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A controversa Guarda Revolucionária do Irã

9 abr 2019 - 17h35
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Críticos afirmam que corporação classificada pelos EUA de terrorista oprime dissidentes e viola direitos humanos, enquanto apoiadores do governo do Irã a consideram "guardiã" do sistema teocrático.Numa decisão extraordinária, os EUA anunciaram nesta segunda-feira (08/04) que a Guarda Revolucionária do Irã passa a fazer parte de sua lista de grupos terroristas estrangeiros. Esta é a primeira vez que os EUA classificam uma agência de outro governo como "organização terrorista". Mas, considerando a hostilidade contínua entre os dois países, a notícia não era inesperada.

Guarda Revolucionária do Irã durante parada militar
Guarda Revolucionária do Irã durante parada militar
Foto: DW / Deutsche Welle

"Este passo sem precedentes, liderado pelo Departamento de Estado, reconhece que o Irã não é apenas um Estado patrocinador do terrorismo, mas que a IRGC [sigla em inglês da Guarda Revolucionária], participa ativamente, financia e promove o terrorismo como uma ferramenta de força estatal", disse um comunicado do presidente americano, Donald Trump.

Segundo o gabinete de Trump, a classificação "envia uma mensagem clara" ao governo do Irã de que suas ações têm consequências. Ela significa que os EUA vão impor sanções diretas contra a Guarda Revolucionária.

Em resposta, o governo do Irã declarou o Comando Central dos EUA e as forças militares americanas no oeste da Ásia organizações terroristas e classificou o país de um Estado financiador do terrorismo.

De acordo com o analista de assuntos militares Hossein Aryan, a retaliação não tem significado prático. "É apenas propaganda para consumo doméstico", diz Aryan, que serviu como oficial naval no Irã por 18 anos.

"No entanto, a Guarda Revolucionária pode usar seus 'representantes' para explorar as vulnerabilidades dos EUA no Iraque e na Síria. Ela tem laços estreitos com o poderoso grupo libanês Hisbolá e pode usá-lo para causar problemas às forças americanas no leste da Síria."

A Guarda Revolucionária é a força militar de elite do Irã responsável por proteger o regime de ameaças internas e externas. Com 150 mil homens, ela também controla a milícia Basij, que tem cerca de 90 mil membros ativos, e a força Quds, de operações especiais no exterior.

Ela foi estabelecida no final da Revolução Islâmica do Irã em 1979, como uma milícia armada de elite, cujo papel era proteger o então embrionário regime clerical xiita. Ela também formou um importante contrapeso para os militares convencionais do Irã, cujos integrantes eram vistos durante muito tempo como leais ao xá exilado.

A unidade operou inicialmente como uma força doméstica, mas expandiu-se rapidamente depois que o ditador iraquiano Saddam Hussein invadiu o Irã em 1980, quando o aiatolá Ruhollah Khomeini deu ao grupo suas próprias forças terrestre, naval e aérea.

"Instrumento armado dos abusos do regime"

"A guarda foi criada como uma ferramenta para promover a jihad em todo o mundo", afirma Paulo Casaca, fundador e diretor executivo do South Asia Democratic Forum, baseado em Bruxelas. Ele acredita que a classificação dos EUA seja justificada, pois a Guarda Revolucionária "está envolvida na promoção do terrorismo há muito tempo".

"É importante notar que a União Europeia já listou os líderes mais importantes da Guarda como 'entidades terroristas'", diz Casaca. "Portanto, não há contradição entre as medidas dos EUA e as tomadas pela UE há alguns meses."

"Mas há uma diferença no método", ressalva Casaca, que foi membro do Parlamento Europeu por Portugal de 1999 a 2009. "Enquanto a UE acredita ser melhor manter a classificação para apenas alguns indivíduos - este também é o caso com o Hisbolá do Líbano, que a UE listou apenas parcialmente como uma organização terrorista -, os EUA colocaram toda a organização em sua lista de terroristas."

A corporação supostamente oprimiu dissidentes dentro do Irã e esteve envolvida em tortura e violações maciças dos direitos humanos.

"A Guarda Revolucionária é o principal instrumento armado para os abusos do regime", frisa Casaca. "Tem grande influência econômica no país: faz parte da economia formal e informal do Irã e atua como um órgão de investimento público e de intervenção social."

Ele diz acreditar que a Guarda Revolucionária está envolvida em "espalhar a jihad no exterior".

"Ela direciona finanças e armas para as milícias no Iraque, Síria, Líbano, Iêmen, Afeganistão e Paquistão", ressalta Casaca. "Por meio de sua milícia interna, a Basij, ela [a IRGC] é a ferramenta do regime para a repressão interna. Na maioria das vezes, ela é acionada quando protestos populares se tornam mais fortes no país."

Apoio popular

Apoiadores do governo do Irã consideram a Guarda Revolucionária uma "protetora" e "guardiã" da revolução.

A força também esteve envolvida em serviços públicos e atividades de socorro, tais como ajudar as vítimas das atuais grandes inundações. O chefe da Guarda disse recentemente que as forças "estavam usando todo o seu poder" para responder aos danos causados pelas inundações. Alguns iranianos acreditam que a corporação usou as enchentes para angariar mais apoio no país.

Na terça-feira, legisladores iranianos vestiram uniformes paramilitares e gritaram "morte à América" no Parlamento. O presidente Hassan Rouhani disse que a popularidade da força só aumentaria após a classificação dos EUA, acrescentando que a Guarda Revolucionária será mais apoiada pelos iranianos "do que em qualquer outro momento".

Esse sentimento ficou perceptível nas mídias sociais. "De acordo com o artigo 150 da Constituição iraniana, a Guarda Revolucionária é uma parte das Forças Armadas", escreveu o iraniano Reza Ramezannejad G no Twitter na segunda-feira, usando a hashtag #WeSupportIRGC. "Chamá-los de 'terroristas' é um insulto à constituição do país e do povo do Irã."

Alguns apoiam a decisão dos EUA. "Fui preso pelo IRGC e torturado por três meses", escreveu alguém chamado Madyar no Twitter na segunda-feira. "Ainda sofro com isso mesmo depois de 15 anos. Fiquei preso por quase dois anos. A Guarda Revolucionária é uma força militar 'rebelde' que viola os direitos humanos e é inimiga do Irã. Deixem que eu seja claro: não há razão para apoiar uma instituição que viola os direitos humanos, que é opressiva e que saqueia nossa economia", concluiu.

Reza Alijani, jornalista iraniano residente em Paris e membro do Conselho de Ativistas Religiosos Nacionalistas do Irã, disse à DW que acredita que a decisão tornará a reconciliação e a negociação entre os EUA e o Irã ainda mais difícil.

"As políticas dos governantes do Irã e do governo Trump colocaram os iranianos entre dois polos", sublinha Alijani. "A questão da Guarda Revolucionária deve ser resolvida pelo próprio povo iraniano. Agora, é difícil prever como os iranianos reagirão à decisão dos EUA."

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