na quinta-feira pelo Estadão, mostra que a adesão a teses como o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal aumentou 29% entre policiais militares. Pode-se criticar decisões de parlamentares ou juízes do Supremo, mas nada justifica tais teses, antidemocráticas em essência. O Congresso, um poder eleito, é a expressão mais plural da "vontade do povo", e a Corte suprema é a guardiã do pilar "liberal" - o dos direitos - em qualquer democracia.

Jair Bolsonaro deu declarações dúbias sobre o 7 de Setembro, dando munição a quem fala em tentativa de golpe - como o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Natalia Viana - que hoje vive em Boston, num período de estudos na Universidade Harvard - não acredita que o Exército embarque em qualquer aventura autoritária. Ela conversou com vários generais na confecção de seu livro sobre militares e política, e é a entrevistada do minipodcast da semana.

Em manifestações recentes, lideranças do Exército externaram uma postura legalista, ecoando movimentos da sociedade civil. Centrais sindicais, associações de bancos e do agronegócio elaboraram manifestos defendendo a democracia. O governo tratou tais entidades como antagonistas, pressionando os signatários dos textos. "O clamor por responsabilidade e harmonia institucional é visto pelo Palácio do Planalto como radical oposição aos planos do bolsonarismo", escreveu o Estadão em editorial.

Os últimos monitoramentos de redes sociais rastrearam um recuo do discurso autoritário. É uma boa notícia. Nossa democracia vibrante, nascida com uma Constituição e batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais sem compromisso com nenhuma das duas - nem com a Constituição, nem com a democracia.

Para saber mais

Minipodcast com Natalia Viana

*ESCRITOR, PROFESSOR DA FAAP E DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Estadão
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