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A tranquila vida de uma viúva do EI na Alemanha

20 abr 2019 - 11h18
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Alemã Omaima A. foi para Síria, juntou-se ao "Estado Islâmico" e se casou com o terrorista Denis Cuspert. Agora ela parece viver tranquilamente em sua cidade natal, como descobriu uma repórter libanesa.Quando Jenan Moussa, uma conceituada repórter de guerra da emissora de TV árabe Al Aan, acessou os conteúdos de um smartphone fornecido por uma "fonte confiável", ela percebeu imediatamente que tinha um tesouro nas mãos.

O telefone pertencia a Omaima A.. Seu conteúdo - milhares de mensagens de bate-papo e fotografias, bem como dados de voos e screenshots de documentos oficiais - documenta a jornada da cidadã alemã de ascendência tunisiana, da Alemanha até o autoproclamado "Estado Islâmico" (EI), no início de 2015. Apenas alguns meses antes, o grupo terrorista proclamara seu "califado".

"No momento em que vi o conteúdo, percebi que essa é uma visão sem censura da vida de uma mulher do EI", disse Moussa à DW. Ela passou meses vasculhando os dados e em meados de abril divulgou algumas fotos e documentos, junto a uma reportagem de TV mais longa. Embora não tenha sido possível conferir a veracidade das fotos de forma independente, elas realmente fornecem uma visão fascinante da jovem e da vida entre os membros do "Estado Islâmico".

Nascida em meados de 1984 na cidade de Hamburgo, Omaima A. aparentemente se apaixonou e se casou com Nader H., que conhecia alguns dos mais destacados extremistas islâmicos da Alemanha. Segundo Moussa, mais tarde Omaima A. e seus três filhos o acompanharam até a Síria.

As fotografias do início de 2015 retratam as primeiras impressões da vida no território do EI, com as famigeradas bandeiras negras penduradas em postes de luz e cartazes de propaganda. Outras mostram crianças pequenas - que Moussa identificou como filhos de Omaima A. - ostentando chapéus e bandeiras do EI e brincando com armas de fogo. Numa das imagens, uma mulher usando o véu, identificada como sendo Omaima A., segura o que parece ser uma metralhadora AK-47.

Mesmo com os combatentes do EI devastando a Síria e o Iraque, matando, torturando e escravizando em massa, os dados recolhidos do smartphone revelam um lado diferente da vida no califado: passeios familiares a lojas de suco e a margens de rios, assim como numerosas selfies alegres.

Moussa também descobriu no conteúdo do telefone o que diz ser propaganda do EI: uma imagem mostra um meme de dois combatentes mascarados em frente ao Reichstag, o edifício do parlamento federal alemão em Berlim. A legenda em alemão diz: "A vingança estará à sua porta".

Depois que o marido Nader H. foi morto durante os combates em Kobane, Omaima A. aparentemente recebeu uma compensação oficial do EI e se casou novamente. As fotos sugerem fortemente que ela se juntou a um dos mais notórios radicais islâmicos da Alemanha: Dennis Cuspert, um rapper que se tornou combatente do EI e atendia pelo nome de Deso Dogg. No início de 2015, Cuspert foi adicionado à lista de terroristas dos Estados Unidos. Consta que ele teria morrido no início de 2018, na Síria.

Um islamista que frequentou na Alemanha os mesmos círculos salafistas que os dois maridos de Omaima A., afirmou à DW que "ela não era desconhecida". Embora nunca a tivesse encontrado, estava ciente de que ela havia atuado tanto na mídia social na Alemanha quanto "lá" - uma aparente referência à Síria: "É um nome que eu ouvi muito."

Moussa também aponta evidências de que Omaima A. manteve perfis nas redes sociais para o EI, enquanto estava na Síria. Não está claro se ela perdeu na Síria, no fim de 2015, o telefone que Moussa diz conter 36 gigabytes de material, ou se o deixou deliberadamente para trás quando decidiu retornar à Alemanha.

Também não está claro quando exatamente ela chegou à sua cidade natal, Hamburgo, com os filhos. A repórter Moussa supõe ter sido no final de 2016. Ela se diz surpresa de que Omaima A. tenha escapado até agora de processos criminais, quando tantos regressados da Síria e do Iraque para a Alemanha, inclusive do sexo feminino, foram colocados sob vigilância.

A repórter libanesa viajou pessoalmente a Hamburgo para confrontar Omaima A. com suas descobertas. No entanto, só teria conversado com a filha menor, a qual negou que a família tenha visitado a Síria. Mais tarde, falou com a "viúva do EI" ao telefone, mas esta desligou, por duas vezes. Tentativas da DW de contatá-la tampouco tiveram sucesso.

Uma conta cancelada recentemente da rede social LinkedIn - que, segundo Moussa, pertenceria a Omaima A. - mostra uma mulher moderna, muito bem arrumada, de rabo de cavalo, que se descreve como tradutora e coordenadora de eventos. "Ela retomou a vida, vive normalmente e nunca foi acusada ou presa pelas autoridades", afirma a jornalista libanesa.

Mas é provável que já em 2015 as autoridades soubessem que Omaima A. partira para a Síria: uma cópia de um documento oficial - que, mais uma vez, a DW não pôde verificar- informaria Omaima A. que seus benefícios sociais tinham sido cortados devido a "partida para o exterior (Síria)".

Vítimas ou criminosas?

Então, se Omaima A. era conhecida pelas autoridades na Alemanha, por que nunca foi presa? De acordo com a lei do país, só se emite um mandado de prisão se há suspeita premente de crime. Até há pouco, os tribunais alemães, em geral, defendiam que simplesmente viver em território controlado pelo "Estado Islâmico" não bastava para justificar um processo criminal. Cabia aos autores do processo provar que a pessoa assumira um papel mais ativo no grupo terrorista.

Dado que muitas das mulheres aliadas ao EI assumiram papéis menos públicos que seus maridos - os quais frequentemente glorificavam suas ações nas mídias sociais -, é bem mais difícil provar o envolvimento ativo delas. Dennis Cuspert, um dos presumíveis maridos de Omaima A., posou em vários vídeos de propaganda do EI. Num deles ele segura uma cabeça decepada.

Após seu retorno à Alemanha, muitas mulheres afirmam que foram coagidas ou enganadas por seus maridos e nunca apoiaram a ideologia terrorista. Em 2018, o Ministério Público da Alemanha abriu um total de 865 ações judiciais por terrorismo islâmico. As alemãs que retornaram do EI representam apenas uma pequena fração: foram emitidos cinco mandados de prisão contra elas, somente em dois casos foram iniciados processos criminais.

Um deles é um caso emblemático, em andamento em Munique, contra Jennifer W., acusada de permitir, enquanto vivia no Iraque, que uma "criança escrava" yazidi de cinco anos de idade morresse de sede. Os promotores acusam a mulher nascida na Alemanha de crimes de guerra, assassinato e participação em organização terrorista estrangeira.

Se os documentos obtidos por Moussa através de um smartphone encontrado na Síria forem de fato autênticos, é provável que o Ministério Público da Alemanha examine mais de perto o caso de Omaima A. As fotos no telefone mostram uma mulher que parece ter abraçado de boa vontade a ideologia do autoproclamado califado, enquanto documentos também sugerem que ela tenha levantado recursos para círculos radicais islâmicos.

Várias autoridades contatadas pela DW não quiseram comentar publicamente sobre o material obtido por Moussa. Mas no caso de novas evidências os promotores podem abrir novas investigações. Como revelou à DW uma fonte: Omaima A. "não é uma desconhecida para nós".

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